Domingo é dia de entrevistas com personalidades culturais aqui no Outros 300. A entrevista de hoje é com o escritor Cleibson Freitas. Espero que gostem.
Cleibson Freitas nasceu em 1985, no Espírito Santo, residindo sempre na cidade de Cariacica. Filhos de pais humildes, tornou-se um apaixonado e curioso pelo ser humano da vida comum. Graduado em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Espírito Santo, o escritor inicia sua carreira com a publicação de O óvulo e o ovo: tudo de novo. Nessa obra, Cleibson Freitas talvez comece seu primeiro e verdadeiro encontro com a arte. Como ele mesmo diz: “escrevo para ser livre. Ou melhor, brincar de ser livre, de ter prazer e brincar de ser Deus. Escrevo para me esconder do mundo e anular-me por completo. A literatura também serve para nos escondermos”. Confira, abaixo, a entrevista com o autor:
1 – Sabemos que o dom da escrita é nato, ou seja, não aparece, por mágica, da noite para o dia. Mas quando, efetivamente, você percebeu que tinha o talento para escrever estórias?
Resposta: Esta pergunta é curiosa! Pois bem: na verdade, não sei rotular no tempo quando comecei a perceber que tinha afinidade com a escrita. Acontece que sempre gostei de ler e ouvir estórias e Histórias. Minha avó era uma grande contadora de estórias. E era analfabeta, por sinal. Mas ela tinha uma plasticidade narrativa que eu adorava desde menino. Ela contava os casos (ou causos) de roça e isso me fascinava. Tempos depois, descobri que havia a prosa regional e nunca me esqueci que foi a minha avó a primeira pessoa a me apresentar isso inconscientemente. Hoje sou um admirador do Guimarães Rosa e dos grandes escritores brasileiros que abordam a temática regional. Acho, então, que o meu talento primeiro é para ouvir e observar. E o escritor é, antes de tudo, um observador! E daí talvez venha a minha afinidade com a escrita... Na escola, lembro que adorava as atividades de produção de texto que meus professores passavam. E fui, talvez, descobrindo ali, juntamente com as aulas de Educação Física, que eu adorava redação e futebol (risos). Todo esse conjunto de coisas fizeram com que eu descobrisse que escrever é uma arte e que eu poderia usufruir disso.
2 – Não são muitos os contistas consagrados no Brasil. Partindo desse pressuposto porque privilegiar o conto em vez do romance?
Resposta: Tem duas coisas no conto que eu adoro: o absurdo e a estranheza. Vejo no Conto uma possibilidade de chocar o leitor. E isso me agrada em narrativa. Surpreender o leitor com uma solução narrativa ou um acontecimento imprevisíveis é algo mágico. Gosto disso! E vejo essa possibilidade mais no Conto do que no Romance, embora seja este último gênero, obviamente, também propício a infinitas soluções.
3 – Alias, falando nos poucos contistas famosos brasileiros, em que fonte você bebeu? Percebemos que, ao tentar analisar suas fontes, vemos indícios de várias referencias.
Resposta: Ah! Bebi em vários escritores! Quis fazer do livro “O óvulo e o ovo: tudo de novo” um mosaico. Aproveitei ali todas as minhas referências. Como bom brasileiro, fiz uma antropofagia, uma salada tropicalista... Bebi no Machado, Guimarães, Clarice, Rubem Fonseca, Borges... A arte é uma bola de neve! A estética modernista nos apresentou isso e o Brasil é um “terreno” que dá boas saladas (risos)! Que diga os tropicalistas, né?
4 – É possível abstrair influências de outros nichos culturais como a música ou cinema, por exemplo? Foi o caso? De quem?
Resposta: Sem dúvida! A cultura é uma só! Tudo está próximo! Tomemos o exemplo do Chico Buarque: ele é compositor, cantor, escritor, dramaturgo, “namorador” (risos). E veja o Woody Allen, que escreve e atua em seus filmes. E existem inúmeros outros artistas para quem a arte não existe fronteira. Não sei se respondi bem a pergunta, então vou recapitular: as áreas artísticas se entrecruzam. Às vezes, sou levado pela vontade de escrever depois de ouvir uma música ou de ter assistido a um filme. E quero lembrar que muitos poetas, ao invés de escrever poemas, fazem música. O Caetano Veloso e o Arnaldo Antunes são bons exemplos. E por aí vai... Acho que tem ser assim mesmo a liberdade de criação!
5 – Percebemos que O Óvulo e o Ovo Tudo de Novo foi uma teia costurada minuciosamente. Qual foi a concepção para a elaboração deste livro?
Resposta: É tudo uma grande brincadeira-séria! Quis tratar da morte chistosamente, brincar com metafísica, discutir com humor as mazelas da vida e do mistério do universo (isso sempre me incomodou). Mas repito: quis deixar latente o humor. Em muitos contos do livro, embora trate de temas sérios, o leitor morre de dá risadas dos personagens malucos. Muitos amigos me disseram que deram risadas. No entanto, existem aquelas pessoas que não percebem a brincadeira e identificam os contos (e o livro) como sendo pessimistas. E eu acho isso bacana, porque revela as muitas possibilidades de leituras do texto literário! Além disso, existe ainda a concepção do “tudo de novo”. Para mim, a vida não acaba com a morte e nos reintegramos ao universo. “O óvulo e o ovo” são mães da natureza, dão a gestação à vida. E tudo se inova e se renova, até mesmo a arte! Não sei se estou sendo claro e preciso aqui, mas o norte foi esse.
6 – O Óvulo foi concebido graças a uma lei de incentivo cultural. Qual é a dificuldade de se fazer arte no Brasil? Porque que não se encontram facilidades? Como foi o seu processo para a busca desse incentivo?
Resposta: Agradeço muito a lei João Bananeira, de Cariacica! Mas no geral, o artista é um ser desamparado! Não que isso seja empecilho para criarmos! Criaremos do mesmo modo, com o apoio ou sem apoio, mas o desamparo existe! Os homens mecenas de outrora foram substituídos pelas leis de incentivo à cultura e pelo próprio artista arcando do próprio bolso para financiar sua arte. Na nossa cultura e História a arte é tratada com despeito. Não se tem, no Brasil, respeito pelo artista! E no estado do Espírito Santo, isso é ainda mais visível! Evidentemente, existem pessoas trabalhando sério aqui pra que isso mude! Mas acho que ainda são muitas as dificuldades de ordem financeira para tornar pública a criação de um artista. E mesmo quando isso é possível, a dificuldade de divulgação e de um público consumidor também são grandes. As leis de incentivo cultural ainda não estão maduras para garantir a permanência e circulação de um trabalho contemplado por elas. Depois de um tempo, se cai no esquecimento. Digo por mim e muitos amigos artistas: conseguimos apoio, publicamos nosso trabalho, mas não conseguimos a divulgação necessária e nem a circulação de nossas obras. Mas por incrível que isso possa parecer, não me chateio com isso. Chateio-me, é bem verdade, é com círculos fechados de cultura, vulgo “panela”. E a capital de nosso estado, Vitória, abriga esse tipo de coisa. Como disse o sábio cancionista Itamar Assunção em sua música “Cultura lira paulistana”: “Cultura não é uma tchurma/ Cultura não é tcha tchura/ Cultura não é frescura.” Mas a arte é bem maior que isso e sobrevive a essas coisas. Temos que, isso sim, continuar com a criação porque a arte é resistência. Sempre foi assim!
7 – Toda a concepção estética de escrita e a brincadeira com as palavras lembram muito trabalhos de Clarice Lispector. Confere? Qual influencia da grande dama encontramos em seu livro?
Resposta: Confere, claro! “A grande dama” é fantástica. Gosto da narrativa de Clarice e seu olhar desnudo e cru sobre as coisas. Acho que uma expressão traduz tudo: “soco no estômago”. Clarice me mostrou, assim como pra sua personagem Macabéa, que a vida é um soco no estômago. E tudo isso me conquistou na sua prosa. Além, é claro, da sua estranheza ao escrever e da técnica da epifania. Acrescento também o olhar do feminino! Uma grande artista consagrada na minha parca prateleira de livros. Clarice é uma escola!
8 – Quando falamos em contos no Brasil à imagem que vez à nossa cabeça são os de humor de Luís Fernando Veríssimo ou os líricos do Arnaldo Jabor. Como fica, nessa história, o Cleibson Freitas, uma vez que não abraçou nem um estilo e nem outro?
Resposta: Gosto muito desses dois bons prosadores. Eles são inteligentíssimos. O Veríssimo mesmo é um gênio do humor. E eu fico onde estou (risos)! Cada um faz aquilo que pode e consegue sem maiores pretensões. É difícil responder esta pergunta! Me perdoem!
9 – Ao mesmo tempo em que vemos Clarice em O Óvulo contos como Lei Maria da Penha, Copiadora Paper e Conversa pra boi dormir lembram muitas coisas escritas por Rubem Fonseca. Esse tipo de “contar o conto” (conforme citado na pergunta 8) está se extinguindo no Brasil, uma vez que o próprio Fonseca se esconde cada vez mais?
Resposta: O “reconto” é uma solução que acho criativa. O Jorge Luis Borges fez ficção da ficção e eu acho isso o máximo. Não saberia responder se isso está se extinguindo no Brasil porque eu também não saberia dizer se isso é muito usado aqui! Conheci isso lendo o Borges, que é argentino. Agora, quanto ao senhor Rubem Fonseca, esse gênio gosta mesmo do anonimato. De tudo que leio aproveito as lições. O Rubem Fonseca me fez perceber que o artista é um mero acessório da arte. Logo, quem precisa aparecer é a arte e não o artista. E o mais bacana é que, aos 80 anos, acredito, ele continua trabalhando árduo! Seu último trabalho está nas livrarias: “Axilas e outras histórias indecorosas”.
10 – Agora uma pergunta fácil: O que falta para se ganhar dinheiro escrevendo no Brasil? Escrevendo sobre vampiros talvez...
Resposta: (risos). Acho que sim! E um pouco de sorte também! Isso é ruim, porque tudo que um artista mais deseja é poder pagar sua conta de água e luz, por exemplo, com dinheiro de seu trabalho artístico! Mas francamente: ninguém faz arte pensando em grana, senão morreríamos de fome no Brasil. Fazemos por necessidade nossa e força de criação. Queremos externar os insights que nos tomam por inteiro e, senão fizermos isso, corremos o risco de ficarmos doente. O artista, senão externar sua criaçã , fica doente!
11 – Alias, falando em vampiros... As bibliotecas estão abarrotadas de livros de vampiros “românticos pops” e nunca tanta gente tem lido. Isso é bom? É ruim? É possível que um livro de leitura simples de vampiro possa servir de trampolim para leituras mais densas ou “uma vez vampiro sempre vampiro”? O que você acha sobre séries como Crepúsculo, por exemplo?
Resposta: A leitura de histórias vampirescas conquista leitores. Elas também ajudam a formar leitores. E além de tudo, a leitura evolui. A meninada de hoje gostam disso. Mas é polêmico mesmo. Isso também pode ser mais um lixo cultural para o senso comum consumir. Mas prefiro acreditar que a leitura passa por várias etapas. Essa coisa de “uma vez uma coisa é sempre a mesma coisa” só funciona no hino do Flamengo (lamentavelmente - risos)! Eu nunca li estas séries e, portanto, vou exercer aqui o direito do silêncio.
12 – O Óvulo mostrou um contista extremamente promissor nascendo. O que esperar para o futuro? Quais são os seus planos?
Resposta: Estou preparando um livro de contos bem devagar. E também tenho um romance iniciado há dois anos e que está hoje parado. Estou indo devagar. Tenho, no momento, outras prioridades e, só depois, quero retomar a escrita. Gosto de “rabiscar” minhas coisas com tranquilidade, sossego e calma. Pretendo continuar com meu trabalho, mas só depois de fazer esses ajustes pessoais.
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