Anaximandro Amorim (1978) é escritor,
advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª
Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês
do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da
Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de
Campos, de Vila Velha/ES. Confira, abaixo, a crônica “A difícil arte da
humildade”:
Esses dias, uma colega de trabalho me chamou a
atenção para aquelas coisas que, de tão banais, a gente nem se dá conta. Quem
viajou de avião sabe muito bem que "em caso de despressurização, máscaras
de oxigênio cairão automaticamente. Coloque a sua primeiro e depois ajude quem
está do seu lado." Faz sentido. Afinal, como é que a gente pode ajudar os
outros se a gente não se ajudar antes?
Este mundo de hoje é muito estranho. Vivo
escrevendo sobre isso e, se um dia essas linhas sobreviverem ao tempo, tenho certeza
que quem for ler, no futuro, vai achar a mesma coisa do nosso presente. Somos
capazes de dar conselhos, mas não queremos ser aconselhados; falamos do
desapego, mas somos todos apegados; Queremos ter mais tempo, mas vivemos
ocupados; queremos uma vida mais simples, mas acumulamos cada vez mais. E
vivemos escravos de demandas artificiais, coisas que muitas vezes nos impõem e
que, no fim das contas, a gente se pergunta: por que eu comprei isso? Ou vai
dizer que você nunca doou uma camisa ou um sapato que você jamais usou?
Muitas vezes eu fico pensando em como é difícil
essa tal de humildade. Pessoas como Cristo, Francisco de Assis, Buda, Gandhi
foram exemplos de desapego total de bens materiais, de uma vida mais
espiritualizada - e não tiveram uma vida fácil. Fico imaginando se algum deles
teria espaço nos dias de hoje, se nascessem nesta era. Não, isto aqui não é
proselitismo. Cada vez mais eu observo que trocamos o sagrado (seja ele como
for) pelo mercado - e nos perdemos em um mar de infelicidade, pois, com a
obsolescência dos bens materiais, nós também nos achamos obsoletos - e
envelhecemos antes da hora, produzindo uma horda de pessoas ou angustiadas ou
ansiosas, incapazes de viver o tempo presente.
Digo isso porque, tempos atrás, tentei imaginar
como seria, de fato, um mundo de desapegados. Certamente não teríamos
arranha-céus, nem automóveis potentes, talvez não teríamos dinheiro ou talvez o
mínimo. Uma utopia comunista? Não creio... tampouco um fanatismo religioso.
Provavelmente uma sociedade em que as pessoas praticassem a tolerância, a
aceitação. Algo simples, puro, longo de amarras, de doutrinas. Talvez fosse
isso o que as religiões quisessem, em sua origem, mas que o homem, que possui,
em si, o gérmen da ganância, jamais conseguiu entender. Porque, infelizmente,
fomos programados para o acúmulo, a competição. E essa é uma cilada da qual não
conseguimos sair.
Vejo, porém, um movimento em contrário, de gente
que procura fugir do caos urbano em busca de uma vida pacata no interior. Seria
a busca do Éden, aquela dimensão divina, perdida lá longe, no Paraíso? Ou,
simplesmente, uma forma de fazer com que o relógio ande mais devagar? Cada vez
mais percebo gente cansada da correria, buscando, às vezes, ganhar menos, mas
ter mais tempo para a família, para os filhos. E uma hora tudo deverá ser
repensado, pois está tudo errado: criamos o tempo para ser nosso escravo - e
não para sermos por ele escravizado.
É do ser humano achar que a grama do vizinho é
mais verde; que a festa ao lado é mais animada; que o prato do outro é mais
saboroso. E é um exercício de humildade gostar-se do seu próprio jardim, da sua
própria festa, do seu próprio prato. Já disse várias vezes que a raça humana se
encontra no limiar de suas forças. Ou temos a humildade de repensar a nossa vida
aqui neste planeta ou chegaremos, com ele, à exaustão. O simples cair de uma
máscara em caso de despressurização pode nos ensinar muita coisa. Pode
nos mostrar que, para repensar a vida, precisamos de ar; para ajudarmos os
outros, precisamos nos ajudar; mas, também, que, independente de quem somos,
estamos no mesmo barco. Ou, no caso, no mesmo avião, rumo a esse infinito tão
fabuloso que é a vida.
(Publicado
originalmente na revista "Varal do Brasil", ano 4, maio/junho de
2013, ed. 23, Genebra/Suíça, pp. 20/21)
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