A recente
depredação de que foi alvo a estátua do escritor brasileiro Carlos Drummond de
Andrade, na praia de Copacabana, suscita algumas questões relevantes atinentes
à cultura e educação em nossa sociedade. Drummond é importante para quem? Para
o autor deste artigo e para os que têm determinado nível de escolaridade e
leitura, certamente é fundamental por seu legado literário. No entanto, o
Brasil é uma sociedade na qual a cultura letrada humanística tem peso cada vez
menor, conjuntura cuja percepção é particularmente relevante quando olhamos
para trás e nos damos conta de que desde nossa gênese enquanto nação a oralidade
foi e é traço distintivo, bem como o uso do corpo como uma espécie de gramática
auxiliar. Nós falamos, gritamos, gesticulamos, dançamos, mas o pensamento
escrito nosso povo nunca reputou fundamental.
Logo, a
Literatura, cuja matéria-prima é a palavra elaborada artisticamente, é objeto
marginalizado, tanto na vivência cotidiana quanto nas escolas, em que essa
disciplina, via de regra, é tratada como uma longa e enfadonha historiografia,
atrelada à ideia de beletrismo e ao normativismo gramatical, ao invés de o
aspecto artístico ser privilegiado. Nesse sentido, a Literatura nas escolas
sofre uma pichação institucionalizada e curricular, por meio da qual se
contribui sobremaneira para desumanizar subliminarmente o indivíduo,
acomodando-o à linguagem binária, ao comportamento mecatrônico do dia a dia,
que elimina gradações em prol de extremos maniqueístas (ser ou não ser: eis a
questão?).
Sob esse
aspecto, a atitude do casal flagrado pelas câmeras instaladas na praia carioca
não deveria causar espécie, pois apenas consubstancia o discurso pedagógico,
dá-lhe uma forma palpável ao violar o ícone. Sim, pois conspurcar o mestre, o
exemplo, a palavra escrita, é isso o que se colhe quando a estrutura faz o
aluno mediano interessar-se apenas pelo quanto será útil à sua “expertise”, à
sua intenção de ser um colaborador pró-ativo e focado em seu objetivo
profissional o conhecimento das características do Modernismo ou de qualquer
outra escola literária.
Numa
sociedade que se guia por esse pensamento, Drummond é reduzido a bronze
esculpido na praia, para ser usado por turistas como cenário fotográfico.
Percentual notável da população ignora a importância dele, o que aquela figura representa.
Para essa camada, ele é uma pedra no meio do caminho, pois simboliza um conhecimento
ignorado e tido por inútil, do estreito ponto de vista pragmático.
Assim
sendo, é contraproducente e preconceituoso certo discurso decorrente da
pichação, que sustenta ser essa atitude um exemplo insofismável de que o povo
desvaloriza a “boa cultura”. Que povo, se ele não é uno, e sim constituído de
parcelas? E o que é “boa cultura”? Se não servir para José, João, Teresa,
Raimundo, Maria, Joaquim e Lili terem direito a espaço no mercado de trabalho,
é boa? Sim, certamente, mas numa dimensão ainda pouco explorada nas salas de
aula de ensino fundamental e médio. Porque é necessário tiremos Drummond da
praia e dos círculos estreitos, e o coloquemos honestamente de volta nas salas
de aula. Sentado como está em Copacabana, mas não sozinho ou em companhia de
eventuais turistas sorridentes, e sim ao lado de alunos que precisam conhecer
as sete faces de um poema, as muitas faces da “verdade” (que costuma não ser um
“case” de sucesso), e entrem na história.
(Texto de Eduardo Selga publicado
no Jornal “A Tribuna” em 08/01/2013)
Eduargo Selga é professor de Língua Portuguesa e mestrando em Literatura pela UFES.
Dizem que os pichadores são dois vândalos mineiros,da terra de Drummond. Porque será que tiveram uma reação tão radical? Será que nem os mineiros conhecem a importância do grande escritor/poeta pra cultura nacional??? Drummond não é assunto pra pauta nas escolas mineiras????? DE qualquer forma a atitude vandalista dos pichadores foi um desrespeito a memória de alguém tão importante pra cultura nacional e não só mineira....digo até...cultura mundial e um dos nossos orgulhos culturais e patrimônio da humanidade.
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