sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O LUGAR DO ESCRITOR


Qual o lugar do escritor? Vemos aqui registros de espaços físicos e psicológicos, que certamente os ultrapassam. Qual é o lugar do escritor? Em todos os lugares. Assim como o lugar da fotografia. Ela está em toda parte, em eterna busca; ela cerca e acompanha o seu objeto de desejo, e de perpetuação.
(Apresentação do livro O lugar do escritor)

O lugar do escritor se confunde facilmente com o lugar de qualquer outro tipo de artista. A obra é de Eder Chiodetto, que carrega o título de O lugar do escritor, se diversifica. Fotos carregadas de simbolismo, demonstrando os mistérios literários de maneira direta, alternando com textos curtos, jornalísticos. Trazendo apenas o básico, mas não deixa em nada a desejar. Consiste em um material para quem aprecia o novo. Alguns trechos dele em muito se parece com as definições que dei quando escrevi uma crônica para cronistas.

João Ubaldo Ribeiro

O material relata parte da vivência de escritores brasileiros que moram por aqui ou em qualquer outra parte do mundo. Demonstra o quanto diferentes linguagens artísticas se cruzam. Às vezes até revezam, como é o exemplo de Ferreira Gullar, que quando não encontra inspiração para grafar as palavras, desenha com desenvoltura, colocando o que está transbordando na alma em alguma tela ou, no caso dos poemas, em papel.

“Ao longo de cinco anos, o fotógrafo Eder Chiodetto visitou 36 escritores brasileiros; de Adélia Prado a João Cabral de Melo Neto, de Haroldo de Campos a Lygia Fagundes Telles, de Ariano Suassuna a Paulo Lins. Além de colher seus depoimentos, captou detalhes dos ambientes de trabalho, penetrou no território de suas bibliotecas e compôs um retrato sensível de cada um deles. O lugar do escritor é um painel fascinante que junta imagem e palavra, confissão e memória, diálogo e reportagem” (Editora Cosac Naify).

Grande parte das entrevistas está recheada de incômodos – o boato de que quem escreve gosta apenas de se revelar através das letras, ou de qualquer outra forma de manifestação artística, traduziu-se como verdadeiro, pelo menos no contexto dessa publicação. No entanto, quem entrar em contato com o livro irá se surpreender com grande parte das revelações. Lamento ser esse projeto uma divulgação dos mais conhecidos, consagrados. Como em muitas iniciativas editoriais, o conteúdo mostra-se como um complemento do já conhecido, mas não revelado.

Mesmo assim, em nada perde o encanto. Conteúdo preciso, inspirador inclusive para alguém que deseja transcender, desbravar outras realidades, conversar com outras personalidades. Já pensou trilhar um caminho como esse? A gama de possibilidades é infindável. Algo que podemos perceber em outras iniciativas – muitas até ousadas – de divulgação literária em um país que tem fama de não dar valor para arte.
Confesso que passei horas e horas lendo. Várias vezes me flagrei hipnotizado com as imagens. Indo e voltando nos textos. Coisas de quem degusta, aprecia. Sentimento que guardo faz tempo, como leitor, agora como escritor. Algo que se renova. A cada leitura as impressões se diversificam. Pensando que em tempos atuais – isso pra quem tem certa sensibilidade de observação – escritores pipocam por todos os lados.

Os que praticam o ofício não mais se resume aos que têm seus trabalhos impresso. Sites e mais sites, veículos dos mais diversos, compartilham novidade em tempo real. Engana-se quem acredita que blogues não têm profundidade e falta pesquisa antes das publicações. Deixe Heloísa Buarque de Hollanda dizer o que ela pensa sobre o assunto, opiniões que compartilho.
Não irei gastar mais linhas com essa questão. Esse, pelo menos em minhas análises, é um assunto que será compreendido apenas ao longo do tempo, lógico que não por todas as pessoas. Infelizmente, para muitas coisas, afirmações das mais diversas, o passar dos dias é necessário para ser entendido. Uma infinidade de intelectuais, artistas, pessoas que afirmam algo que a primeira vista parece ser absurdo, é entendido apenas após a morte.

Nas páginas que se pode correr de um livro com quase duas centenas de folhas, para quem é leitor voraz, com certeza dará vontade de voltar. É o tipo do livro que é pra ser lido em ordem, fora da ordem, algumas páginas que vem a lembrança depois de várias leituras. Algo posso afirmar… Não é para ser lido apenas uma vez…
Pessoas aparentemente com uma áurea especial, ou algum dom vindo do ceú, mostram-se de modo humilde, de forma comum, ao contrário do que muitos pensam. Lutam com a inspiração o tempo inteiro – alguns deles, não todos.
Sem inacessibilidade, pelo menos é o que o discurso de cada relato transmite. Agora, evidente é que não é um caminho fácil, ainda mais no Brasil, país que o campo artístico não está bem consolidado enquanto forma de sustento. A maioria nasceu em alguma família com condições financeiras de maior vantagem. Ou, no limar da profissão, entre um trabalho ou outro, alternam entre a paixão e a necessidade. Entre o amor e o que cai no colo como trabalho já encomendado. Mesmo assim, quanto mais os dias passam, maior é a convicção de que esse lugar que o escritor busca é mais fortalecido com o acumular das experiências, resultado de muito trabalho.

Haroldo de Campos

A maioria dos escritores que estão no livro ainda gostam de escrever a mão ou, no máximo, com uma máquina de escrever que não seja elétrica. Computador, então, nem pensar. Muitas são as declarações que faz com que o leitor perceba isso. Separei uma delas…

“O computador não fica comigo. Fica numa outra sala a cargo da Carmen, minha mulher. Em matéria de computador sou totalmente analfabeto. Aquela tela branca brilhando… Você aperta uma tecla, tudo desaparece. Não quero mais saber. Não tenho paciência. Escrevo à mão ou à máquina. Comprei uma máquina elétrica, mas gosto de escrever à mão. Tenho prazer na caligrafia. No passado aprendi a fazer letras góticas. Fui um ótimo datilógrafo. Aprendi em escola e datilografo com os dez dedos. É meu limite. Computador já é demais. É como a reforma ortográfica. Não aceito. Já passei por várias. Comecei na época em que se escrevia farmácia com ph. Simplificaram, simplificaram. Agora basta” (Haroldo de Campos).
Os menos reflexivos podem de bate e pronto dizer que os papas da literatura são avessos à tecnologia. Digo algo diferente, a questão nem é essa. Produção, criação, inspiração, depende diretamente do repertório de cada pessoa. Seria o mesmo de sair dessa página a equivocada afirmação de que intelectuais, produtores culturais, militantes, etc., nascem apenas nos espaços universitários. O pior é que ouço isso de muitas pessoas superficiais.
Recuso-me a acreditar em tal falácia. Até porque vejo nascer em quebradas o que a “elite cultural”, com toda sua aparelhagem nem sonha em dizer. Não se trata de disputa. Chegou a hora de cada sujeito entender que cultura não se classifica.

A prova disso é a diversidade presente no livro. Desde escritores brasileiros que pouco viveram por aqui e foram desbravar o solo europeu, até gente que sempre teve como fonte de inspiração o lado do Brasil conhecido como foco da miséria, o sertão, como é o caso de Rachel de Queiroz. Diversos também são os relatos que revelam a rotina de trabalho. Tem os que de modo quase sagrado sentam diariamente no escritório e apenas assim as letras começam aparecer. Outros, porém, não tem um local específico para grafar muitas páginas que uma obra completa exige.

“Sou composto por dois personagens: o Grande Ubaldo, um cara legal, que leva a vida numa boa, e o Pequeno Ubaldo, que me cobra, pega no meu pé, um chato. Basta eu vacilar um pouco que ele solta: ‘Então hoje você não quer saber de trabalho, não é? Olha o prazo, o tempo está passando…’ Às vezes dou uns berros com ele e o pessoal de casa acha que estou doido. Mas talvez seja ele que me faça sentar aqui todo dia e produzir. Três laudas por dia é a meta que coloco quando estou desenvolvendo um livro. Menos que isso, o Pequeno começa a chiar”(João Ubaldo Ribeiro).

Quase um Universo Particular. Abertura de uma realidade que não é qualquer coisa. Intimidade da criação… Nisso a obra não peca! Ela vai até o ponto que o escritor permite. Mostra o que muitos leitores morrem de curiosidade em saber. O que está por trás das letras? Como acessar aquele que muito gosto de ler e muitas vezes não conheço sequer o rosto? Um monte de livros, às vezes um computador, um espaço consolidado como o lugar de criação. Seria muito simplista dizer que esse é o lugar. Descubra antes qual é seu lugar diante de uma criação literária. Assim terá mais condições de desvendar o lugar do escritor. Quem sabe esse também não é seu lugar?

(Texto de Jean Mello)




Jean Mello é educador social formado pelo Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC/SP, vinculado à Faculdade de Educação, educomunicador, músico, escritor e estudante de Psicologia na Universidade de Santo Amaro – UNISA.

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