sábado, 19 de outubro de 2013

ANÁLISE DO LIVRO “A CEIA DOMINICANA: ROMANCE NEOLATINO”, DE REINALDO SANTOS NEVES.



“A ceia dominicana” renova “Satyricon”, pois não é nem parodia, nem paráfrase e sim estilização da obra de Petrônio. Aqui, entende-se estilização como “a movimentação do discurso. [...] Na estilização não ocorre uma traição à organização ideológica do sistema como ocorreria na paródia, onde há uma perversão do sentido original” (SANT’ANNA).

Comecemos pelo título: “A ceia dominicana: romance neolatino”. A expressão “romance neolatino” indica que é um novo romance, uma releitura do romance latino, pois o português não é latim, mas deriva dele e o renova. Este romance não tenta simplesmente imitar “Satyricon”, mas renová-lo através da importação do tema para a literatura brasileira. Quanto à “Ceia dominicana”, nada tem a ver com a ordem religiosa de mesmo nome. Na verdade, Dominicana se refere ao personagem Domingos Cani, e a “ceia” é o banquete que ele costuma oferecer anualmente a seus amigos.

Ademais, temos a capa do romance com o nome do autor Reinaldo Santos Neves e temos um prefácio dele. Entretanto, após o prefácio do autor, encontramos outra capa na qual o narrador-personagem Graciano Daemon pede a autoria para si, como o título igual a primeira capa. Após essa capa fictícia, há o prefácio de uma outra personagem, que seria a organizadora do romance, Bárbara Gondim. Um texto pode autocitar-se e isso se chama “auto texto, que de acordo com Lucien Dällenbach, “é uma duplicação interna, que desdobra a narrativa ‘toda ou em parte sob a sua dimensão literal’ (a do texto, entendido estritamente) ou referencial (a da ficção)”.

O romance é todo narrado em primeira pessoa. Graciano é o pícaro por excelência, não só por ser o narrador, mas também por viver as mais loucas aventuras. Graciano, assim como Encólpio, viaja em busca de amor, sexo e banquetes a fim de fugir de alguém que tenha o deixado em prejuízo. O erotismo se manifesta o tempo todo, só que bem cômico, posto a rídiculo, bem ao estilo “Satyricon”. A figura alegórica que representa esse erotismo é Sóstrata, a “papua”, que, por irônico paradoxo, na aparece em nenhuma cena de sexo, o que faz gorar todo o seu potencial erótico. A narrativa começa com um naufrágio.

Enquanto no ínicio de “Satyricon” tem-se o último naufrágio do barco, na “Ceia”, há o naufrágio da embarcação de romaria.  Graciano Daemon é um naufrago nupcial e chega à Manguinhos para fugir de seu casamento, após descobrir que sua esposa não se casou virgem. Como Encólpio, Graciano é um estudante (professor), é livre, culto, mas sem moral, tal como a sociedade o qual está inserido. No percurso por Manguinhos, Daemon conhece muitos loucos, tais como Átila, Agamêmnon, Eugênia, Cristácia e um bando de desvairados.

O romance tem vinte e quatro rapsódias, como “Odisséia”, além de ter o “anti-heroi” Graciano, ao modo de Encólpio, de “Satyricon, que foge dos seus problemas. Segundo Aldinéia Arantes, Encólpio é muito diferente dos heróis representados nos gêneros elevados, como o épico, já que Encólpio tem características humanas e procura sempre um jeito de se dar bem e fugir dos seus problemas.

“Não há como se pensar a significância do texto literário ignorando a necessidade de comunicação desse texto com outros, seja de natureza literária ou não”, afirma Antonie Compagnon. Por seu turno, Julia Kristeva afirma ainda que “o texto literário é uma escritura-réplica, que confirma ou nega outros textos”. Em “A ceia dominicana” há diversos intertextos com “Satyricon”, como o uso de tanto de prosa como de poesia, além do uso de um vocabulário baseado no latim, mas solto e coloquial. Graciano utiliza-se de trocadilhos obscenos, imagens eróticas e a luxúria. A sociedade do romance acolhe o personagem e este torna-se igual a ele. Como exemplo, ao chegar na região de Manguinhos, Graciano se hospeda na casa de Cristácia, mãe de Nilota. Na praia encontra a inominável Daiane, que não fala muito e que por isso parece ser muda, mas desperta a fala ao ser penetrada dentro do mar por Daemon.

Em “Satyricon”, Agamêmnon revela que a escola é desnecessária, pois os adolescentes se tornam estúpidos. Na “Ceia”, Agamêmnon diz que o professor não precisa ensinar nada.  Outra cena comum aos dois romances é que o anti-heroi Encólpio é punido por ver uma cerimônia de Príapo, Graciano é punido da mesma maneira pelas divindades marinhas por ter profanado o mar.

Na cena central de “A ceia dominicana”, como não poderia faltar, há muitos intertextos com “Satyricon”. No romance de Petrônio, Encólpio recebe o convite para jantar na casa de Trimalquião, um novo rico. O convite é feito por Agamêmnon. Na “Ceia”, Graciano é convidado por Agamêmnon para a ceia de Domingos Cani, também um novo rico. Na entrada da casa de Trimalquião, um escravo porteiro descascava ervilhas e um pássaro muito belo numa gaiola de ouro cumprimenta os convidados. Na entrada da cada de Domingos, o porteiro cata feijões e um papagaio saúda Graciano. Trimalquião tinha várias relíquias: estátua de Vênus, caixinha de ouro com a própria barba. Domingos tem as esculturas de Vênus de Milo, Juno e Hermafrodita. Escravos de Trimalquião tiravam cutículas dos convidados, enquando Reuza, mulher de Dama, tira bichos-de-pé dos convidados. Um dos convidados de Trimlaquião era pobre e ficou rico e de outro foi tomado tudo o que tinha. Na casa de Cani, Indalécio era pobre e ficou rico, mas perdeu seu dinheiro (a mulher roubou).

Na parede da residência de Trimalquião há um cão enorme desenhado, ele está preso a uma corrente, em cima a expressão “Cave Canem”. A mesma cena está gravada no muro da casa de Cani. Trimalquião relata que seus intestinos não estão funcionando bem e diz que os convidados devem se sentir à vontade para soltar suas flatulências. Domingos Cani diz o mesmo e oferece o banheiro aos convidados. Outros pontos que tocam Trimalquião e Domingos Cani, como o fato de ambos terem duas bibliotecas e, em suas ceias, seus convidados contarem histórias. Trimalquião tinha muito amor pelo seu cão Calix, ao passo que Domingos Cani revela quw Feio é seu melhor amigo. Trimalquião lê seu testamento e indica como deveria ser seu túmlo e seu epitáfio. Domingos Cani faz o mesmo, descrevendo as possibilidades para seu enterro. Fortunata, esposa de Trimalquião, fora prostituta. Berecíntia, mulher de Cani, também. Por fim, Trimalquião foi durante 14 anos, amante do seu dono, além de satisfazer a dona dele. Domingos Cani era amante de Cicuta Pereira, seu tutor.

REFERÊNCIAS

ARANTES, Aldinéia. “Satyricon: uma contribuição clássica. In: O estatuto do Anti-heroi.

COMPAGNON, Antonie. O demônio da teoria.

DÄLLENBACH, Lucien “Intertexto e autotexto”.

KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise.

SANT’ANNA, Affonso Romano. “Paródia, paráfrase”.















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