sábado, 7 de setembro de 2013

LICENÇA PARA CONTAR: CLEIBSON FREITAS




Cleibson Freitas nasceu em 1985, no Espírito Santo, residindo sempre na cidade de Cariacica. Filhos de pais humildes, tornou-se um apaixonado e curioso pelo ser humano da vida comum. Graduado em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Espírito Santo, o escritor inicia sua carreira com a publicação de O óvulo e o ovo: tudo de novo. Nessa obra, Cleibson Freitas talvez comece seu primeiro e verdadeiro encontro com a arte. Como ele mesmo diz: “escrevo para ser livre. Ou melhor, brincar de ser livre, de ter prazer e brincar de ser Deus. Escrevo para me esconder do mundo e anular-me por completo. A literatura também serve para nos escondermos”. Confira, abaixo, o conto “Flores Frescas”:

FLORES FRESCAS

Nos últimos tempos, nada interessava tanto a Frederico J.G. como o cheiro do sexo feminino. A faculdade estranha de sentir a fragrância dos contornos femininos; O intenso desejo de pele e de pernas, de mãos, de braços, de pescoço, de orelhas; A fome de imaginação sobre como seria cada vagina de cada uma daquelas mulheres que cruzavam com ele... Tais eram as únicas diversões que Frederico tinha nos últimos tempos! Todo o resto era maçante: a obrigação cotidiana; As regras sociais que ele nem se dava conta que existiam; O esforço pra se parecer sorridente no trabalho, já que vendedor de loja tem que ser simpático mesmo quando uma grande tristeza e desgosto interiores estejam incomodando... Pobre Frederico J.G.! A morte recente da irmã mais nova ainda o sufocava. Ainda era difícil assimilar a morte repentina da irmã mais nova vítima de um atropelamento fatal! Mas a vida tava ali, tava continuando pra ele! Era preciso trabalhar, vender, sorrir sem querer sorrir, brincar sem querer brincar, aturar os outros sem querer aturar! A vida tava ali! A vida ainda existia belamente! Mas belamente mesmo era só quando ele sentia. Quando ele sentia o cheiro de todas as vaginas que atravessavam por ele.

Era no ônibus. Era no ônibus, quando Frederico se assentava nas primeiras cadeiras, na melhor posição de visão pra todas as mulheres que entravam, que ele se purificava com o privilégio de ter nascido com o forte faro pra extraordinária e deliciosa fragrância das vaginas! Era vagina ruiva, negra, loira, branca, com clitóris pequeno, com clitóris grande, vagina raspada (a sua preferida), vagina abundante em pelos... Reconhecia todas elas pelo cheiro! Ah! Se ele pudesse ser agraciado por todas aquelas vaginas! Mas no fundo ele nem queria ser agraciado por todas, bastava sentir o cheiro. Era no cheiro que morava a grande mistificação de cada uma daquelas mulheres...

“Essa exala mais forte; já essa branquinha parece ser suave”, constatava Frederico nas suas percepções de cada vagina que aparecia. Num desses dias de fragrância, dia chuvoso e escuro, em que a ausência total da luz do sol causava a impressão de noite antecipada, Frederico foi presenteado pela graça dos cheiros. Muito molhada pela chuva, uma menina que tinha acabado de entrar no ônibus se sentou do seu lado. E que cheiro! E que delícias ela não exalava! Era branquinha, aparentando ter não mais de dezessete anos, baixa, cabelos curtos que mal chegavam até os ombros, o rosto pequeno e graciosamente arquitetado pelo mistério biológico. Reclamava suavemente do tempo, de ter saído de casa sem guardachuva e se molhado toda. Frederico lamentou, “Sinto muito”, e continuou absorto no que emanava das pernas dela. Aquele era um cheiro diferente, ele nunca tinha sentido aquela fragrância peculiar. Era um cheiro novo? Então precisava nomeá-lo e acrescentar mais um na sua lista. Frederico tinha nomeado trinta cheiros diferentes de vagina e todos estavam compilados na sua lista que nunca deixara de estar no seu bolso. Colocou a mão no bolso, tirou o papel e a caneta...

– Fazendo anotações? Números de telefone? Ó, já inventaram agenda eletrônica, brincou a garota. Os dois riram. E depois Frederico disse: – Não é lista telefônica, é lista de odores.

– Lista de odores? Como assim?

– Eu nomeio os cheiros.

Depois de rir baixinho, ela perguntou: “e que nome você daria ao meu”?

– É o que eu tô tentando fazer. Mas é um cheiro diferente o seu. Não consigo dar exatidão pra ele.

– Tá me chamando de fedorenta?

– Não, imagina. Pelo contrário, o cheiro é ótimo! Só que...

– Essa lista é tão importante mesmo?

– É sim!

– Então tá! Vou deixar você cheirar o meu pescoço. Isso pode te ajudar.

– Não... Não... Deixa pra lá. Não é cheiro de pescoço que eu colho e nomeio.

– Ué... Não entendo.

– É cheiro de vagina.

A garota ficou séria. Frederico ficou vermelho. O que tinha dado nele pra ter falado aquilo? A menina podia muito bem estapeá-lo ali mesmo, chamar alguém, avisar a polícia, Frederico ia ficando cada vez mais corado durante o silêncio que se fez entre ele e a garota. Pensou em se levantar e descer do ônibus, quando inesperadamente a menina segurou na mão dele e disse: – põe o dedo discretamente. Vou abrir o zíper, botar a minha bolsa em cima, e você lentamente passa a mão por baixo e coloque um dedo. Depois cheire. Isso vai ajudá-lo a nomear o que você deseja pro seu Tratado de Cheiros.

Frederico passou a mão por baixo, pôs o dedo e sentiu o calor molhado das paredes vaginais. Ficou uns dez segundos com o dedo dentro. Depois tirou e cheirou. Que vertigem! Era o cheiro mais doce de todos os cheiros que ele havia reunido até então. Devia haver ali todas as misturas mais deliciosas de odores. Era de uma embriaguez tão intensa que ele saiu de si, fechou os olhos e se transportou pra dentro daquele fantástico mundo vaginal. E foi imaginando. E foi sonhando. E de repente, viu no lugar do clitóris, um arbusto de jasmim perfumadíssimo; no lugar dos pelos, a relva das plantas mais cheirosas; no lugar do suco vaginal, o líquido mais puro e perfumoso...

Quando voltou a si e abriu os olhos, a menina já não estava mais assentada. Ela largara um bilhete em que trazia a inscrição “Flores Frescas”. Frederico pegou a sua lista, pegou a caneta e rabiscou no trigésimo primeiro número: “Flores Frescas”.  







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