Novos discos dos cantores mostram diferentes
jeitos de enxergar a carreira e a vida
Quem
conhece minimamente Bob Dylan sabe que ele não fica
muito tempo fazendo a mesma coisa - por isso, criou diversos inimigos ao longo
de meio século de carreira. A aceitação da mudança é um processo recorrente na vida do cantor. Apesar desse não ser um texto sobre Dylan, há
algo dele nos próximos parágrafos, que mostram um devaneio sobre dois
lançamentos recentes de artistas tão experientes quanto o americano: Sir Elton John e Sir Paul McCartney.
O
primeiro lançou há algum tempo The Diving Board, um disco que surpreende pela
sonoridade introspectiva e solta, quase despreocupada. Não há guitarras ou a
batida de balada característica de John. Algumas canções ficariam boas com essa abordagem mais "banda de
rock", mas o inglês preferiu a dinâmica do vazio para criar ambiência. O
disco recebeu críticas sobre a falta de acabamento de algumas músicas - algo
inaceitável a essa altura da carreira.
Eis
que surge Bob Dylan: antes de lançar The Diving Board,
Elton John disse que por conta de discordâncias anteriores com a gravadora,
chegou a pensar em abandonar a música. No entanto, mudou de ideia ao ouvir o álbum Modern Times
(2006), de Dylan, e disse que só retornaria ao estúdio para fazer algo nessa
linha. Como referência o parâmetro do próprio artista, é possível ouvir e
entender o novo álbum de uma maneira bem diferente. Não está em jogo o potencial
sonoro das canções, mas sim a conexão proposta.
Dylan, por exemplo, não precisa trocar uma palavra
com o público. Para os fãs, as recorrentes mudanças nos repertórios dos shows,
deixando de lado clássicos que ninguém ousaria ignorar, também são aceitáveis.
Bob Dylan se conecta com o público pela música. A lógica é simples: ser o mais
sincero possível na maneira de interpretá-las, mudando seus arranjos e até as
tirando do jogo quando preciso, para dar ao público o que há de mais real entre
o eu-artista e a obra. E esta a chave. Elton John entendeu que sua referência
deveria ser o egoísmo da satisfação musical. A partir daí, a conexão com o
público seria inevitável. Pelo menos com quem procura algo além de melodias
assoviáveis.
Paul McCartney, por sua vez, está de volta com New,
seu 16º álbum solo de estúdio. Se nos dois anteriores, Memory Almost Full (2007) e Kisses On The Bottom (2012), ele buscou uma sonoridade mais
crua, agora foi a vez de se aproximar do mundo pop e suas para fernalhas
tecnológicas. Para garantir sucesso absoluto, Paul recrutou quatro produtores
de ponta: Paul Epworth, que já trabalhou com Adele; Mark Ronson, famoso pela parceria com Amy Winehouse; Ethan Johns, que tem no currículo Kings Of Leon e Ryan Adams; e Giles Martin, filho do também produtor e “quinto Beatle” George Martin.
Os nomes dos produtores deixa a clara intenção de Paul em "se
manter no jogo"; brigando com nomes pop como Miley Cyrus e Justin Timberlake, por exemplo. McCartney quer continuar
sendo o centro das atenções, um eterno rapaz, e escolheu jogar como os jovens
para se conectar a eles. Essa áurea peterpânica e megalomaníaca paira sobre
Paul há algum tempo, e ao ouvir seguidamente New e The
Diving Board, é impossível não refletir sobre as diferentes formas de
encarar a velhice - ou talvez a própria vida.
Não é questão de qualidade. Os
dois álbuns são muito bons e merecem respeito.
É preciso também reconhecer que Elton John parece
satisfeito com suas conquistas, e agora, tirando o pé do acelerador, faz o que
lhe agrada ao invés da responsabilidade comercial. Paul escolheu novos ares e a
conquista do mercado - e isso também deve ser valorizado. O resultado também é
de altíssima qualidade. As músicas são vivas, modernas e prazerosamente
pegajosas.
Outra comparação pode ser feita com as primeiras frases de cada disco.
Enquanto Paul abre o disco com "Save us" ("Eu posso tentar te dar tudo o que você sempre quis/ Você não é tão
difícil de satisfazer/ E a única coisa que eu peço em retorno/ Você pode dar
com facilidade"); Elton, em "Oceans away", escolhe a seguinte letra: "Eu andei com os velhos, na
esperança que eu ficasse sábio/ Eu estava tentando fazer a ponte entre a grande
divisão".
Em
um vídeo comparando Dylan e McCartney, o comediante-mágico Penn Point afirma que o Paul de
hoje é a melhor versão possível do Paul dos anos 60 - como se fizesse parte do
melhor "tributo aos Beatles" que existe. Bob, por sua vez, parece ter
sofrido mais com o tempo do que qualquer outro ser humano e isso é aparente no
palco. Enquanto Paul é fiel à execução de sua discografia, Bob Dylan desafia o
público a olhar suas canções cada dia sob uma ótica diferente. É como se as
canções fossem seres e não coisas. Elas possuem personalidade, cacoetes,
angustias e anseios.
Elton John não chegou a esse nível, mas The Diving Board mostra que ele fez o
máximo para se aproximar desse ideal. Ele executa as canções como elas querem e
não necessariamente como o mercado gostaria de ouvir. Paul pula e brinca no
parquinho enquanto Elton, sentado, observa-o de longe e ri com a cena. No fim,
resta saber quem, de fato, se diverte mais.
(Texto de Pedro Couto, que é jornalista e escreve do Dylanesco, site sobre
Bob Dylan)
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