domingo, 18 de agosto de 2013

ENTREVISTA COM O ESCRITOR CLEIBSON FREITAS


Domingo é dia de entrevistas com personalidades culturais aqui no Outros 300. A entrevista de hoje é com o escritor Cleibson Freitas. Espero que gostem.

Cleibson Freitas nasceu em 1985, no Espírito Santo, residindo sempre na cidade de Cariacica. Filhos de pais humildes, tornou-se um apaixonado e curioso pelo ser humano da vida comum. Graduado em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Espírito Santo, o escritor inicia sua carreira com a publicação de O óvulo e o ovo: tudo de novo. Nessa obra, Cleibson Freitas talvez comece seu primeiro e verdadeiro encontro com a arte. Como ele mesmo diz: “escrevo para ser livre. Ou melhor, brincar de ser livre, de ter prazer e brincar de ser Deus. Escrevo para me esconder do mundo e anular-me por completo. A literatura também serve para nos escondermos”. Confira, abaixo, a entrevista com o autor:

1 – Sabemos que o dom da escrita é nato, ou seja, não aparece, por mágica, da noite para o dia. Mas quando, efetivamente, você percebeu que tinha o talento para escrever estórias?
RespostaEsta pergunta é curiosa! Pois bem: na verdade, não sei rotular no tempo quando comecei a perceber que tinha afinidade com a escrita. Acontece que sempre gostei de ler e ouvir estórias e Histórias. Minha avó era uma grande contadora de estórias. E era analfabeta, por sinal. Mas ela tinha uma plasticidade narrativa que eu adorava desde menino. Ela contava os casos (ou causos) de roça e isso me fascinava. Tempos depois, descobri que havia a prosa regional e nunca me esqueci que foi a minha avó a primeira pessoa a me apresentar isso inconscientemente. Hoje sou um admirador do Guimarães Rosa e dos grandes escritores brasileiros que abordam a temática regional. Acho, então, que o meu talento primeiro é para ouvir e observar. E o escritor é, antes de tudo, um observador! E daí talvez venha a minha afinidade com a escrita... Na escola, lembro que adorava as atividades de produção de texto que meus professores passavam. E fui, talvez, descobrindo ali, juntamente com as aulas de Educação Física, que eu adorava redação e futebol (risos). Todo esse conjunto de coisas fizeram com que eu descobrisse que escrever é uma arte e que eu poderia usufruir disso.

2 – Não são muitos os contistas consagrados no Brasil. Partindo desse pressuposto porque privilegiar o conto em vez do romance?
RespostaTem duas coisas no conto que eu adoro: o absurdo e a estranheza. Vejo no Conto uma possibilidade de chocar o leitor. E isso me agrada em narrativa. Surpreender o leitor com uma solução narrativa ou um acontecimento imprevisíveis é algo mágico. Gosto disso! E vejo essa possibilidade mais no Conto do que no Romance, embora seja este último gênero, obviamente, também propício a infinitas soluções.

3 – Alias, falando nos poucos contistas famosos brasileiros, em que fonte você bebeu? Percebemos que, ao tentar analisar suas fontes, vemos indícios de várias referencias.
RespostaAh! Bebi em vários escritores! Quis fazer do livro “O óvulo e o ovo: tudo de novo” um mosaico. Aproveitei ali todas as minhas referências. Como bom brasileiro, fiz uma antropofagia, uma salada tropicalista... Bebi no Machado, Guimarães, Clarice, Rubem Fonseca, Borges... A arte é uma bola de neve! A estética modernista nos apresentou isso e o Brasil é um “terreno” que dá boas saladas (risos)! Que diga os tropicalistas, né?

4 – É possível abstrair influências de outros nichos culturais como a música ou cinema, por exemplo? Foi o caso? De quem?
RespostaSem dúvida! A cultura é uma só! Tudo está próximo! Tomemos o exemplo do Chico Buarque: ele é compositor, cantor, escritor, dramaturgo, “namorador” (risos). E veja o Woody Allen, que escreve e atua em seus filmes. E existem inúmeros outros artistas para quem a arte não existe fronteira. Não sei se respondi bem a pergunta, então vou recapitular: as áreas artísticas se entrecruzam. Às vezes, sou levado pela vontade de escrever depois de ouvir uma música ou de ter assistido a um filme. E quero lembrar que muitos poetas, ao invés de escrever poemas, fazem música. O Caetano Veloso e o Arnaldo Antunes são bons exemplos. E por aí vai... Acho que tem ser assim mesmo a liberdade de criação!

5 – Percebemos que O Óvulo e o Ovo Tudo de Novo foi uma teia costurada minuciosamente. Qual foi a concepção para a elaboração deste livro?
Resposta: É tudo uma grande brincadeira-séria! Quis tratar da morte chistosamente, brincar com metafísica, discutir com humor as mazelas da vida e do mistério do universo (isso sempre me incomodou). Mas repito: quis deixar latente o humor. Em muitos contos do livro, embora trate de temas sérios, o leitor morre de dá risadas dos personagens malucos. Muitos amigos me disseram que deram risadas. No entanto, existem aquelas pessoas que não percebem a brincadeira e identificam os contos (e o livro) como sendo pessimistas. E eu acho isso bacana, porque revela as muitas possibilidades de leituras do texto literário! Além disso, existe ainda a concepção do “tudo de novo”. Para mim, a vida não acaba com a morte e nos reintegramos ao universo. “O óvulo e o ovo” são mães da natureza, dão a gestação à vida. E tudo se inova e se renova, até mesmo a arte! Não sei se estou sendo claro e preciso aqui, mas o norte foi esse.

6 – O Óvulo foi concebido graças a uma lei de incentivo cultural. Qual é a dificuldade de se fazer arte no Brasil? Porque que não se encontram facilidades? Como foi o seu processo para a busca desse incentivo?
RespostaAgradeço muito a lei João Bananeira, de Cariacica! Mas no geral, o artista é um ser desamparado! Não que isso seja empecilho para criarmos! Criaremos do mesmo modo, com o apoio ou sem apoio, mas o desamparo existe! Os homens mecenas de outrora foram substituídos pelas leis de incentivo à cultura e pelo próprio artista arcando do próprio bolso para financiar sua arte. Na nossa cultura e História a arte é tratada com despeito. Não se tem, no Brasil, respeito pelo artista! E no estado do Espírito Santo, isso é ainda mais visível! Evidentemente, existem pessoas trabalhando sério aqui pra que isso mude! Mas acho que ainda são muitas as dificuldades de ordem financeira para tornar pública a criação de um artista. E mesmo quando isso é possível, a dificuldade de divulgação e de um público consumidor também são grandes. As leis de incentivo cultural ainda não estão maduras para garantir a permanência e circulação de um trabalho contemplado por elas. Depois de um tempo, se cai no esquecimento. Digo por mim e muitos amigos artistas: conseguimos apoio, publicamos nosso trabalho, mas não conseguimos a divulgação necessária e nem a circulação de nossas obras. Mas por incrível que isso possa parecer, não me chateio com isso. Chateio-me, é bem verdade, é com círculos fechados de cultura, vulgo “panela”. E a capital de nosso estado, Vitória, abriga esse tipo de coisa. Como disse o sábio cancionista Itamar Assunção em sua música “Cultura lira paulistana”: “Cultura não é uma tchurma/ Cultura não é tcha tchura/ Cultura não é frescura.” Mas a arte é bem maior que isso e sobrevive a essas coisas. Temos que, isso sim, continuar com a criação porque a arte é resistência. Sempre foi assim!

7 – Toda a concepção estética de escrita e a brincadeira com as palavras lembram muito trabalhos de Clarice Lispector. Confere? Qual influencia da grande dama encontramos em seu livro?
Resposta: Confere, claro! “A grande dama” é fantástica. Gosto da narrativa de Clarice e seu olhar desnudo e cru sobre as coisas. Acho que uma expressão traduz tudo: “soco no estômago”. Clarice me mostrou, assim como pra sua personagem Macabéa, que a vida é um soco no estômago. E tudo isso me conquistou na sua prosa. Além, é claro, da sua estranheza ao escrever e da técnica da epifania. Acrescento também o olhar do feminino! Uma grande artista consagrada na minha parca prateleira de livros. Clarice é uma escola!

8 – Quando falamos em contos no Brasil à imagem que vez à nossa cabeça são os de humor de Luís Fernando Veríssimo ou os líricos do Arnaldo Jabor. Como fica, nessa história, o Cleibson Freitas, uma vez que não abraçou nem um estilo e nem outro?
RespostaGosto muito desses dois bons prosadores. Eles são inteligentíssimos. O Veríssimo mesmo é um gênio do humor. E eu fico onde estou (risos)! Cada um faz aquilo que pode e consegue sem maiores pretensões. É difícil responder esta pergunta! Me perdoem!

9 – Ao mesmo tempo em que vemos Clarice em O Óvulo contos como Lei Maria da PenhaCopiadora Paper e Conversa pra boi dormir lembram muitas coisas escritas por Rubem Fonseca. Esse tipo de “contar o conto” (conforme citado na pergunta 8) está se extinguindo no Brasil, uma vez que o próprio Fonseca se esconde cada vez mais?
RespostaO “reconto” é uma solução que acho criativa. O Jorge Luis Borges fez ficção da ficção e eu acho isso o máximo. Não saberia responder se isso está se extinguindo no Brasil porque eu também não saberia dizer se isso é muito usado aqui! Conheci isso lendo o Borges, que é argentino. Agora, quanto ao senhor Rubem Fonseca, esse gênio gosta mesmo do anonimato. De tudo que leio aproveito as lições. O Rubem Fonseca me fez perceber que o artista é um mero acessório da arte. Logo, quem precisa aparecer é a arte e não o artista. E o mais bacana é que, aos 80 anos, acredito, ele continua trabalhando árduo! Seu último trabalho está nas livrarias: “Axilas e outras histórias indecorosas”.

10 – Agora uma pergunta fácil: O que falta para se ganhar dinheiro escrevendo no Brasil? Escrevendo sobre vampiros talvez...
Resposta(risos). Acho que sim! E um pouco de sorte também! Isso é ruim, porque tudo que um artista mais deseja é poder pagar sua conta de água e luz, por exemplo, com dinheiro de seu trabalho artístico! Mas francamente: ninguém faz arte pensando em grana, senão morreríamos de fome no Brasil. Fazemos por necessidade nossa e força de criação. Queremos externar os insights que nos tomam por inteiro e, senão fizermos isso, corremos o risco de ficarmos doente. O artista, senão externar sua criaçã , fica doente!

11 – Alias, falando em vampiros... As bibliotecas estão abarrotadas de livros de vampiros “românticos pops” e nunca tanta gente tem lido. Isso é bom? É ruim? É possível que um livro de leitura simples de vampiro possa servir de trampolim para leituras mais densas ou “uma vez vampiro sempre vampiro”? O que você acha sobre séries como Crepúsculo, por exemplo?
RespostaA leitura de histórias vampirescas conquista leitores. Elas também ajudam a formar leitores. E além de tudo, a leitura evolui. A meninada de hoje gostam disso. Mas é polêmico mesmo. Isso também pode ser mais um lixo cultural para o senso comum consumir. Mas prefiro acreditar que a leitura passa por várias etapas. Essa coisa de “uma vez uma coisa é sempre a mesma coisa” só funciona no hino do Flamengo (lamentavelmente - risos)! Eu nunca li estas séries e, portanto, vou exercer aqui o direito do silêncio.

12 – O Óvulo mostrou um contista extremamente promissor nascendo. O que esperar para o futuro? Quais são os seus planos?
RespostaEstou preparando um livro de contos bem devagar. E também tenho um romance iniciado há dois anos e que está hoje parado. Estou indo devagar. Tenho, no momento, outras prioridades e, só depois, quero retomar a escrita. Gosto de “rabiscar” minhas coisas com tranquilidade, sossego e calma. Pretendo continuar com meu trabalho, mas só depois de fazer esses ajustes pessoais.

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