André Serrano é aluno de Letras Português (UFES). Escritor em formação, começa a
tirar seus textos da gaveta, geralmente contos ou crônicas. Participa do grupo
CONFRARIA DOS BARDOS (www.confrariadosbardos.wordpress.com/). Confira,
abaixo, o conto “O sorriso hediondo da máscara”:
O SORRISO HEDIONDO DA MÁSCARA
Acordou com uma máscara grudada ao rosto e não a
conseguiu tirar. Não se lembrava de haver posto máscara nenhuma antes de
dormir. Ontem fora um dia agitado: acordou, estudou, trabalhou, chegou em casa
e capotou sobre a cama. Então de onde raios surgira aquela máscara?
Sentou-se. Sua cama era dura como pedra, mas boa
para a coluna. Esticou-se, bocejou, foi se acordando na esperança de que sua
memória voltasse. E voltou, parte dela. Ele havia sonhado durante a noite com
uma máscara vermelha, rústica, de madeira, com adornos selvagens de tribos
antigas e – o que vem a seguir lhe causava bastante desconforto – um grande
sorriso de orelha-a-orelha. No sonho, observou por longo tempo o objeto. Depois
aproximou as mãos, segurando-o e o colocou sobre o rosto. Sentiu o quão pesada
era. Usou máscaras diversas por toda a vida: no emprego, em casa, na faculdade,
na mesa de sinuca... Mas esta, esta era diferente. Respirou fundo, uma
respiração quente. A máscara lhe apertou crânio até estalar os ossos.
Nada daquilo fazia sentido. Afastou as cortinas.
Os raios de um sol nascente afagaram seu rosto. Ou assim o fariam se não
estivesse usando uma máscara. Estranho, cada vez mais estranho! Definitivamente
havia algo de errado naquela manhã. Talvez estivesse sonhando. E se estivesse,
não acordou. A percepção do falso nem sempre desperta aquele que a percebe.
De frente para o espelho, pôde ver o vermelho e
o sorriso de orelha-a-orelha sobre seu rosto. Não combinavam com o habitual
semblante que via em meio à parede de azulejos brancos. Abriu a torneira e fez
uma concha com as mãos. A máscara, no entanto, não tinha buraco na região da
boca. Sentiu seu bafo, preso, abafado. Não poderia escovar os dentes naquela
condição. As gotas escorreram da madeira pintada em escarlate e pingaram sobre
o tapete do banheiro.
No corredor, encontrou a irmãzinha. Ela soltou
um gritinho de horror. O novo semblante do irmão era terrível. Recuperada do
susto, voltou o rosto furioso para ele e começou a bater no seu peito perguntando
em tom nervoso e frenético por que ele tinha que a assustar tão cedo. O homem
de máscara saiu sem nada dizer.
Tentou e tentou tirá-la várias vezes. Sem
resultados. Sua mãe se preocupou. Seu pai fungou: “O menino quer chamar
atenção”. Tentou e tentou tirá-la. As pessoas o olhavam na rua. A chefa o
mandou de volta para casa. Ele não sabia o que o futuro lhe reservaria após
esse incidente. Tentou tirá-la. A maldita máscara, essa maldição nunca o
deixaria. Surgira de um sonho – ou pior, de um pesadelo – e teimava em arruinar
sua vida real. Ou quem sabe não fora implantada por um Outro? Mas por que não conseguia
retirá-la? Não sabia por onde começar, muito menos por onde terminar. As pernas
o levaram pela cidade. Ruas, becos, lojas, prédios, casas, bancas de revista,
carros, motos, pedestres, bares, restaurantes... Tudo passou muito depressa.
Logo o sol se pôs. Depois de muito vagar por aí, chegou cansado e atirou-se na
cama, dormindo um sono sem sonhos.
Acordou. Sentiu os raios de mais um sol nascente
afagando sua face. Era uma sensação gostosa. O melhor era o fato de que isto
confirmava o fim dos seus problemas. Dedilhou a pele sobre o rosto. Não sentiu
a máscara. Enfim, livre! De um salto, deixou a cama. Correu ao espelho.
Reconheceu novamente sua boa e velha face. Mas havia um detalhe a mais o
esperando: o sorriso de orelha-a-orelha ficara.
Nenhum comentário:
Postar um comentário