segunda-feira, 7 de maio de 2012

POCOU, NÃO... BOMBOU!


Peça capixaba com ótimos atores, história, figurino e produção lota grande teatro da capital. Sim gente, aconteceu!

Dois casais de mendigos, integrantes de uma trupe de teatro mambembe, guiados pela fome, acabam matando um pato que pertencia ao imperador do país em que vivam. Pronto! Está aí o enredo básico da comédia capixaba “Os Mendigos e o Pato do Imperador”, do Grupo “Trupe Iá... Pocô”. A história, aparentemente simples é, na verdade, o pano de fundo para uma verdadeira ode ao teatro. Com direção de Rodrigo Paouto, o espetáculo faz parte do delicioso cardápio do “Festival Aldeia Sesc Ilha do Mel 2012” e conseguiu levar em torno de 400 pessoas para a plateia do Teatro Carmélia Maria de Souza, na capital. Qual o segredo?

O segredo deve ser porque, durante 60 minutos, o que vemos descortinar-se diante dos nossos olhos é o lúdico instituído, com um sem-número de referências. É impossível não perceber a influência de Molière desde o começo. Fiquei me lembrando de Les Femmes Savantes, peça meio cômica, meio poética. À primeira vista, “Os mendigos...” parece uma espécie de “brincadeira de crianças”. A linguagem é rimada, próxima a de um cordel. O figurino é colorido, meio circense até. E mesmo quem não conhece muito de teatro consegue entender o que é citado, de Shakespeare à Commedia del’Arte, pois tudo é explicado bem didaticamente. E tudo isso, por si só, já serve para encantar o espectador e deixar na sua boca o gostinho pelas artes cênicas.


Porém, se você não se convenceu, é porque o segredo talvez esteja, então, nas mensagens subliminares que o texto nos emitiu. Será que ninguém percebeu que o imperador era a metáfora dos insensíveis? Fiquei lembrando o “Teatro do Oprimido”, num resgate a Augusto Boal. É só dar uma olhada na História para ver que os atores são sempre os primeiros a serem calados e os teatros, os primeiros a serem fechados. Tudo como no bordão exaustivamente repetido: “nada do que for falado vai mudar o fato”. Os personagens Solenes, Baltazar, Agúcia e Dolores simbolizam, respectivamente, a busca da felicidade, da sobrevivência, da beleza da vida e do sonho, qualidades de um bom ator, enquanto que a Sra. Navorski significa a própria ferramenta da opressão. Impossível não torcer pelo sucesso dos protagonistas!

Mas... se após tudo isso que escrevi você ainda não entendeu o segredo de tanto sucesso, vai aí ele então: é o amor. Não há como não se tocar pelo amor da trupe ao teatro. Nesse tempo em que tenho falado do assunto, ouço muitas queixas daqueles que ainda insistem em fazer arte neste país. Mas, a despeito das vicissitudes, ver seis atores esbanjando talento, e, sobretudo, amando o que fazem – e fazendo sucesso com uma dramaturgia 100% capixaba, com a mesma qualidade de uma de fora - faz com que a gente os aplauda de pé (eu mesmo fui um deles). Por tudo isso é que vale à pena vê-los em cena. Esse é o segredo. Destaque para a atriz Dana Oliver, que tem a comédia no sangue. Parabéns, pessoal. Vocês conseguiram.

(Texto do escritor Anaximandro Amorim)

Anaximandro Amorim (1978) é escritor, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha/ES.

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