Anaximandro Amorim (1978) é escritor,
advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo
(UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª
Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês
do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da
Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de
Campos, de Vila Velha/ES. Confira, abaixo, a crônica “Very Well, Rubem, Very
well”:
"Braga-me,
Rubem, Braga"
Zuzu Fontes
No ano do
centenário do cronista capixaba Rubem Braga (1913 - 1990), resolvi homenageá-lo
visitando seus escritos. Comprei o seu "Um pé de milho" por uma
bagatela (nem dez reais) e estou saboreando cada crônica. Uma delas me chamou a
atenção: foi o texto "Aula de inglês", bem humorado relato em que o
cronista se diz assustado ao não saber o que significa a palavra handkerchief
(lenço), mas aliviado ao acertar a palavra ashtray (cinzeiro). Por fim,
Braga termina espantado: será que um dia encontraria o embaixador britânico e
perguntaria is it an ashtray para ele?
Pois é, Rubem... eu também me pergunto para que
servem certas frases que a gente aprende nos cursos de idioma, sobretudo
inglês. Eu me lembro, por exemplo, de Do you want a coca? Além de fazer
propaganda para a Coca-Cola, descobri, mais tarde, que o refrigerante que mais
sai por lá é a Pepsi (e a gente não aprende Do you want a pepsi?). Tem
também coisas esquisitas do tipo Are you a boy or a girl? Acho que, se
você estiver na dúvida, melhor nem perguntar isso. Mas nenhuma bate a famosa The book is on
the table. Definitivamente. Pergunto, caro leitor: quantas
vezes você precisou dessa frase? Hein?
A coisa é
tão estapafúrdia que o dramaturgo romeno naturalizado francês Eugène Ionesco
(1909 - 1994) escreveu uma comédia chamada "A cantora careca", em
1950. A peça é uma das pérolas do "teatro do absurdo", a começar pelo
nome pois, segundo o próprio Ionesco, não há nem cantora e nem ela é careca! Na
verdade, o roteiro é uma colagem das frases do livro de inglês do dramaturgo.
Estudando o idioma no trem, ele percebeu que os textos não faziam sentido algum
e, assim, montou a peça, sucesso até hoje, com recordes de encenações. Tudo com
frase que a gente aprende por aí.
É claro que,
da mesma forma que o negócio é esquisito pra nós, também é pra eles. Lembro-me
de um colega meu que, tendo recebido um estadunidense em casa, pediu para ele o
ajudar com a lição de inglês. Qual não foi a surpresa quando ouviu do menino
que o texto não fazia sentido! Deve ser por isso que tanta gente estuda, às
vezes, oito, dez anos e sai da escola sem saber falar uma palavra. Só pode.
All right,
all right, você deve estar pensando "ele só está
falando assim porque é professor de francês". Bom, eu faço o mea culpa:
peguei meu primeiro método de francês da Aliança Francesa, um livro chamado Archipel
e dei uma folheada. Além de ficar estupefato com as fotos em preto e branco de
gente vestindo calça boca de sino e óculos tipo ambervision, quão
horrorizado não fiquei ao ver que estudei frases como Vous voulez une
cigarette? (você quer um cigarro) ou Vous voulez du wisky? (você
quer uísque?). Como alguém pode ter coragem de ensinar isso a um garoto de
treze anos? Ainda bem que não fumo nem bebo. Totalmente politicamente
incorreto!
Gostaria de
saber se o Rubem Braga conseguiu encontrar o embaixador britânico. Pesquisei na
biografia dele, mas não vi nada. Em todo caso, tendo servido no exterior, ele
deve, certamente, ter utilizado alguma dessas frases. Seria interessante vê-lo
pegar um cinzeiro, do nada, e perguntar Is it an ashtray? E o
embaixador, espantado, responder Yes, it is. E Braga, espirituoso
cronista, parabenizar o homem que nem sua professora de inglês fazia com ele: Very
well, very well.
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