sábado, 20 de julho de 2013

LICENÇA CRÔNICA: CARLOS ALEXANDRE DA SILVA ROCHA


Carlos Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira, abaixo, a crônica “Vestido roxo”:

VESTIDO ROXO

O mundo vai acabar, assim, tão desavisadamente... Não me preparei. Não coloquei aquele vestido roxo de que tanto gosto. Não escutei Bach no último volume enquanto a crosta terrestre se desintegra e a gentalha sofrilenta, mais pra pestilenta do que gente, se descabela, se ainda tem cabelo, se o governo ainda não arrancou seus últimos fiozinhos. Ainda bem que o mundo acabará e o IPTU ficará sem pagar, no fim de tudo pelo menos saímos no lucro, já tinha hipotecado, até mesmo, o meu ácido úrico.

Esperei por isso desde o meu nascimento, mas ainda nem li os mil livros e nem escutei os mil discos para se ler e ouvir antes de morrer.  Não visitei o Taj Mahal e nem pratiquei sexo tântrico no cume das pirâmides do Egito. O bom é que vou economizar, mas vou partir assim, sem um Kama Sutrazinho? Nem o xacra? Logo eu que sou ótima, uma bela praticante de yoga...

Viu... os Maias não estavam errados! Só o tempo de antigamente andava devagar, quase parando nas reentrâncias das horas. Esta bola de fogo que nos dizimará, varrerá todos, sem separar trigo do joio, queimando todos num mesmo saco de lixo.
Nosso fim será filmado em tempo real, ao vivo e quase todos mortos, daremos adeusinho pedindo “Filma eu, pelo amor de Deus”. Finalmente terminará esse jogo perdido. Essa farsa... Disfarça, sorria meio sem graça, a câmera está a te filmar. “Mãe, esse Globo só me fez de bobo”, está no meu cartaz, queimou o filme, fui censurada.
Tantos anos, séculos, tanta tecnologia pra que num sol de meio dia se discutam as idiossincrasias das intrigas do BBB. Viver é uma Big Bosta, e a bosta já foi pro ventilador faz tempo.

Até o Papa que ficava papando, despapou-se! E agora José? Ainda há teologia pra se escorar? Desce mais uma tequila para me empurrar, para engolir seco e aceitar. Já cansei de engolir, quero, na verdade, é vomitar.
Só sei que nesta quarta-feira não existirei, me fundirei nas brumas. Serei pó, farelo de gente, resquícios de desumanidade. Nada fará sentido, nem mesmo o vestido roxo pendurado no prego. Nem os meus livros de autoajuda que nunca ajudam, só fazem aceitar a merda de sempre.

Com os meus olhos em prece, vejo o meteoro cruzar os céus. Restará segundos até a morte varrer tudo feito tempestade. Nada aconteceu, era um meteorito e ele se dissolveu no céu como uma pastilha de vitamina C. Essa eterna desgraça que tenho que assumir de graça – poxa, vou ter que pagar a bosta do IPTU no mês que vem!    


Nenhum comentário:

Postar um comentário