Muitos teóricos da pós-modernidade vão acentuar que
nossa sociedade vive a cultura de consumo, onde o homem tem como uma das
atribuições do capitalismo o consumo exacerbado de bens materiais e simbólicos.
Desse modo, tudo se relaciona ao consumo, que é um mecanismo global que molda
as relações dos indivíduos na contemporaneidade. Destarte, neste artigo, vamos
nos ater em analisar sociologicamente a canção “Babylon” (2000), de Zeca
Baleiro:
Baby!
I'm so alone
Vamos pra Babylon!
Viver a pão-de-ló
E möet chandon
Vamos pra Babylon!
I'm so alone
Vamos pra Babylon!
Viver a pão-de-ló
E möet chandon
Vamos pra Babylon!
Gozar!
Sem se preocupar com amanhã
Vamos pra Babylon
Baby! Baby! Babylon!...
Sem se preocupar com amanhã
Vamos pra Babylon
Baby! Baby! Babylon!...
Comprar o que houver
Au revoir ralé
Finesse s'il vous plait
Mon dieu je t'aime glamour
Manhattan by night
Passear de iate
Nos mares do pacífico sul...
Au revoir ralé
Finesse s'il vous plait
Mon dieu je t'aime glamour
Manhattan by night
Passear de iate
Nos mares do pacífico sul...
Baby!
I'm alive like A Rolling Stone
Vamos pra Babylon
Vida é um souvenir
Made in Hong Kong
Vamos pra Babylon!
I'm alive like A Rolling Stone
Vamos pra Babylon
Vida é um souvenir
Made in Hong Kong
Vamos pra Babylon!
Vem ser feliz
Ao lado deste bon vivant
Vamos pra Babylon
Baby! Baby! Babylon!...
Ao lado deste bon vivant
Vamos pra Babylon
Baby! Baby! Babylon!...
De tudo provar
Champanhe, caviar
Scotch, escargot, rayban
Bye, bye miserê
Kaya now to me
O céu seja aqui
Minha religião é o prazer...
Champanhe, caviar
Scotch, escargot, rayban
Bye, bye miserê
Kaya now to me
O céu seja aqui
Minha religião é o prazer...
Não tenho dinheiro
Pra pagar a minha yoga
Não tenho dinheiro
Pra bancar a minha droga
Eu não tenho renda
Pra descolar a merenda
Cansei de ser duro
Vou botar minh'alma à venda...
Pra pagar a minha yoga
Não tenho dinheiro
Pra bancar a minha droga
Eu não tenho renda
Pra descolar a merenda
Cansei de ser duro
Vou botar minh'alma à venda...
Eu não tenho grana
Pra sair com o meu broto
Eu não compro roupa
Pra sair com o meu broto
Eu não compro roupa
Por isso que eu ando roto
Nada vem de graça
Nem o pão, nem a cachaça
Quero ser o caçador
Ando cansado de ser caça...
Nada vem de graça
Nem o pão, nem a cachaça
Quero ser o caçador
Ando cansado de ser caça...
Ai, morena! Viver é bom
Esquece as penas
Vem morar comigo em Babylon...
Esquece as penas
Vem morar comigo em Babylon...
Na primeira estrofe, o eu lírico evoca a amada a
irem para Babylon, já que ele está muito só. O convite é argumentado pelas
comidas privilegiadas da elite (pão-de-ló e möet chandon) a fim de provar que
Babylon é um lugar ideal para se viver feliz. O poeta retoma o convite na
segunda estrofe, mostrando um possível modo de vida que não se preocupa com o
amanhã (carpe diem). Interessante notar, quanto ao título, que o termo baby (amada) é radical da palavra
inglesa Babylon. O título em inglês e as outras expressões em francês já
apontam para a mundialização dos produtos culturais. Babylon seria um “símbolo
de entidade plausível, símbolo do poder econômico globalizado. É inevitável não
reconhecer na canção a figura da Babilônia, a grande prostituta, descrita por
São João no livro de Apocalipse como ‘cidade forte’ e ‘grande’, hábitat de
mercadores enriquecidos e de reis devassos”, como aponta Cristian Santos em
“Babel (Confusão ou salvação?): religiosidade, secularização e mercado em
Babylon, de Zeca Baleiro” (2009).
O primeiro verso da terceira estrofe traz consigo a
tônica da canção (prazer em consumir). O eu poético pode comprar o quiser, dá
adeus a ralé e elenca outros prazeres. Aqui, notamos que Babylon é o lugar do prazer imediato, este centrado no
consumismo exacerbado. De acordo com Zygmunt Bauman em “Modernidade Líquida”
(2001), o individuo pós-moderno utiliza-se do ato de comprar para se livrar do
mal e assim sentir-se bem.
Signos
Nas três estrofes seguintes, o poeta revela que vive
como uma pedra a rolar e que a vida é uma lembrança de Hong Kong que não tem
valor algum. Ele reúne um número de costumes, comidas, objetos da elite, que
ele pode usufruir e de novo se esquiva da ralé. Na pós-modernidade, a
estetização da vida e o triunfo do signo mostram a subordinação da produção ao
consumo sob a égide de marketing, com uma ascensão muito grande da concepção de
produto, do design e das ferramentas de comunicação do marketing. O eu lírico
sugere que sua religião é o prazer. Babylon seria uma espécie de “Pasárgada”
para o poeta. Um lugar em que ele pode tudo: “[...] a grande fissura no
pensamento do poeta não está em reconhecer a possibilidade de entrar num ‘mundo
de prazer’, pois o cristianismo e outras religiões já se incumbiram disso”,
revela Santos. Nessa estrofe, o discurso religioso, outrora muito poderoso, não
tem força alguma na atualidade. Com isso, a ética do eu poético é moldada
somente pelo sistema capitalista, que dita modas, os costumes, e que,
sobretudo, consegue vender um discurso mais atrativo que a religião e/ ou a
ciência.
Nas estrofes seguintes, o eu lírico apresenta negativamente
o seu mundo. Essa também é uma forma de argumentar a favor de Babylon, lugar do
prazer imediato. Basicamente, as duas estrofes versam sobre a falta de dinheiro
do eu poético, que também não ter droga, merenda nem boas roupas. O sujeito
cansa da vida sem poder aquisitivo e revela que vai por a alma à venda. Os versos
reforçam a ineficiência do discurso religioso na pós-modernidade, afirmam a força
do sistema capitalista nos nossos dias. A nona e última estrofe retoma à
problemática da primeira estrofe. O poeta tenta convencer a amada que viver é
boa e também solicita que a amada esqueça as penas. Essa estrofe reafirma as
seis primeiras, nestas o poeta positivamente descreveu Babylon. Por fim, o sujeito reafirma a vida chamando a amada para
morar no paraíso do consumo.
(Texto
de Ricardo Salvalaio publicado no Caderno Pensar, do jornal A Gazeta, no dia
12/11/2011)
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