Mikaela Gomes de Oliveira é graduada em Letras-Português pela UFES. Escritora nos momentos de folga, cinéfila assumida e uma amante incondicional da literatura brasileira e da cultura capixaba. Também é co-fundadora deste blog. Confira, abaixo, o conto “O andarilho”:
O ANDARILHO
Ela caminhava, passos lentos e precisos, um olhar vazio que se via à distancia. Feições complexas como um enigma, mas ela tinha algo em comum com aquele homem da esquina, um andarilho descaracterizado pelo tempo e pelas amarguras da vida. Os dois ansiavam por compreensão, algo que não se via em ninguém há muito tempo.
Aos poucos ela tomou coragem de fazer o inesperado, se aproximar daquele homem que todos faziam questão de não perceber. Ela já fez parte do círculo de pessoas que o ignorava. Toda vez que via o homem puxando seu carrinho ou lendo uma revista no canto da rua, se perguntava se aquele ser esfarrapado e imundo tinha alegria ou empolgação em ler algo. Às vezes, a mulher sentia revolta, se questionava e poucas eram às vezes, em que ela sentia dó. Reações que nem ela sabia. Praguejava sempre que passava por ele, o culpando, pelas emoções, sentidas por ela. Mal sabia ela que era seu próprio ser gritando desesperado por liberdade.
Hoje, na verdade, seria diferente. Não importava o que seria, ódio, repugnância, dó, afeição; não interessava, ela iria se aproximar dele. Pra que? Ainda não sabia, mas também não importava. Nada importava, apenas, ele importava.
Aproximou-se dele cabisbaixa com o olhar vazio. Não conseguia dizer nada, nada saia de seus lábios, nem uma palavra sequer. Ele devolveu aquele olhar a ela, com um extremamente diferente. Era algo que irradiava. Algo sem explicação! O andarilho pegou rapidamente uma revista velha que sempre lia, sua companheira inseparável e a entregou a mulher. Em silencio, ele se achegou para o canto do banquinho que usava e cedeu um pequeno espaço para ela se sentar. Não houve sequer uma palavra entre os dois. Ali eles ficaram. Ela leu inúmeras revistas com ele sem haver diálogo algum. As trocas de olhares e a cumplicidade de sorrisos entre os dois valiam mais do que mil palavras pronunciadas.
A mulher passou a tarde toda ali com o andarilho, e, ao se despedir, trocou um aperto de mão com ele. Aquele dia jamais iria ser esquecido por ambos e mais ainda por ela, que, em seu leito de morte, depois de muitos e muitos anos do acontecido, ainda lembrará que fora compreendida ao menos uma única vez em toda a sua vida.
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