sábado, 24 de agosto de 2013

NATURISMO E AS GUERRAS


PARTE I

No dia 21/07/13 foi divulgada na Folha de São Paulo a matéria de Ricardo Senra com o título “naturistas brigam entre si por direito à nudez pública” e junto com as fotos, logo abaixo do texto outro título “Guerra dos Pelados”. Esse assunto merece algumas reflexões que faço nas linhas a seguir.

Em primeiro lugar o repórter é praticamente recém formado pela Universidade do Rio de Janeiro em 2010 e não conhece nada de Naturismo, muito menos o que é uma nudez nas guerras. É bom saber diferenciar o que é uma guerra do que é uma diferença de opiniões. A nudez na guerra é vergonhosa, é triste, lamentavelmente destituída de qualquer valor, a foto acima mostra isso e muito mais se quisermos explorar esse assunto. A nudez natural possui outro significado e ela está exposta em contexto muito diferente, ela é harmonia, é pacífica, é saudável do ponto de vista médico e psicológico (tenho artigos em minhas mãos que provam isso).

Às vezes sai alguém do mundo social e entra no mundo natural para realizar pesquisas, estudos acadêmicos como foi o caso de Luiz Fernando Rojo com a tese de doutorado “Vivendo Nu Paraíso” na área de Antropologia. Mas também existe aquele que sai do mundo natural para tentar mostrar ao outro lado que a simples nudez humana nada tem de agressiva, é uma percepção do corpo de forma diferente. Alguma coisa errada? Não. A questão é que um não sabe que outro existe, não consegue conceber a naturalidade do corpo. É nesse ponto que entra os conflitos e as divergências.

Tenho divulgado o Naturismo junto aos intelectuais da cidade onde moro nos encontros semanais, aproveito e faço convites para que venham conhecer o grupo o qual freqüento; nada será exigido nem mesmo que tirem as suas roupas. Nunca ninguém apareceu, minto só um jovem. Mas é uma forma de abordagem, outros podem querer de modo diferente. Até Roberto Carlos com a sua música “Além do Horizonte” também quer uma vida livre quando diz:
“...bronzear o corpo todo sem censura, gozar a liberdade de uma vida sem frescura”. Só que ele quer além do horizonte e muitos querem viver o agora. Não vejo rupturas, nem motivos para conflitos. Têm pessoas que gostam de briguinhas de fundo de quintal e arranjam problemas onde não existe.

Um grupo quer ter o direito à nudez no parque, na cachoeira enfim, em lugares propícios ao banho de sol e sem molestar ninguém. Na Alemanha é assim e desconheço quaisquer conflitos de ordem moral ou mesmo com a polícia. A bem da verdade porque é cultural. Na reportagem citada a sexóloga e obstetra Carol Albrogini diz: “essas pessoas são exibicionistas. Os freqüentadores do parque não são obrigados a ver isso. Tem criança!” Como eu disse, é cultural, essa pessoa desconhece estudo realizado Robin Lewis e Lois Janda em 1988, estudo de Marilyn Story com 274 crianças de 3 a 5 anos e o resultado resumidamente foi:
- A nudez é benéfica para a família e a sociedade;
- Acabam se tornando adultos à vontade com seus corpos e com a sua sexualidade;
- Auto estima elevada;
- Menos obsessivos.

Uma pessoa nesse nível deveria ter mais cuidado ao falar de quem quer liberdade que são exibicionistas. Liberdade é algo que nascemos com ela e depois nos foi tirada fundamentada nos conceitos e preconceitos sociais. Os naturistas são pessoas que se apóiam nos valores de respeito e harmonia e tenta mostrar, às vezes mal interpretados, que a nudez tem mais dignidade do que muitos comportadinhos.

Particularmente não tenho interesse em ir para praça e tirar as roupas, nem que fosse permitido. No entanto, a nudez de qualquer pessoa não me atingiria em nada. Temos muito que aprender para conquistar maiores espaços, prefiro pelo lado cultural que falta até mesmo para indivíduos que fizeram faculdade, imaginem num país onde ainda o povo vai para ruas reivindicar educação.

A reportagem pode ter atingido o seu objetivo mercadológico, mas muito infeliz no seu conteúdo de mostrar a verdadeira face do Naturismo.

PARTE II


“Os homens nunca praticam o mal de modo tão completo e animado como quando o fazem a partir de convicção religiosa”, escreveu o filósofo Blaise Pascal. De 1500 Até os dias atuais a violência e as atrocidades cometidas pelo homem contra o seu semelhante por falta de tolerância religiosa é de tamanha envergadura que fica difícil acreditar na possibilidade do ser humano ter sido capaz de realizar tanta agressividade.

Se alguém pensa que isso é coisa do passado está muito enganado; a guerra na Síria adquire cada vez mais traços de guerra religiosa, ou seja, ela está se transformando num confronto entre sunitas e xiitas.

Na Irlanda do Norte protestantes e católicos ainda se hostilizam; na Índia hindus e sikhs se gladiam; na Armênia cristãos e muçulmanos se agridem; no Sri Lanka budistas atacam cristãos e hindus. Marcelo da Luz então questiona e analisa em seu livro “Onde a Religião Termina?” Dada a onipresença da violência religiosa, é esta apenas uma conseqüência acidental das manifestações de credulidade ou é a própria religião, na sua conjuntura estrutural, o gatilho armado à deflagração da violência? É a religião vítima da manipulação de outros agentes alheios aos seus princípios, ou está nela plantada a raiz da violência?

James A. Haught em “Perseguições Religiosas” faz um relato da história do fanatismo e dos crimes religiosos sumarizados nos últimos nove séculos que nos deixa perplexos de como tem sido a evolução da nossa espécie.

Eckhart Tolle em “O Despertar de Uma Nova Consciência” afirma que as religiões, numa grande medida, firmaram-se como forças divisoras em vez de unificadoras, e que a nova espiritualidade, a transformação da consciência, está surgindo em grande parte fora das estruturas das religiões institucionalizadas.

Qual é o verdadeiro problema? A questão é que os conflitos surgem quando um grupo de pessoas assume ser detentora da verdade e todos os outros estão errados e assim como são contra a Divindade devem ser perseguidos e aniquilados. Como vivemos no mundo da dualidade sempre existirá alguém com pensamentos opostos ao seu. O que o homem do século XXI precisa na atualidade é de TOLERÂNCIA E RESPEITO.

Surge o Naturismo no início do século XX como uma força propulsora que mais cedo ou tarde irá o indivíduo refletir sobre a sua própria natureza e irá concluir a inexistência da verdade absoluta. Toda a natureza é integrada, fragmentada na mente do homem que tem dificuldades de perceber a totalidade. O dia é a continuidade da noite, a morte é a continuidade da vida, nada pode ser separado, tudo é integrado. Não pode haver separatismos dentro do movimento naturista, nem mesmo manifestações políticas e religiosas em respeito à individualidade das pessoas e a universalidade da natureza.

No entanto, a prática do Naturismo consciente requer desprendimento, tanto corporal como mental, o que tem tornado difícil para o homem moderno que criou para sua natureza problemas de diversas ordens, poucos percebem a poesia do corpo e muitos o sexo. Não só isso, também tem dificuldades de aceitação da sua própria natureza, não se sentem bem com ela. Toda a natureza é nua e não há dificuldade alguma, só o homem que cria embaraços, desestrutura e provoca desequilíbrios. Algo deu errado na sua construção! Buda tem razão quando diz: Viva em alegria, em paz, mesmo entre os perturbados.

O biólogo Arthur Golgo Lucas escreve com muita propriedade seus argumentos contrários à nudez em manifestações políticas, e ele tem razão, a nudez naturista não é para convencer a sociedade de nada, na verdade é para proporcionar transformações em si mesmo. As mudanças sociais devem ocorrer a partir do próprio indivíduo.  

Osho, no seu livro “Alegria – A Felicidade que Vem de Dentro”, cita que o problema não é a guerra, e as marchas de protesto não irão ajudar. O problema é a agressão interior nos indivíduos. As pessoas não estão à vontade consigo mesmas, daí precisar haver a guerra; do contrário, essas pessoas enlouquecerão. A cada década uma grande guerra é necessária para descarregar a humanidade de sua neurose.

Por que acham que defendo publicamente o Naturismo sem impor a minha nudez? Porque ainda tenho a utopia que o ser humano ainda possa viver em paz.

(Texto de Evandro Telles)


Evandro Telles (evandro.telles@terra.com.br) é escritor e lançou os livros: “Verdades que as roupas escondem” (2009), “Naturismo – Um Estilo de Vida Transformador” (2013) e “Naturismo – Um Corpo Não Fragmentado” (2013).

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