Depois das experiências no
Little Joy e na Orquestra Imperial, Rodrigo Amarante chega sem pequenas ou
grandes alegrias ao seu primeiro trabalho solo. É um disco de tristezas,
distâncias e, como ele mesmo diz, vazios
A faixa mais bela e que traduz melhor a ideia do CD é
"Irene", em que ele faz o avesso do avesso da música homônima de
Caetano Veloso. A original era uma falsa canção alegre, marcando com a
risada da irmã o embarque para o exílio forçado. Em uma legítima torch
song, Amarante apresenta uma Irene sem ironia, que também ri, mas é para
explicitar àquele que canta a solidão do exílio voluntário (porém necessário,
segundo o artista). "Milagre seria não ver/ No amor essa flor perene/ Que
brota na lua negra/ Que seca mas nunca morre", diz uma das estrofes.
Amarante disse ao "Globo" que o cantor baiano está no imaginário de
seu disco. Disse ainda que a quase enrolada carta que escreveu como
"apresentação" de "Cavalo" -onde reivindica uma identidade
migrante, fala sobre desterro, sobre saudade e sobre criação- começou como uma
carta a Caetano.
O exílio (diga-se, o mais cool dos
exílios, voluntário e ao lado do mainstream do Strokes ou do hipsterismo de
Devendra Banhart, seus parceiros nos EUA, onde foi morar), a abertura ao
estrangeiro como cultura e como linguagem, a aposta de risco na mudança e no
crash, a verborragia pronunciada, o egocentrismo às claras.
Tudo mostra tributo a Caetano. Somos remetidos a uma crítica de Pedro Alexandre
Sanches, uma década atrás, na Folha de S.Paulo. No lançamento de
"Ventura", o disco de 2003 dos "Los Hermanos", Sanches
afirmara que, guardadas todas e devidas proporções, tínhamos Caetano (Amarante)
e Chico Buarque (Marcelo Camelo) na mesma banda. Em caminhos separados, a
comparação continua valendo.
Ademais, há palavras que se repetem ao
longo das 11 faixas. Uma delas é "nome" (em português,
inglês e francês), insistência reveladora da perda e da busca de identidade
inerentes à vida em outro país. "Je suis l'étranger" é o primeiro
verso de "Mon Nom", deixando claro, junto com o palíndromo do título,
o deslocamento existencial causador e consequência do deslocamento físico. Outras quatro canções são em inglês. Tanto ou mais do que
influência da temporada que passou nos Estados Unidos, a opção reflete esse
mergulho no estrangeirismo e no estranhamento. Uma avaliação rigorosa poderia desmerecer parte dos versos, mas
eles se integram bem à proposta e ao desalento que perpassa todo o CD --com
relativa exceção para a única roqueira, "Hourglass", mas em que a
melancolia também está presente. Logo no segundo verso da primeira faixa, há um erro de português:
"No espaço entre eu e você" (o certo é "entre mim e você"). Esse tipo de estranhamento não parece voluntário. Ainda assim, é
uma bela bossa nova, com acentos orientais e mais ritmo do que harmonia,
tratando de reflexos: ele vendo a si mesmo na imagem do outro. De novo, a
identidade embaçada --a cultural, inclusive.
Já "Maná" tem muito balanço, é dançante,
caribenha, ponto de macumba e filha de Jorge Ben Jor, lançada como espécie de
single no semestre passado. Em "Maná" volta o tema da sorte e os caminhos
do amor, que vem de antes: “O amor é coragem/ é feitiço da sorte/ Mas o ponto
mais forte/ é saber se amar"
Postas em sequência, "O Cometa" (feita para o poeta e
escritor Ericson Pires, morto em 2012), "Cavalo" e "I'm
Ready" têm suas belezas um pouco arrefecidas pelo entorpecimento que as
melodias algo repetitivas provocam. Mas a guitarra na música "O
Cometa" é uma boa tradução instrumental da concisão sonora com que Rodrigo
Amarante procurou tratar a temática do vazio.
O CD termina com a comovente "Tardei", que se assemelha
ao fim de uma busca, à chegada em algum lugar. Curiosamente, Amarante, que,
grosso modo, era visto como a face mais pop do Los Hermanos (em contraponto à
MPB de Marcelo Camelo), surge solo e solitário mais parecido com o seu colega
de banda, no despojamento musical e na melancolia como matéria-prima. Outro
caminho que se fecha.
CAVALO
ARTISTA: Rodrigo Amarante
GRAVADORA: Slap
QUANTO: R$ 24,90 (CD) e R$ 69,90 (LP), nas lojas a partir de outubro
AVALIAÇÃO: bom
ARTISTA: Rodrigo Amarante
GRAVADORA: Slap
QUANTO: R$ 24,90 (CD) e R$ 69,90 (LP), nas lojas a partir de outubro
AVALIAÇÃO: bom
FONTE: Acervo Pessoal, Folha de São Paulo e Correio do Estado.
OUÇA O ÁLBUM NA ÍNTEGRA:
Pena ele não disponibilizar como o Cicero, Baleia, A Fase Rosa e tantos outros artistas bem sucedidos como ele! Gosto de mais mas, só ouço online. Queria divulga-lo em minha página do facebook ECOAR ALTEROSA.
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