Sandro Bahiense é
professor, bibliotecário e amante das coisas que envolvam escrita. Lançou em
2008, em parceria de Ricardo Salvalaio e de mais 7 colegas poetas, a coletânia
de poesias "8 Vezes Poeta", trabalho em que pôde expor um pouco de
seus sentimentos e arte. Ficou conhecido entre os colegas da UFES por fazer uma
crônica para cada um deles. Além de crônica e poesia, Sandro também escreve
artigos de opinião, contos e máximas. Tais trabalhos podem ser vistos em seu
próprio blog cujo endereço é http://sandrobahiense.blogspot.com/.
Sandro trabalha também, claro, neste blog como um dos colunistas. Confira,
abaixo, o conto intitulado "Crepusco":
“CREPUSCO”
Já ia dar meio-dia naquele dia de sol escaldante do interior
nordestino. Josefa, cujo apelido não se sabe porque era Billa, vinha carregando
em sua cabeça um balde d´água junto a seus quatorze irmãos no caminho de volta
à sua casa. Zefa, ou melhor, Billa, não era a mais bonita, nem a mais
inteligente, e não era a mais popular na sua escola. Seus outros quatorze
irmãos faziam mais sucesso na escolhinha de mainha Severina que ficava no
quintal atrás da casa dos irmãos. Tudo transcorria como habitualmente na vida
de Billa até que ela teve a visão: Era ele! O calango mais bonito, charmoso e
branco luminoso como água com barro daquela região. Ela o viu, de longe,
montado em seu jegue. Apesar da distância, podia ver seu cabelo mais encrespado
que a mata mais densa, os olhos mais amarelos que o milho e os dentes mais
inexistentes do que a comida na dispensa de sua casa. Era ele!
Ele também a viu. Os olhos entreolharam-se por segundos,
tempo suficiente para gerar o amor mais infinito que o sertão podia sentir. O
rapaz mudou sua direção. Guiou o jegue para próximo de Billa que tremeu por
dentro de emoção. Depois percebeu que era fome. Mordiscou um cacto e continuou
a espreitá-lo. Estranhando a demora, os outros quinze irmãos, neste ínterim a
mãe teve mais um, saíram a sua procura. Todos viram o rapaz. Criou-se um afã.
As seis meninas e Juarí, que diziam ser meio afeminado o danado, ficaram
alvoroçados. Percebendo ter a concorrência das irmãs, Billa tratou de
desanimar, afinal era a mais desinteressante e despopular da escola.
Ainda assim ele continuou olhando-a, sem piscar. Eis que aconteceu um
grave problema, o jegue da família de Billa, que estava no cio, assanhou-se com
a presença de outro e, desgovernado, partiu pra cima da moça. O rapaz, num
átimo de segundo, saltou de seu jegue e jogou-se na frente da menina, colocando
seu braço à frente do animal, protegendo-a.
Todos ficaram surpresos com aquilo. Afinal as pessoas sequer
tinham forças para sair do jegue quanto mais para segurar um. Billa e o rapaz
se entreolharam mais uma vez. Na mesma velocidade em que a salvou, o rapaz,
preocupado com a atenção que chamou, foi embora. A moça passou dias pensando no
bravo rapaz até que um dia na escola teve a surpresa. Era ele! O pai do jovem
disse que tinha se mudado ali pra perto, coisa de 2 ou 3 horas de jegue, e que
queria matricular seu filho na escola mainha Severina. Billa ficou atônita! Era
a chance de contar de todo amor. De toda a paixão que ardia em sua entranha...
Depois ela descobriu que o ardor também era de fome e comeu um pedaço de barro
cozido. O rapaz, tímido e arredio, se apresentou. Ninguém conseguiu compreender
o nome dele. Então teve que soletrar E-D-D-W-A-H-R-D-I-R-S-O-N. “Painho era
muito do criativo” disse ela com sua voz tímida que fazia Billa tremer. “Podem
me chamar de Ed, é mais fácir” disse ele com seu sotaque estranho que parecia
ser lá de Londres – Estado da Bahia. Billa e Ed começaram a conversar e ele não
deu bola para nenhuma das irmãs dela, admitamos que teve um pequeno affair com
Juarí, mas foi coisa passageira. Logo Billa e Ed perceberam ter várias coisas
em comum: Ambos confundiam tremor de fome e com emoção, ambos tinham vinte e
oito perebas na perna e ambos adoravam calango frito com pequi. Eram muitas as
coincidências...
Dia após dia a amizade crescia até que Billa decidiu abrir
seu coração “estou enrabichada por você Ed”, “Oxe, e eu também por você Billa,
mas nosso amor é impossível”, completou ele. Ed sumiu da escola nos dias
seguintes, até que Billa decidiu ir atrás dele. Chegando até sua sombria casa
de pau a pique ela se assustou com a cor negra da parede. Depois percebeu que
não era tinta. Eram morcegos. Muitos. Milhares. Estranhou achar um morcego
realmente parecido com Ed. Venceu o medo e decidiu chamá-lo. Após um tempo Ed
apareceu. Ele a pegou nos braços e rumou por chapada à dentro. Sentados numa
pedra vendo o luar Ed abriu o jogo “Billa eu sou um vampiro”. “Oxe eu também
não tomei vacina quando era criança Ed, também devo estar cheia de doenças...”
disse ela esperançosa em que a “doença” de Ed não impedisse infinito amor. “Não,
não, você não entendeu. Vampiro é um ser que foi mordido por um homem morcego e
ganha a vida eterna”, “ahhh, esse eu sei. É o Batman né? Eu vi numa revista”
disse a ingênua garota. Não tendo mais jeito Ed se revela. Ele mostra os dois
dentes de vampiro e o olhar laranja (vermelho + amarelo) para ela.
A moça se assusta e dá um grito. Por instinto ela foge dele,
que a persegue querendo explicar do porque daquilo tudo. Ela para. Ele a olha.
Marca-se um silêncio que parece a eternidade. A moça se acalma. Eles voltam a
se sentar e ela começa um chato interrogatório. Como você virou vampiro? Um
morcego mordeu uma vaca que me mordeu. E quanto tempo faz isso? Quantos anos
você tem? Se eu soubesse matemática te diria. E porque você veio parar aqui?
É
porque aqui a água barrenta e menos barrenta do que as de lá do Arraial. Mas...
Se você é muito, muito velho, porque não está viajando lá para fora do país,
tipo, Minas Gerais? Porque você não está estudando cartilhas? Oxe. Você já viu
que difícil que é aprender o abc? Mas... Não é ruim ser vampiro? Oxe. Né nada.
Agora tenho dois dentes para comer rapadura! E porque você se apaixonou por
mim, a menina mais feia e mais sem graça da escola?
Oxe essa é fácil! É porque temos de criar uma estória em que
todas as mulheres, bonitas ou feias, se sintam inseridas. As feias acreditam
que podem conquistar o príncipe encantado, ou melhor, o vampiro encantado, e as
bonitas acham que os bons homens, ou os bons vampiros, valorizam o que a mulher
é por dentro e não se ela tem uma bela bunda, por exemplo. Simples né? Hum... Mais
tranquilo após ter seu segredo revelado Ed e Billa começaram a viver um lindo
amor, viajando por todo o sertão, conhecendo todos os rios secos, os meninos
com pé inchado e todos os casos de desnutrição infantil existentes. Tudo era
muito romântico. O problema era que Ed não podia sucumbir à tentação de morder
o magro pescoço de Billa. Toda vez que olhava para aquele pescoço lembrava-se
de pernas de galinha que tanta amava comer e que a muito não fazia, e isso o
atormentava.
Não aguentando mais Ed, para evitar morder Billa, preferiu
separar-se dela. A moça, desesperada, por várias vezes pedia, quase implorava,
para que ele a mordesse, mas ele resistia. “Já que não quer me morder, pelo
menos faça sexo comigo” suplicava ela, mas ele se mantinha fiel a seus
princípios. “Só farei sexo com você depois que eu fizer 18 anos e podermos nos
casar”. “E quantos anos você tem?”. “Papai disse que tenho 17 a 400 anos”. Triste e
desolada a moça voltou a sua árdua rotina longe de seu amor e de suas maiores
alegrias, até que um dia viu Jacó. O rapaz era conhecido de longa data de Billa
e há algum tempo havia se mudado. Agora estava de volta. E completamente
apaixonado por ela. “Nunca me esqueci de suas canelas finas, de seu olhar
triste e de seu cabelo seco e queimado pelo sol. Todo o tempo em que passei no
Arraial eu só pensava em você...”, “mas Jacó...”, “não Billa, não me diga nada,
eu só quero olhar pra você logo após essa maldita tempestade de areia parar de
jogar terra no meu olho”...
Billa ficou constrangida em dizer a Jacó que estava
apaixonada por Ed e não era todo dia que recebia tantos elogios. Decidiu deixar
rolar. Jacó havia voltado diferente. Estava mais forte (aparentava estar
pesando uns 30 quilos) e meio esverdeado. Quando perguntado do porque de tantas
mudanças, Jacó sempre desconversava. Mas, após muita insistência de Billa,
decidiu abrir o jogo. Olha Billa, é o seguinte, eu sou um calangosomem! Calango
o quê? Calangosomem. Durante o dia eu sou homem. À noite me transformo em um
calango. Mas...
Meu Deus! Como isso foi acontecer? Eu não sei muito bem... Só
sei que eu estava e dormindo e de repente... E cá estou eu agora preso pra
sempre nesta maldição. Mas como é possível um vampiro e um calangosomem se
apaixonarem logo por mim?
Oxe. Essa é fácil. É porque toda estória precisa de um
antagonista. Fazer um vampiro concorrer com um humano era injusto, logo
criou-se um rival tão sobrenatural quanto. Pouco importa a imensa
improbabilidade de dois seres sobrenaturais distintos estarem coincidentemente
numa cidadezinha do interior do interior e os dois se apaixonarem por uma
menina feia e impopular. Meros detalhes... Entendeu? Após os esclarecimentos
Billa estava disposta a abrir seu coração para Jacó entrar quando de repente
avistou Ed. “O que você faz aqui?”. “Vi que era inútil lutar contra o nosso
amor”. Eis que o calangosomem o interrompe “Hei, calma lá Batgay, foi embora,
perdeu! Agora ela é a minha calangosinha!”. Irritada por aquele impasse Billa
saiu em disparada rumo ao sertão do sertão. Jacó e Ed preferiram deixá-la ir
para esfriar a cabeça naquele sol de 40 graus e ficaram numa sombra jogando a
nova versão de Syms e ouvindo Justin Bieber no I-pod de Ed. Contudo preocupados
com a demora da moça os dois decidiram ir atrás dela, mas já era tarde! A
guerra entre vampiros e calangosomens estava prestes a começar e Billa estava
bem no meio do fogo cruzado. Quando a viram, vampiros e calangosomens decidiram
comê-la viva. Ed e Jacó impediram. Ela pensou “Ed sempre empatando...”.
A sangrenta batalha começou. Ed e Jacó lutavam não só por
seu povo, quer dizer, sua raça, quer dizer, sua... (como é que se classifica a
“classe” de seres sobrenaturais?), mas também pelo amor de Billa. A moça
assistia a tudo atônita. Por fim conseguiu chamar a atenção dos dois rapazes.
Disse que se um dos dois saísse morto (ambos já não estavam mortos?) daquela
luta que ela também se mataria e, por fim, ninguém ficaria com ela. Para evitar
tal trágico fim, os dois decidiram fugir para bem longe da disputa (o confronto
entre calangosomens e vampiros terminou empatado e os dois perderam o título
para o Barcelona de Santo Antônio da Purificação), e caberia à moça decidir com
quem ficaria. Uma semana depois Billa, Ed e Jacó se encontraram no Fica Comigo?
da MTV onde, após uma série de perguntas e gincanas, a moça decidiu ficar com o
vampiro. Nem teve tempo para o calangosomem ficar triste, pois ele logo se
apaixonou por uma linda samambaia e eles forem morar lá na Ucrânia.
Billa e Ed voltaram ao sertão e casaram com a benção de
Conde Drácula. Na lua de mel Ed disse “amor, é o seguinte... Como sou um
vampiro, não tenho sangue correndo nas veias, logo meu, digamos, instrumento,
não fica ereto. Mas eu ando com um vibrador aqui, que eu juro que nunca usei,
que eu posso te emprestar. Eu chamo ele carinhosamente de Jorjão.” Ed mordeu
Billa que também virou uma vampira. Ela ficou grávida (como?) e logo eles
tiveram uma vampirinha que, misteriosamente, crescia (como? – parte 2). E
viveram felizes para sempre (até o dia que Juarí foi visitar o cunhado e eles
foram flagrados na cama e...).
Nenhum comentário:
Postar um comentário