Cleibson Freitas nasceu em 1985, no Espírito
Santo, residindo sempre na cidade de Cariacica. Filhos de pais humildes,
tornou-se um apaixonado e curioso pelo ser humano da vida comum. Graduado em
Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela
Universidade Federal do Espírito Santo, o escritor inicia sua carreira com a
publicação de O óvulo e o ovo: tudo de novo. Nessa obra, Cleibson Freitas
talvez comece seu primeiro e verdadeiro encontro com a arte. Como ele mesmo
diz: “escrevo para ser livre. Ou melhor, brincar de ser livre, de ter prazer e
brincar de ser Deus. Escrevo para me esconder do mundo e anular-me por
completo. A literatura também serve para nos escondermos”. Confira, abaixo, o
conto “Flores
Frescas”:
FLORES
FRESCAS
Nos últimos tempos, nada interessava tanto a Frederico
J.G. como o cheiro do sexo feminino. A faculdade estranha de sentir a fragrância
dos contornos femininos; O intenso desejo de pele e de pernas, de mãos, de
braços, de pescoço, de orelhas; A fome de imaginação sobre como seria cada
vagina de cada uma daquelas mulheres que cruzavam com ele... Tais eram as
únicas diversões que Frederico tinha nos últimos tempos! Todo o resto era
maçante: a obrigação cotidiana; As regras sociais que ele nem se dava conta que
existiam; O esforço pra se parecer sorridente no trabalho, já que vendedor de
loja tem que ser simpático mesmo quando uma grande tristeza e desgosto
interiores estejam incomodando... Pobre Frederico J.G.! A morte recente da irmã
mais nova ainda o sufocava. Ainda era difícil assimilar a morte repentina da irmã
mais nova vítima de um atropelamento fatal! Mas a vida tava ali, tava
continuando pra ele! Era preciso trabalhar, vender, sorrir sem querer sorrir,
brincar sem querer brincar, aturar os outros sem querer aturar! A vida tava
ali! A vida ainda existia belamente! Mas belamente mesmo era só quando ele
sentia. Quando ele sentia o cheiro de todas as vaginas que atravessavam por
ele.
Era no ônibus. Era no ônibus, quando Frederico se
assentava nas primeiras cadeiras, na melhor posição de visão pra todas as
mulheres que entravam, que ele se purificava com o privilégio de ter nascido
com o forte faro pra extraordinária e deliciosa fragrância das vaginas! Era
vagina ruiva, negra, loira, branca, com clitóris pequeno, com clitóris grande,
vagina raspada (a sua preferida), vagina abundante em pelos... Reconhecia todas
elas pelo cheiro! Ah! Se ele pudesse ser agraciado por todas aquelas vaginas! Mas
no fundo ele nem queria ser agraciado por todas, bastava sentir o cheiro. Era
no cheiro que morava a grande mistificação de cada uma daquelas mulheres...
“Essa exala mais forte; já essa branquinha
parece ser suave”, constatava Frederico nas suas percepções de cada vagina que
aparecia. Num desses dias de fragrância, dia chuvoso e escuro, em que a
ausência total da luz do sol causava a impressão de noite antecipada, Frederico
foi presenteado pela graça dos cheiros. Muito molhada pela chuva, uma menina
que tinha acabado de entrar no ônibus se sentou do seu lado. E que cheiro! E
que delícias ela não exalava! Era branquinha, aparentando ter não mais de
dezessete anos, baixa, cabelos curtos que mal chegavam até os ombros, o rosto
pequeno e graciosamente arquitetado pelo mistério biológico. Reclamava
suavemente do tempo, de ter saído de casa sem guardachuva e se molhado toda.
Frederico lamentou, “Sinto muito”, e continuou absorto no que emanava das
pernas dela. Aquele era um cheiro diferente, ele nunca tinha sentido aquela
fragrância peculiar. Era um cheiro novo? Então precisava nomeá-lo e acrescentar
mais um na sua lista. Frederico tinha nomeado trinta cheiros diferentes de
vagina e todos estavam compilados na sua lista que nunca deixara de estar no
seu bolso. Colocou a mão no bolso, tirou o papel e a caneta...
– Fazendo anotações? Números de telefone? Ó, já
inventaram agenda eletrônica, brincou a garota. Os dois riram. E depois
Frederico disse: – Não é lista telefônica, é lista de odores.
– Lista de odores? Como assim?
– Eu nomeio os cheiros.
Depois de rir baixinho, ela perguntou: “e que
nome você daria ao meu”?
– É o que eu tô tentando fazer. Mas é um cheiro
diferente o seu. Não consigo dar exatidão pra ele.
– Tá me chamando de fedorenta?
– Não, imagina. Pelo contrário, o cheiro é ótimo!
Só que...
– Essa lista é tão importante mesmo?
– É sim!
– Então tá! Vou deixar você cheirar o meu
pescoço. Isso pode te ajudar.
– Não... Não... Deixa pra lá. Não é cheiro de
pescoço que eu colho e nomeio.
– Ué... Não entendo.
– É cheiro de vagina.
A garota ficou séria. Frederico ficou vermelho.
O que tinha dado nele pra ter falado aquilo? A menina podia muito bem
estapeá-lo ali mesmo, chamar alguém, avisar a polícia, Frederico ia ficando
cada vez mais corado durante o silêncio que se fez entre ele e a garota. Pensou
em se levantar e descer do ônibus, quando inesperadamente a menina segurou na
mão dele e disse: – põe o dedo discretamente. Vou abrir o zíper, botar a minha
bolsa em cima, e você lentamente passa a mão por baixo e coloque um dedo.
Depois cheire. Isso vai ajudá-lo a nomear o que você deseja pro seu Tratado de
Cheiros.
Frederico passou a mão por baixo, pôs o dedo e
sentiu o calor molhado das paredes vaginais. Ficou uns dez segundos com o dedo
dentro. Depois tirou e cheirou. Que vertigem! Era o cheiro mais doce de todos
os cheiros que ele havia reunido até então. Devia haver ali todas as misturas
mais deliciosas de odores. Era de uma embriaguez tão intensa que ele saiu de
si, fechou os olhos e se transportou pra dentro daquele fantástico mundo
vaginal. E foi imaginando. E foi sonhando. E de repente, viu no lugar do
clitóris, um arbusto de jasmim perfumadíssimo; no lugar dos pelos, a relva das
plantas mais cheirosas; no lugar do suco vaginal, o líquido mais puro e
perfumoso...
Quando voltou a si e abriu os olhos, a menina já
não estava mais assentada. Ela largara um bilhete em que trazia a inscrição
“Flores Frescas”. Frederico pegou a sua lista, pegou a caneta e rabiscou no
trigésimo primeiro número: “Flores Frescas”.
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