Sarah Vervloet nasceu em
Vila Velha ,
no Espírito Santo, em 1989. É graduada em Letras-Português pela UFES e
atualmente cursa o Mestrado em Letras/ Estudos Literários na mesma
universidade. É professora e também escreve irregularmente. Foi contemplada em
um concurso de
Literatura da Secretaria de Cultura do Espírito Santo, na categoria contista
estreante e seu livro está no forno. E-mail:sarahvervloet@gmail.com e Blog: http://chadechama.blogspot.com.br. Confira, abaixo, o conto “Um dominó para Tolstoi”:
UM DOMINÓ PARA TOLSTOI
Não
me parecia que todas aquelas pedras de marfim diziam qualquer coisa, a não ser
um pálido conjunto de paralelepípedos, sem estratégias. Vinham-me poucas, quase
nenhuma estratégia à vista para este ou aquele outro jogo a que me pertencia: o
amoroso. Quando se aproximou de mim, o senhor sorria e trazia um gorro
exorbitante, feito de pele de coelho. E misteriosamente nada me disse, apenas
misturou todas as peças com paciência e olhos negros. Eu desviei o olhar por
insegurança e, em seguida, percebi que estávamos numa fria Rússia. Pude
respirar o frio das lembranças calorosas. Eram momentos que não necessitavam do
frio, já que havia alguém com quem trocar palavras de calor. A memória
congelava-se a cada tentativa de lembrar, lembrar e lembrar.
Lembro-me
que perguntei a mim mesmo se ela estaria sentindo o mesmo frio que eu. O jogo
estava armado. Um duplo-seis dispunha-se elegante. Perguntei de Ana ao homem,
mas não obtive sucesso. Só restava prosseguir naquela nebulosa mesa sem tabuleiro.
Minha ponta de seis formava um seis-três, que completava um três-cinco e depois
um cinco-dois. Em que momento trataríamos de nos cumprimentar modestamente?
Sufocava-me tudo aquilo. Eu havia de ganhar-lhe a partida? Olhei-te novamente e
nada consegui extrair. Equilibrava-me entre jogar e compreender onde estava
Ana.
-
Tragam-me uma vodca! Gritei, perdendo o controle, feito Nicolau.
O
senhor, que ainda não se encontrava sem o gorro, continuou estático e analisou
suas possibilidades na jogada. “Não é possível que ele tenha estratégias”,
pensei inocentemente. Eu tinha três rodadas em mão, e não sabia como proceder.
Tentava chamar-lhe a atenção de todo tipo, embora estivesse exausto para
persistir:
-
O gelo explodiu teus miolos? Por Deus! Pare com este jogo ridículo e diga-me
como poderei ver Ana. Não me faças de tolo, eu imploro.
O
homem só precisava de uma ponta de cinco e, como a neve exagerada lá de fora,
vieram duplos de quatro para ele. Houve um fecha.
-
E então? Caiu-me uma lágrima de pavor pelo que pudesse suceder.
Ele juntou as pedras, uma a uma, com muita
cautela. Começou a alinhá-las em pé, construindo uma sequência holandesa. Já
não tentava entender a que filete de tempo nos dedicávamos, tampouco tinha
forças para sair dali. Quando, por fim, todas as peças estavam dispostas em
fileira, à semelhança de um exército russo, o senhor bebeu o último gole de
vodca do meu copo e levantou-se. Olhou seriamente para mim e tocou a primeira
pedra branca da fila de outras pedras brancas. O exército se desmanchava diante
dos meus olhos enquanto o senhor saía pela porta da frente. Eu o seguia,
preocupado com o término da queda de todas as peças. Ana estava do outro lado
da rua, acenando com um pequeno lenço azul. Corei-me instantaneamente, sentindo
o palpitar do coração, gelado que estava. Podia ler em seus lábios as estranhas
palavras: “domino gratias”.
Não
pude compreender, mas sentia-me mal. Não havia vitória nem derrota, como em
qualquer vida mundana. O homem saía numa carruagem sem se despedir e Ana sumia à
medida que a rua ficava mais larga. Eu não conseguia gritar porque não ouvia
minha própria voz. Sentia que queria Ana de volta, mas ela tinha-se ido, como
um jogo em que as peças se perdem ou são escondidas pela desonestidade.
Retornei para dentro, obrigado por um frio cortante, e quando me sentei, já as
pedras estavam misturadas e distribuídas. O sol que jamais teria saído dali
derretia muita neve vista das janelas.
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