domingo, 29 de setembro de 2013

LOS HERMANOS. CRÍTICA DO CD "CAVALO", DE RODRIGO AMARANTE.



Depois das experiências no Little Joy e na Orquestra Imperial, Rodrigo Amarante chega sem pequenas ou grandes alegrias ao seu primeiro trabalho solo. É um disco de tristezas, distâncias e, como ele mesmo diz, vazios

A faixa mais bela e que traduz melhor a ideia do CD é "Irene", em que ele faz o avesso do avesso da música homônima de Caetano Veloso. A original era uma falsa canção alegre, marcando com a risada da irmã o embarque para o exílio forçado. Em uma legítima torch song, Amarante apresenta uma Irene sem ironia, que também ri, mas é para explicitar àquele que canta a solidão do exílio voluntário (porém necessário, segundo o artista). "Milagre seria não ver/ No amor essa flor perene/ Que brota na lua negra/ Que seca mas nunca morre", diz uma das estrofes. Amarante disse ao "Globo" que o cantor baiano está no imaginário de seu disco. Disse ainda que a quase enrolada carta que escreveu como "apresentação" de "Cavalo" -onde reivindica uma identidade migrante, fala sobre desterro, sobre saudade e sobre criação- começou como uma carta a Caetano.
O exílio (diga-se, o mais cool dos exílios, voluntário e ao lado do mainstream do Strokes ou do hipsterismo de Devendra Banhart, seus parceiros nos EUA, onde foi morar), a abertura ao estrangeiro como cultura e como linguagem, a aposta de risco na mudança e no crash, a verborragia pronunciada, o egocentrismo às claras. Tudo mostra tributo a Caetano. Somos remetidos a uma crítica de Pedro Alexandre Sanches, uma década atrás, na Folha de S.Paulo. No lançamento de "Ventura", o disco de 2003 dos "Los Hermanos", Sanches afirmara que, guardadas todas e devidas proporções, tínhamos Caetano (Amarante) e Chico Buarque (Marcelo Camelo) na mesma banda. Em caminhos separados, a comparação continua valendo.  
Ademais, há palavras que se repetem ao longo das 11 faixas. Uma delas é "nome" (em português, inglês e francês), insistência reveladora da perda e da busca de identidade inerentes à vida em outro país. "Je suis l'étranger" é o primeiro verso de "Mon Nom", deixando claro, junto com o palíndromo do título, o deslocamento existencial causador e consequência do deslocamento físico. Outras quatro canções são em inglês. Tanto ou mais do que influência da temporada que passou nos Estados Unidos, a opção reflete esse mergulho no estrangeirismo e no estranhamento. Uma avaliação rigorosa poderia desmerecer parte dos versos, mas eles se integram bem à proposta e ao desalento que perpassa todo o CD --com relativa exceção para a única roqueira, "Hourglass", mas em que a melancolia também está presente. Logo no segundo verso da primeira faixa, há um erro de português: "No espaço entre eu e você" (o certo é "entre mim e você"). Esse tipo de estranhamento não parece voluntário. Ainda assim, é uma bela bossa nova, com acentos orientais e mais ritmo do que harmonia, tratando de reflexos: ele vendo a si mesmo na imagem do outro. De novo, a identidade embaçada --a cultural, inclusive.

Já "Maná" tem muito balanço, é dançante, caribenha, ponto de macumba e filha de Jorge Ben Jor, lançada como espécie de single no semestre passado. Em "Maná" volta o tema da sorte e os caminhos do amor, que vem de antes: “O amor é coragem/ é feitiço da sorte/ Mas o ponto mais forte/ é saber se amar"
Postas em sequência, "O Cometa" (feita para o poeta e escritor Ericson Pires, morto em 2012), "Cavalo" e "I'm Ready" têm suas belezas um pouco arrefecidas pelo entorpecimento que as melodias algo repetitivas provocam. Mas a guitarra na música "O Cometa" é uma boa tradução instrumental da concisão sonora com que Rodrigo Amarante procurou tratar a temática do vazio.

O CD termina com a comovente "Tardei", que se assemelha ao fim de uma busca, à chegada em algum lugar. Curiosamente, Amarante, que, grosso modo, era visto como a face mais pop do Los Hermanos (em contraponto à MPB de Marcelo Camelo), surge solo e solitário mais parecido com o seu colega de banda, no despojamento musical e na melancolia como matéria-prima. Outro caminho que se fecha.

CAVALO
ARTISTA: Rodrigo Amarante
GRAVADORA: Slap
QUANTO: R$ 24,90 (CD) e R$ 69,90 (LP), nas lojas a partir de outubro

AVALIAÇÃO: bom
FONTE: Acervo Pessoal, Folha de São Paulo e Correio do Estado.


OUÇA O ÁLBUM NA ÍNTEGRA: 

Um comentário:

  1. Pena ele não disponibilizar como o Cicero, Baleia, A Fase Rosa e tantos outros artistas bem sucedidos como ele! Gosto de mais mas, só ouço online. Queria divulga-lo em minha página do facebook ECOAR ALTEROSA.

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