PARTE I
No dia 21/07/13 foi divulgada na Folha de São Paulo
a matéria de Ricardo Senra com o título “naturistas brigam entre si por direito
à nudez pública” e junto com as fotos, logo abaixo do texto outro título
“Guerra dos Pelados”. Esse assunto merece algumas reflexões que faço nas linhas
a seguir.
Em primeiro lugar o repórter é praticamente recém
formado pela Universidade do Rio de Janeiro em 2010 e não conhece nada de
Naturismo, muito menos o que é uma nudez nas guerras. É bom saber diferenciar o
que é uma guerra do que é uma diferença de opiniões. A nudez na guerra é
vergonhosa, é triste, lamentavelmente destituída de qualquer valor, a foto
acima mostra isso e muito mais se quisermos explorar esse assunto. A nudez
natural possui outro significado e ela está exposta em contexto muito
diferente, ela é harmonia, é pacífica, é saudável do ponto de vista médico e
psicológico (tenho artigos em minhas mãos que provam isso).
Às vezes sai alguém do mundo social e entra no
mundo natural para realizar pesquisas, estudos acadêmicos como foi o caso de
Luiz Fernando Rojo com a tese de doutorado “Vivendo Nu Paraíso” na área de
Antropologia. Mas também existe aquele que sai do mundo natural para tentar
mostrar ao outro lado que a simples nudez humana nada tem de agressiva, é uma
percepção do corpo de forma diferente. Alguma coisa errada? Não. A questão é
que um não sabe que outro existe, não consegue conceber a naturalidade do
corpo. É nesse ponto que entra os conflitos e as divergências.
Tenho divulgado o Naturismo junto aos intelectuais
da cidade onde moro nos encontros semanais, aproveito e faço convites para que
venham conhecer o grupo o qual freqüento; nada será exigido nem mesmo que tirem
as suas roupas. Nunca ninguém apareceu, minto só um jovem. Mas é uma forma de
abordagem, outros podem querer de modo diferente. Até Roberto Carlos com a sua
música “Além do Horizonte” também quer uma vida livre quando diz:
“...bronzear o corpo todo sem censura, gozar a
liberdade de uma vida sem frescura”. Só que ele quer além do horizonte e muitos
querem viver o agora. Não vejo rupturas, nem motivos para conflitos. Têm
pessoas que gostam de briguinhas de fundo de quintal e arranjam problemas onde
não existe.
Um grupo quer ter o direito à nudez no parque, na
cachoeira enfim, em lugares propícios ao banho de sol e sem molestar ninguém.
Na Alemanha é assim e desconheço quaisquer conflitos de ordem moral ou mesmo
com a polícia. A bem da verdade porque é cultural. Na reportagem citada a
sexóloga e obstetra Carol Albrogini diz: “essas pessoas são exibicionistas. Os
freqüentadores do parque não são obrigados a ver isso. Tem criança!” Como eu
disse, é cultural, essa pessoa desconhece estudo realizado Robin Lewis e Lois
Janda em 1988, estudo de Marilyn Story com 274 crianças de 3 a 5 anos e o
resultado resumidamente foi:
- A nudez é benéfica para a família e a sociedade;
- Acabam se tornando adultos à vontade com seus
corpos e com a sua sexualidade;
- Auto estima elevada;
- Menos obsessivos.
Uma pessoa nesse nível deveria ter mais cuidado ao
falar de quem quer liberdade que são exibicionistas. Liberdade é algo que
nascemos com ela e depois nos foi tirada fundamentada nos conceitos e
preconceitos sociais. Os naturistas são pessoas que se apóiam nos valores de
respeito e harmonia e tenta mostrar, às vezes mal interpretados, que a nudez
tem mais dignidade do que muitos comportadinhos.
Particularmente não tenho interesse em ir para
praça e tirar as roupas, nem que fosse permitido. No entanto, a nudez de
qualquer pessoa não me atingiria em nada. Temos muito que aprender para
conquistar maiores espaços, prefiro pelo lado cultural que falta até mesmo para
indivíduos que fizeram faculdade, imaginem num país onde ainda o povo vai para
ruas reivindicar educação.
A reportagem pode ter atingido o seu objetivo
mercadológico, mas muito infeliz no seu conteúdo de mostrar a verdadeira face
do Naturismo.
PARTE II
“Os homens nunca praticam o mal de modo tão
completo e animado como quando o fazem a partir de convicção religiosa”,
escreveu o filósofo Blaise Pascal. De 1500 Até os dias atuais a violência e as
atrocidades cometidas pelo homem contra o seu semelhante por falta de
tolerância religiosa é de tamanha envergadura que fica difícil acreditar na
possibilidade do ser humano ter sido capaz de realizar tanta agressividade.
Se alguém pensa que isso é coisa do passado está
muito enganado; a guerra na Síria adquire cada vez mais traços de guerra
religiosa, ou seja, ela está se transformando num confronto entre sunitas e
xiitas.
Na Irlanda do Norte protestantes e católicos ainda
se hostilizam; na Índia hindus e sikhs se gladiam; na Armênia cristãos e
muçulmanos se agridem; no Sri Lanka budistas atacam cristãos e hindus. Marcelo
da Luz então questiona e analisa em seu livro “Onde a Religião Termina?” Dada a onipresença da violência religiosa, é
esta apenas uma conseqüência acidental das manifestações de credulidade ou é a
própria religião, na sua conjuntura estrutural, o gatilho armado à deflagração
da violência? É a religião vítima da manipulação de outros agentes alheios aos
seus princípios, ou está nela plantada a raiz da violência?
James A. Haught em “Perseguições Religiosas” faz um
relato da história do fanatismo e dos crimes religiosos sumarizados nos últimos
nove séculos que nos deixa perplexos de como tem sido a evolução da nossa
espécie.
Eckhart Tolle em “O Despertar de Uma Nova
Consciência” afirma que as religiões, numa grande medida, firmaram-se como
forças divisoras em vez de unificadoras, e que a nova espiritualidade, a
transformação da consciência, está surgindo em grande parte fora das estruturas
das religiões institucionalizadas.
Qual é o verdadeiro problema? A questão é que os
conflitos surgem quando um grupo de pessoas assume ser detentora da verdade e
todos os outros estão errados e assim como são contra a Divindade devem ser perseguidos
e aniquilados. Como vivemos no mundo da dualidade sempre existirá alguém com
pensamentos opostos ao seu. O que o homem do século XXI precisa na atualidade é
de TOLERÂNCIA E RESPEITO.
Surge o Naturismo no início do século XX como uma
força propulsora que mais cedo ou tarde irá o indivíduo refletir sobre a sua própria
natureza e irá concluir a inexistência da verdade absoluta. Toda a natureza é
integrada, fragmentada na mente do homem que tem dificuldades de perceber a
totalidade. O dia é a continuidade da noite, a morte é a continuidade da vida,
nada pode ser separado, tudo é integrado. Não pode haver separatismos dentro do
movimento naturista, nem mesmo manifestações políticas e religiosas em respeito
à individualidade das pessoas e a universalidade da natureza.
No entanto, a prática do Naturismo consciente
requer desprendimento, tanto corporal como mental, o que tem tornado difícil
para o homem moderno que criou para sua natureza problemas de diversas ordens, poucos
percebem a poesia do corpo e muitos o sexo. Não só isso, também tem
dificuldades de aceitação da sua própria natureza, não se sentem bem com ela.
Toda a natureza é nua e não há dificuldade alguma, só o homem que cria
embaraços, desestrutura e provoca desequilíbrios. Algo deu errado na sua
construção! Buda tem razão quando diz: Viva
em alegria, em paz, mesmo entre os perturbados.
O biólogo Arthur Golgo Lucas escreve com muita
propriedade seus argumentos contrários à nudez em manifestações políticas, e
ele tem razão, a nudez naturista não é para convencer a sociedade de nada, na
verdade é para proporcionar transformações em si mesmo. As mudanças sociais
devem ocorrer a partir do próprio indivíduo.
Osho, no seu livro “Alegria – A Felicidade que Vem
de Dentro”, cita que o problema não é a
guerra, e as marchas de protesto não irão ajudar. O problema é a agressão interior
nos indivíduos. As pessoas não estão à vontade consigo mesmas, daí precisar
haver a guerra; do contrário, essas pessoas enlouquecerão. A cada década uma
grande guerra é necessária para descarregar a humanidade de sua neurose.
Por que acham que defendo publicamente o Naturismo
sem impor a minha nudez? Porque ainda tenho a utopia que o ser humano ainda
possa viver em paz.
(Texto
de Evandro Telles)
Evandro Telles (evandro.telles@terra.com.br)
é escritor e lançou os livros: “Verdades que as roupas escondem” (2009),
“Naturismo – Um Estilo de Vida Transformador” (2013) e “Naturismo – Um Corpo
Não Fragmentado” (2013).
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