sexta-feira, 4 de outubro de 2013

LICENÇA CRÔNICA: CARLOS ALEXANDRE DA SILVA ROCHA


Carlos Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira, abaixo, a crônica “Volta mundo, volta!”

VOLTA MUNDO, VOLTA

A casa está vazia. Minha mulher foi pra Goiás. Pai Marcão com suas cartas de tarô tirou a pessoa amada de mim em apenas cinco dias, olha que nem precisei soltar o cheque pré-datado, ele a levou na vista de quem quisesse olhar. Ele é rápido no gatilho, levou meu dinheiro, minha mulher e o meu amado e querido gato. Numa hora dessas deve estar devorando-a pouco a pouco, para que eles estejam alinhados como os planetas, talvez, assim, o mundo não acabe.

Os Maias destruíram com a minha vida... O nó da gravata está apertado e por isso respiro a prestações. Será que minha vida presta para algo? Estou em débito com a vida ou é a vida que está comigo? Eu que vivi tão pouco! Volta mundo, volta!

Sinto-me ridículo ao tentar afrouxar a gravata. Meu mundo caiu... E ainda assim espero o fim do mundo em pé em cima de um banquinho. Se minha mulher estivesse aqui estaria alinhando o meu planeta na via láctea dela. No entanto, Pai Marcão foi mais esperto do que eu, ele deve estar alinhando nela constantemente, minha mulher é muito gostosa e essa é a minha maior lástima.

Sei que vou morrer hoje, pois é vinte um de dezembro de dois mil e doze e porque os Maias falaram, eram extraterrestres de inteligência acima da nossa, eles sabiam das coisas... E eu, como não sei de nada, quero partir com as reminiscências das coisas boas, do vinho francês que eu não sei pronunciar a marca, do terno italiano que nunca poderia comprar. Graças ao cartão de crédito pude realizar as minhas últimas vontades, Deus seja louvado! Se o mundo não acabar hoje... vou precisar louvar e muito.

O banquinho mexe um pouco e eu começo a tremer com medo de cair. Dou risadas nervosas, a gravata de seda italiana parece acariciar meu pescoço. Maldigo a minha condição social, é tão fácil se acostumar com coisas boas, o difícil é largar... Me vejo no espelho, pelo menos morrerei bem vestido, estou parecendo um galã de filme Hollywoodiano, tô a cara daquele ator... aquele tal de Bread Pit.

Bebo mais uns goles de vinho. Partirei de porre para a cova, mas, Ai meu Deus, se o mundo acabar não vai ter ninguém pra cavar! É, vou ter que apodrecer como um morto comum. Não, mortos comuns vão pra vala, eu não terei nem isso. Não poderei ser enterrado em pé, como fazem com os suicidas. Volta mundo, não me abandone...
A gravata me aperta. São meia noite e um minuto e o mundo não acabou. O relógio chega até a uma hora da manhã, mas nada aconteceu... Será que o relógio dos Maias não funcionava como o nosso? Ou o calendário deles está no horário de inverno? Dizem que antigamente o tempo passava mais devagar, talvez seja isso.

Um misto de alegria e de euforia tomou conta de mim. Foi quando me deparei com a minha imagem refletida no espelho, o terno italiano... Os Maias acabaram com minha vida, com o meu cartão de crédito, me deixaram em débito...

Dou o passo que me levará ao nada. A gravata estica e o laço aperta. Estou pendurado em meu ventilador de teto, tento morrer pra não prestar conta, ou melhor, não pagá-las. O aparelho não agüenta o meu peso e caio pesadamente no chão. Da aventura arriscada me sobra um galo na cabeça, talvez seja meu chifre apontando.

Estou sem mulher e, pior, sem meu gato, logo aquele meu lindo felino... A propaganda daquela agência publicitária estava certa: “Maias é o C******”, P****! Eu mato esse Pai Marcão, aquele Filho da Puta!


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