terça-feira, 27 de agosto de 2013

ESTAMOS TODOS CONDENADOS




Confesso que fui assistir ao filme "As Horas Vulgares" (2013, drama), de Victor Graize e Rodrigo Oliveira movido pela curiosidade de ver um "filme capixaba" (se é que existe esse gênero, pois acho que filme rodado no Espírito Santo, no Rio de Janeiro ou em Rondônia é brasileiro). Acho que todo mundo ouviu dizer que ele se inspira em um romance de uma "autor capixaba" (lê-se, também, brasileiro), "O Reino dos Medas", de Reinaldo Santos Neves; Acho que muitos sabem que o enredo é sobre um pintor, de nome Lauro,  que sai por aí, numa noite de muitas experiências e crises existenciais; Acho que poucos sabem que o ator principal, o tal pintor em questão, é João Gabriel Vasconcellos, galã do polêmico "Do começo ao fim" e da nova montagem de "Chiquititas", do SBT. 

Para início de conversa, "As Horas Vulgares" não é um filme comercial, portanto, precisa ser visto devagar, aliás, precisa ser sorvido. Ele é pesado (melhor dizendo, denso), praticamente todo dialogado, com falas, às vezes, poéticas, surrealistas, até. Trocando em miúdos: é um filme artístico, que flerta com os extremos: luz e sombra; fala e silêncio; preto e branco, não por acaso, usado no filme todo, com um granulado que remete ao onírico. Vitória, local da película, é retratada com um clima "noir" que muito faz lembrar os antigos filmes hollywoodianos, onde ninguém era inocente, e sempre havia um suspeito. Não há belas paisagens, nada de estonteante, mas uma cidade portuária, envelhecida, que é, também, mais uma protagonista da história. 

Uma das maiores "sacadas" dos diretores foi justamente essa: você sabe que é Vitória, mas, ao mesmo tempo, não sabe. Só quando um dos personagens, Théo, o melhor amigo de Lauro, faz remissão à cidade como o que ela verdadeiramente é: uma ilha, com algo de isolado e até claustrofóbico. Um lugar em que não há nada para se fazer a não ser viver, errando de um lado para o outro. Tal dimensão fica bem evidente no início, quando uma das personagens, Clara, paixão dos dois amigos, some no horizonte, num barco, talvez a única que se salva das tais "horas vulgares". De resto, sobra o que, para mim, é a grande moral da história: estamos todos condenados à existência, como num delírio sartriano, o que força os personagens a viver intensamente, de festa em festa, sob o som, muitas vezes, de um jazz deprê, certamente para tentarem esquecer a pequenez de suas vidas. Coisa que não acontece com Lauro, talvez o único que consegue enxergar além...

Não há um indicativo do tempo em que se passa a história, no entanto. Pelas barbas e cabelos compridos dos rapazes, pensa-se nos anos 1970. Eu percebi, porém, que eles ouviam CDs, o que me fez imaginar que a história se passa, na verdade, nos anos 1990. Fui adolescente, justamente, nesse período. Eu sou de uma geração de transição entre o analógico e o digital; entre o mundo das notícias do dia seguinte ante o mundo em tempo real. Lembro-me que nós, a meninada de antanho, nutríamos alguma esperança em nossos corações. E foi assim que aqueles anos foram lembrados, a "década da esperança", em detrimento aos "anos perdidos" que foram os anos 1980. Mas eu me lembro, também, de um certo niilismo, daquele ar "fin de siècle" que teimava em nos abater, quando imaginávamos como seria o ano 2000, enquanto nos perdíamos nas referências de gerações passadas. Tudo isso está (muito bem) retratado no filme.  

"As Horas Vulgares", contudo, não nega ser fruto da sua época. Aquele tempo dos CDs, dos Unos e Kas que rodam pelas ruas da cidade, são revisitados sob a óptica do contemporâneo, ou seja, do fragmentado. Isso é patente em toda a projeção, feita de momentos. Não é um filme para não iniciados e precisa ser decantado para que se tenha a verdadeira noção da sua qualidade. Mas é um trabalho que terá seu mérito reconhecido daqui a alguns anos, pois tem tudo para virar cult movie. Em todo caso, no final da projeção, um rapazinho de, no máximo, vinte anos, gritou "genial". Certamente ele faz parte do seleto grupo dos que entenderam o verdadeiro sentido da película.

(Texto de Anaximandro Amorim)





Anaximandro Amorim, 34 anos, capixaba, advogado, professor e escritor. Tem cinco livros lançados independentemente (e relançados pela editora AGBook/ Clube de Autores), sendo dois romances, dois de poesia e uma autobiografia. Faz parte de várias instituições culturais do Espírito Santo, como a Academia Espírito-Santense de Letras, a Academia de Letras Humberto de Campos (Vila Velha/ES) e o Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo. Possui um site com suas obras, biografia completa, além de outras informações: www.anaximandroamorim.com.br.

Um comentário:

  1. Que olhar atento e carinhoso com o filme, Anaximandro. Do lado de cá, ficamos muito felizes que o filme tenha ecoado por aí.

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