No próximo dia 24 de dezembro Humberto Gessinger completará 50 anos de idade. Até lá, o líder da banda Engenheiros do Hawaii já terá lançado seu novo disco solo: Insular. Neste novo trabalho, Gessinger escolheu não ter uma banda fixa – e sim um time de convidados – e se reencontrou com seu principal instrumento, o baixo. “Eu te confesso que me assustei um pouco até que peguei o baixo e comecei a tocar. Ali eu me senti musicalmente em casa”, disse o músico em entrevista que conferiremos agora.
Prestes a completar 50 anos, Humberto Gessinger lança novo disco: “gosto de olhar no espelho e ver umas rugas”
Se muitos jovens se assustam quando chegam aos 30 ou 40 anos, o número 50 não intimida Gessinger. “Não tenho esse culto da juventude de ficar pensando: ‘a linha do meu cabelo está indo para trás’. Eu gosto de olhar no espelho e ver umas rugas. Ter calo na mão por tocar baixo. Gosto de sentir as marcas do tempo no meu corpo”, explicou.
O músico ainda falou sobre a diferença de se fazer música no passado – “na minha infância tinha três canais de TV” – e como a pressa da internet pode influir para o bem ou o mal dos artistas: “tu tem que ter algo que te norteie nessa decisão na hora de lançar ou não. Senão fica um culto da esponteneidade vazia”.
Você disse que se espantou ao perceber que havia se passado dez anos sem lançar um disco de inéditas. Como foi a transição para reunir tudo isso?
O lance de escrever as canções é um processo que não tem horário. A gente sempre está escrevendo. Reunir para um disco vira um processo mais racional. Quando eu senti que tinha bastante material, fiquei pensando como mostrar tudo isso. Eu não tinha noção do formato. Não sabia se seria um disco do Engenheiros do Hawaii ou do Pouca Vogal. Até então não tinha passado pela minha cabeça a jogada de fazer um disco solo. Trabalhando as músicas eu vi que cada uma pedia um ambiente diferentes, convidados diferentes. Acho que as músicas pediam isso e o momento que eu estou vivendo. Se você for contar meu tempo todo de carreira, eu toquei com poucas pessoas. Cade vez mais eu curto essa ideia de tocar com outras pessoas. Comecei a gravar e assumi que não teria uma banda fixa. Por isso lancei como disco solo. Essa coisas das participações é uma mistura do momento que estou vivendo com o que as canções pediam.
Como foi trabalhar as músicas como unidade com diferentes músicos? É difícil ser o agente que agrega tudo no disco?
Eu te confesso que me assustei um pouco até que peguei o baixo e comecei a tocar. Ali eu me senti musicalmente em casa. Os últimos quatro anos estava na estrada com o Pouco Vogal, que é um duo acústico. O baixo que me deu certa segurança. Eu falo isso não pelo lance de eu ser um puta baixista, pelo contrário: pelas limitações que eu tenho no instrumento. É um centro de gravidade. Musicalmente fiquei mais tranquilo. A composição também, por eu ter feito todas as letras ao menos, isso costura e dá uma unidade.
Como escolheu os convidados?
Quis trazer convidados que eu achava legais e deixá-los a vontade para tirar o máximo. Mandei as demos para eles bem adiantadas, todas gravadas em casa.Nos encontramos direto no estúdio, mas são todos músicos experientes e não foi difícil. Tenho admiração especial por todos eles. Inconscientemente, toda a coisa estava encaminhada para acontecer. Não era uma coisa de buscar um cara que nunca tinha ouvido. São caras que eu ouço muito. Tudo se encaminhou para acontecer sem sofrimento. Depois que eu fiz comecei a pensar como ficou interessante porque tem um cara mais da corrente nativista, tem um cara mais urbano, um cara mais rock n roll. Não foi algo que busquei, notei depois. Virou um painel do que eu acho legal. A busca foi bem instintiva mesmo.
Do jeito que fala, parece uma busca até meio ingênua.
Sim. Foi algo bem: “acho que essa canção fica legal com esse cara”. “Po, que legal seria tocar com o Borges”, que é um puta acordeonista. Foi bem assim. São caras que eu ouvia, então foi bem tranquilo de fazer.
Nesse meio tempo você se tornou um cara bem próximo dos fãs ao usar seu blog e até fazer apresentações em casa por streaming. Como é isso para o músico de hoje?
Na minha infância tinha três canais de TV e não tinha controle remoto. Ter essas opções, para um cara que está beirando os cinquenta, é bem maluco. Acho legal ter um contato direto, mas me perguntam: “e a influência dos fãs?”. Isso eu já acho meio perigoso. Eu como fã, não quero influenciar os artistas que eu gosto. Quero que eles corram o risco de fazer uma merda que eu não goste. É difícil, mas eu tento me policiar para não ficar como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. O artista tentando ver o que funciona no trabalho. O barato da internet não é o lance das pessoas saberem o que querem de ti, é chegar neles com menos elos entre você e seu ouvinte.
Então pode ser uma armadilha também?
Eu vejo um paralelo com o pessoal que reclama dos médicos que hoje em dia só pedem exame. Médico não tem mais feeling. Acho que todo mundo corre esse risco de perder o seu feeling. A tua função como artista é ter essa sensibilidade. É legal você agradar as pessoas, mas como uma consequência de uma busca interna. Pelo menos pra mim é assim.
Esse processo mais rápido mudou o jeito de se produzir música?
Ficávamos dois anos viajando com um disco. Era muito lento o processo de descoberta de um trabalho. Agora acho que é mais parecido com a velocidade do artista. Perde um pouco o sentido do single, música de trabalho, etc. As pessoas têm acesso ao trabalho mais na totalidade. Gostaria de ter tido isso na minha adolescência com os artistas que eu gosto.
Existe a possibilidade disso influenciar negativamente?
Esse é um risco. Tem um relógio interno e um relógio externo. Precisamos ficar atentos. As vezes não é o momento de lançar. No início dos anos 90, sei lá, entre 1986 e 1996, eu lancei dez discos em dez anos. Natural. Agora faz dez anos que não lanço um disco de inéditas. Natural também. Teu relógio muda. Eu posso querer lançar um disco no ano que vem. Você não pode ser seduzido por essas possibilidades todas. Nos anos 80, todo mundo tinha uma personalidade e buscava formas de se expressar. Canais pra veicular isso. Hoje é o contrário. Os canais estão aí antes das bandas terem personalidade. Você vê tanta gente procurando personalidade no público. Dá uma certa agonia. Essa é uma das funções que o artista tem hoje em dia e não tinha antigamente. Agora ele que decide quando lançar ou não. Pode lançar um disco por dia ou um em uma década. Cabe a gente a decidir.
Qual seria o jeito de equilibrar isso?
Tu tem que ter algo que te norteie nessa decisão na hora de lançar ou não. Senão fica um culto a esponteneidade vazia. As coisas espontâneas são bacanas, claro, mas não só por serem espontâneas. É um risco que se corre hoje em dia. Vejo pelas fotos que a gente posta, em tudo. A gente tem obrigação de ter um filtro. Cada coisa que a gente posta está roubando três segundos da vida das outras pessoas. Quem se propõe a lançar um disco mais ainda.
Em dezembro você chega ao cinquenta anos.
Vou completar cinquenta com cabeça de noventa.
A idade te assusta?
Sou capricorniano e desde sempre ouço esse papo que “capricorniano nasce velho e vai ficando moço”. No colégio sempre era o cara mais maduro. Sempre fui meio assim. Não tenho esse culto da juventude e ficar pensando: “a linha do meu cabelo está indo para trás”. Eu gosto de olhar no espelho e ver umas rugas. Ter calo na mão por tocar baixo. Gosto de sentir as marcas do tempo no meu corpo. Me sinto muito bem com isso. Claro, se eu pudesse escolher, ficaria para sempre com doze anos. Mas não gostaria de ser adolescente jamais, nunca mais. Me dou bem com a idade. Não me dá angústia. Pelo contrário, me acalma. Sou uma pessoa mais calma hoje.
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