domingo, 29 de dezembro de 2013

12 ANOS SEM CÁSSIA ELLER - O DESPEDIR DE UMA GRANDE ESTRELA


FERA, BICHO, ANJO E MULHER: 12 ANOS SEM CÁSSIA ELLER



Há 12 anos a música popular brasileira perdia uma das maiores cantoras da geração 90. Em 29 de dezembro de 2001, aos 39 anos, morria a eclética e pulsante Cássia Eller. A artista deixou uma obra importantíssima, seus oito álbuns são desnorteantes em se tratando de originalidade, capacidade interpretativa e ousadia ao elencar seu repertório. A cantora nasceu no Rio de Janeiro, mas aos seis anos mudou-se com a família para Belo Horizonte. Cássia era uma beatlemaníaca das mais prematuras, que já aos nove anos se deleitava com o som dos garotos de Liverpool. Aos dez, foi para Santarém - PA. Aos doze anos, voltou para o Rio e começou a aprender tocar violão. Aos dezoito, chegou a Brasília. Lá, fazia shows em bares, participou de corais, trabalhou em um espetáculo ao lado de Oswaldo Montenegro, conheceu a cantora Zélia Duncan, cantou em trio elétrico e estudou canto lírico. 

Carreira



Em 1989, Cássia Eller foi para São Paulo, fez amizade com Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção, e começou a divulgar uma fita demo, com a música "Por Enquanto", de Renato Russo. Lançou seu primeiro LP, "Cássia Eller", em 1990. Além de "Por Enquanto", o disco incluía, entre outras, "Eleanor Rigby", dos Beatles, e "O Dedo de Deus", de Arrigo Barnabé e Mário Manga. Em seguida, fez shows com o guitarrista Victor Biglione, com repertório de blues, o que a deixou conhecida como cantora de blues e rock. Em 1992, veio o segundo disco, "O Marginal", que consolidou o timbre grave de sua voz. Entre as faixas do álbum, duas músicas de Jimi Hendrix ("If Six Was Nine" e "Hear My Train A Coming") e composições de Itamar Assumpção e Luiz Melodia. Em 1994, o ótimo disco "Cássia Eller" mistura clássicos do rock brasileiro (Raul Seixas, Renato Russo, Herbert Vianna, Cazuza e Frejat) e versões para Ataulfo Alves e Djavan. Seu disco seguinte, "Veneno Antimonotonia" (1997), foi um belo tributo ao ídolo Cazuza, e em seguida lançou sua melhor obra "Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo" (1999), com o hit "O Segundo Sol" e várias outras grandes composições de Nando Reis, produtor do disco. O último disco, "Acústico MTV" (2001), também produzido pelo amigo Nando Reis, vendeu 1,1 milhão de cópias. 

O ex-titã Nando Reis encontrou em Cássia a interprete perfeita, além de uma amizade que influenciaria até a sua inspiração como compositor (em homenagem a amiga ele compôs a música “All star”). “Estranho seria se eu não me apaixonasse por você/ O sal viria doce para os novos lábios/ Colombo procurou as Índias, mas a terra avisto em você/ O som que eu ouço são as gírias do seu vocabulário/ Estranho é gostar tanto do seu All Star azul...”, diz a letra da linda composição. A canção se encontra no disco póstumo “Dez de dezembro” (2002), também produzido por Nando.

Essa parceria foi tão importante para ambos que esse ano foi lançado a coletânea “Relicário – As canções que o Nando fez para Cássia cantar”, produzido por Nando e Felipe Cambraia.



Dualidades



Cássia podia cantar Dorival Caymmi, Beatles, Ataulfo Alves, Nirvana, Chico Buarque e Renato Russo num mesmo álbum. A cantora não era dada rótulos. Seu ecletismo e seu incrível poder de escolha de repertório eram um charme a mais. Numa mesma canção, ela podia ser áspera, agressiva, terna e bela. A cantora carioca atravessou a década de 1990 numa posição única: a de equidistante tanto do rock quanto da MPB. Ao mesmo tempo em que regravava compositores consagrados da MPB, tinha trânsito livre no Rock ‘n’ Roll e fazia questão de radicalizar esta característica em suas apresentações. A primeira biografia da artista, intitulada “Cássia Eller: Canção na Voz do Fogo”, de Beatriz H. R. Amaral, faz referência às várias etapas do desenvolvimento e do amadurecimento da cantora e enfatiza os processos de seleção de repertório, concluindo que, ao interpretar obras de tão diferentes estilos musicais, Cássia Eller vivia procedimentos de mimetismo, convertendo-se ela própria em cada uma das canções que entoava. “Uma característica que faz de um cantor um grande cantor é tomar para si as músicas como se fossem dele. Ela tinha essa intensidade”, pondera Nando Reis. 

Cássia Eller era dúbia tanto na carreira artística quanto na vida pessoal. Uma figura incrivelmente doce e frágil, diferente da imagem forte e avassaladora dos palcos, mas que trazia na vida pessoal pelo menos uma das marcas da artista: era amada por todos que cruzaram seu caminho. “Ela era ácida e meiga ao mesmo tempo e essa dualidade fazia dela uma pessoa diferente", revela Djavan.



Fonte: Texto de Ricardo Salvalaio publicado no Caderno Pensar, do Jornal A Gazeta, no dia 31/12/2012 - Com alterações.


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