sábado, 19 de janeiro de 2013

DIVAS DA MPB: 71 ANOS DE NARA LEÃO E 31 ANOS SEM ELIS REGINA.



“Um dia ou a gente se enquadra ou pega estrada”, preconizou o escritor e beatnik Jack Kerouac, referindo-se a uma decisão que vem com a idade. Elis Regina e Nara Leão pegaram estrada aos 11 e jamais se enquadraram. Nara, porque ganhou um violão que enfiou embaixo do braço e saiu por aí. Elis porque na mesma idade começou a cantar em programa de rádio para crianças, O Clube do Guri. A primeira nasceu no Espírito Santo, em 1942, cresceu em Copacabana quartel-general da bossa nova, a segunda nasceu em 1945 no Rio Grande do Sul, cresceu no Brasil da MPB.



Nara e a bossa nova se confundem. Ela foi considerada a “musa” do movimento e arregimentou os “narólogos”. Ou os apaixonados por seus joelhos que, comportadamente, ficavam à mostra enquanto a moça tocava violão no banquinho.



No programa Ensaio, da TV Cultura, Nara recorda que Insensatez foi uma das primeiras músicas populares no grupo de bossa nova, ainda amador na época. Elis Regina também gravou a música de Tom Jobim, mais de dez anos depois.



Tom Jobim


“Corcovado” foi outra bossa do Tom que conquistou uma e outra, a suave e a irreverente. O maestro foi parceirão das duas em tempos diferentes, de Nara logo cedo, quando a bossa nova ainda dizia a que vinha e ganhava um contorno conceitual com o “desafinado” de João Gilberto. Foi admiração mútua, tanto que das 24 músicas selecionadas para um disco de Nara em 1971, 19 eram do Tom, uma delas, “Corcovado”.



Em 1974, Elis Regina convidou o maestro para gravar um LP só de duetos, entrou para a história. “Corcovado” estava na lista das músicas, aliás, já estava no repertório de Elis desde 1972, quando foi muito bem apresentada em um show na Itália.




A banda passou



Na década dos grandes festivais de música, 1960, as duas e todos os grandes nomes da música brasileira se cruzavam nos bastidores da TV Record, palco do evento. Num desses esbarrões, Elis Regina conheceu Chico Buarque, mas acabou desistindo de gravá-lo devido à impaciência com a timidez do compositor, confessou.



Já Nara e Chico entraram em sintonia justamente por causa da timidez, bom, a história dos dois é conhecida e longa, começa quando a musa da bossa nova o lançou. Em 1966, apresentaram “A Banda”, de Chico, na 2a edição do festival da TV Record.



Na verdade, Nara iria cantar sozinha, mas quando Manoel Carlos, o dramaturgo e amigo da dupla, ouviu o arranjo instrumental, deu a dica para Chico cantar. A voz de Nara seria abafada pelos instrumentos. Deu certo! Chico começa, Nara arrebenta.


Bôscoli e o barquinho


Ronaldo Bôscoli, o primeiro amor de Nara, ela tinha cerca de 16 anos, dedicou-lhe a canção “Lobo bobo” e “Se é tarde me perdoa”, quase se casaram, não fosse a impetuosidade de Maysa, que embalou o moço pra presente e anunciou à mídia um casamento que nunca houve.



Nara e Bôscoli estavam comprometidos quando os jornais deram a manchete. A cantora não se fez de rogada, ignorou explicações do noivo e foi à luta. De Bôscoli, ficou para o grande público fã de Nara, a gravação de “O barquinho”, reprodução poética de uma cena real de quando os dois namoravam e quase naufragaram, com Menescal no mesmo barco, o autor da melodia. Elis, outra coincidência entre as duas, também amou Bôscoli -- muito a contragosto, porque tinha uma antipatia pessoal pelo músico antes de conhecê-lo -- e com ele se casou em 1967, tiveram um filho, João Marcelo. Em 1971, apresentou sua versão de “O barquinho” na Itália. O casamento naufragava como na cena em que a canção foi originariamente concebida.



Anos de chumbo


Já em 1964, Nara Leão já havia deixado "a moça, o sorriso e a flor" de lado. Protagonizou o show “Opinião”, com direção de Augusto Boal. No repertório, a música do morro “tem vez”, com Zé Keti e João do Vale assinando as composições. Foi considerado subversivo. Não bastasse, Nara deu uma entrevista contundente, repudiando a ditadura. Depois teve medo, desabafou com Ferreira Goulart, repórter e amigo. Não precisou fugir, o poeta Carlos Drummond de Andrade veio espontaneamente em sua ajuda e escreveu um poema que terminava com um refrão “não prendam Nara Leão”. Era o pedido público de um ícone da literatura nacional a um bambambã entre os militares. Deu certo!

Quando Nara perdeu a voz em meio ao show e foi proibida pelo médico particular de cantar, a musa indicou uma estreante desconhecida para seu lugar, uma baiana que conhecera em suas andanças pelo Brasil: Maria Bethânia. Com apenas 17 anos, Dona Canô só autorizou a ida da filha ao Rio acompanhada do irmão, Caetano Veloso.

No final da música, Bethânia emenda a letra com um texto sobre a migração do povo nordestino para os grandes centros urbanos brasileiros. Platéia abaixo!


O Brasil que sonha


No auge da ditadura, Nara exilou-se em Paris com o marido, o cineasta Cacá Diegues. Elis ficou. Em 1979, entrou em nova turnê de shows e apresentou “O bêbado e a equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc. Verdadeiro hino da anistia.



As duas mudaram de papel: Nara já havia sido dura ao dar a sua "opinião" em 1964, Elis foi a um tempo doce e pungente, cantou a volta do sonho e de tanta gente que partiu num rabo de foguete.


Xeque-mate


Os militares se foram, as duas lutadoras continuaram. Elis Regina morreu de overdose, aos 36 anos, Nara, de morte anunciada, aos 47. Mas as duas brigaram muito pela vida. Nara se foi depois de dez anos enfrentando um câncer na cabeça, em 1989, sete anos depois da pimentinha.



No infinito, onde as duas ainda brilham para quem acredita, talvez tenham finalmente feito as pazes, afinal, ninguém sabe, nem elas, qual foi a briga.



Elis fez uma autocrítica em uma entrevista que talvez explique a distância entre ambas: "Eu sou esquentada. Tem gente que é calma, a Nara Leão, por exemplo, é uma pessoa que tem uma paciência histórica, sentou, esperou tudo acomodar e fez um disco certo. Aliás, ela sempre faz as coisas certas nas horas corretas e para as pessoas exatas. Eu sou guerreira e pego a metralhadora para sair atrás de quem me enche o saco".

Nenhum comentário:

Postar um comentário