João Carlos Barcelos Ramos é graduado em Letras Português pela Universidade
Federal do Espírito Santo e pós graduado e Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade
Ateneu. Atua como professor de Língua Portuguesa na rede estadual de educação
do Espírito Santo. Posta seus poemas, pensamentos, entre outros, em seu
blog http://muralsarauvaral.blogspot.com.br/. Abaixo, confira a crônica “O Café ruim estava bom”:
O CAFÉ
RUIM ESTAVA BOM
Acordou
naquele dia com o estômago entulhado. Saiu daquela selva de travesseiros
amontoados sobre seu corpo débil no sofá, como a mais medonha criatura sai de
um sinistro arbusto na penumbra.
Essa cena sem testemunha viva foi seguida pelo seu forçoso levantar e caminhar. Estava ele um veículo desalinhado, combustível adulterado, bateria arriada, pneu murcho, motorista embriagado.
Essa cena sem testemunha viva foi seguida pelo seu forçoso levantar e caminhar. Estava ele um veículo desalinhado, combustível adulterado, bateria arriada, pneu murcho, motorista embriagado.
Entre as
agoniantes contrações de seu estômago, as explosões em seu crânio, e o
desfalecer de seu corpo, conseguiu, enfim, alcançar a cozinha americana. Entre
a pilha de vasilhas sujas, apresentada naquela pia de sueira constrangedora,
ele vislumbrou, com o ânimo que a ressaca permite, a vasilha com resto de
café gelado que escorreu do coador.
O seu
estômago mais uma vez contraiu, culminando com a erupção de seus entulhos. Mas
ele tinha que tirar aquele gosto de sobra de feira da boca, aquela textura de
sertão de sua língua. Enfim, na leiteira mesmo tomou aquele gole negro e frio
que, de relance, trouxe-lhe à mente o primeiro gole de conhaque do fim da
tarde anterior.
E,
sequencialmente, vieram as demais cenas, à medida em que o frio líquido ia
tomando sua garganta: O segundo gole quando parou pra pensar “se já não era
hora de…”; “Porra nenhuma, eu quero é…”; a tonteira; a vertigem; o olhar
reprovador dela; o amigo sóbrio ouvindo as reclamações dela enquanto dirigia o
carro do motorista bêbado; o entrar em casa carregado; água na cara; Fazer café
forte; o amigo ir-se; ela gritar, falar, chorar, soluçar, falar, falar, falar…,
chorar-gritar, decidir, se arrumar, abrir a porta, olhar para trás, falar e
bater a porta contra sua partida; o deitar no sofá, por não aguentar ir para
cama; a luta com os travesseiros; a vitória dos travesseiros; a
tonteira-vômito; o mal estar; a fraqueza; o sono; o outro dia; o café ruim
estava bom.
Com a mesma
dificuldade tomou banho. Comprou um efervescente num “buteco” na rua debaixo.
Cuidou,“mais ou menos”, da casa.
O difícil foi encarar a sogra pra ir buscar a mulher, implorando por desculpas e fazendo mil promessas, mas nada que um bom boêmio não consiga driblar. Afinal, valeu a pena aquele vestido de seda que deu à coroa no dia das mães.
O difícil foi encarar a sogra pra ir buscar a mulher, implorando por desculpas e fazendo mil promessas, mas nada que um bom boêmio não consiga driblar. Afinal, valeu a pena aquele vestido de seda que deu à coroa no dia das mães.
Mulher em casa. Ressaca mau curada. Um sofá novo comprado no “shopping” (o
único lugar aberto num domingo), igualzinho o da revista de decoração.
Beijinhos. Programa de auditório e um cafezinho fresquinho, quentinho, na
mesa de mármore impecável. E o murmúrio consigo: “café ruim pra porra!”
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