domingo, 8 de janeiro de 2012

BOWIE ESTARIA APOSENTADO?

Dylan, que prossegue desde o final dos anos de 1980 a sua Never Ending Tour, completou 70 anos a 24 de Maio passado. Mas Dylan carrega consigo a história e os sons da "velha e bizarra América", citando o título de um dos livros de Greil Marcus, o maior estudioso da sua obra e persona. Chuck Berry, um dos pioneiros do rock"n"roll e o homem que lhe fixou um imaginário de romance tão rápido e intenso quanto os carros que aceleravam nas suas canções, completará 86 a 18 de Outubro - e ainda dá concertos.

Mas Chuck Berry, o de Johnny B. Goode ou de Roll over Beethoven, é há muito uma relíquia de um tempo a uma inimaginável distância. De certa forma, já o era quando David Bowie vestiu a pele de viajante interplanetário. Aconteceu em 1969 com a edição de Space oddity, o seu sucesso e a primeira das suas máscaras. Mais que moderno - moderníssimo! -, Bowie, então com 22 anos, era o futuro. Continuou a sê-lo, ora por intuição certeira e inspirada - conferir o período berlinense de final da década de 1970 -, ora por apropriação dos sinais de futuro que despontavam.

David Bowie, "o Camaleão", o homem reinventado, não é como Dylan e não pode ser comparado a Chuck Berry. De certa forma, não pode envelhecer. Exigiram-lhe que fosse o presente, sempre e de forma renovada. Não foi isso a sua carreira, da ambiguidade sexual na capa de The Man Who Sold The World e Hunky Dory ao alien Ziggy Stardust, versão sci-fido glam de Marc Bolan? Da distopia de Diamond Dogs, álbum inspirado no 1984 de Orwell, ao soul man branco de Young Americans? Do controverso Thin White Duke ao vanguardista proto-punk de Station to Station ou Low? Da estrela para as massas de Let"s dance ao homem que flirtou com o emergente drum"n"bass na década de 1990?

De cada nova aparição, fez um comentário e uma intervenção sobre o presente, incorporando na música e na estética as marcas do seu tempo. Mas, nesse processo, a que juntou uma presença cinematográfica respeitabilíssima para estrela pop - major inglês em Feliz Natal, Mr. Lawrence, Pilatos em A Última Tentação de Cristo, Andy Warhol em Basquiat -, nunca conhecemos verdadeiramente o homem nascido David Jones a 8 de Janeiro de 1947. Não espanta, portanto, que, num momento em que vetustas figuras da pop passam dos discos multiplatinados para os best sellers biográficos - Life, de Keith Richards, serve de paradigma -, seja ele o mais desejado. Stacy Creamer, editora da Touchstone, chama-lhe "a grande baleia branca": "Retiro-me se o "apanhar"", dramatizou este ano à imprensa britânica. Daria certamente uma leitura enriquecedora, mas acederá David Bowie a fazê-lo? A resposta é uma interrogação.


Reformado não oficialmente desde meados da década passada e a 24 horas de atingir oficialmente a idade da reforma, recordamos o que disse quando lhe perguntaram que fio condutor ligava toda a sua obra. "Talvez uma ideia de isolamento. O isolamento humano é um dos temas maiores a percorrer o meu trabalho." Será esse o seu último acto, a sua última pantomina? Desaparecer completamente no anonimato da vida familiar? Como sempre, só ele saberá a resposta.

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