Sarah Vervloet nasceu em
Vila Velha,
no Espírito Santo, em 1989. É graduada em Letras-Português pela UFES e atualmente
cursa o Mestrado em Letras/ Estudos Literários na mesma universidade. É
professora e também escreve irregularmente. Foi contemplada em um concurso de
Literatura da Secretaria de Cultura do Espírito Santo, na categoria contista
estreante e seu livro está no forno. E-mail:sarahvervloet@gmail.com e Blog: http://chadechama.blogspot.com.br. Confira, abaixo, o conto “À luz dela”:
À LUZ DELA
No meio de
tantos fachos de luz, uma senhora parece perdida e completamente desesperada,
enquanto mais um rolo é desmontado no balcão. Uma claridade repentina sempre
causa dor importuna, ou estraga imagens de felicidade, não há como prever. Um
cavalo correndo contra o vento, três crianças brincando ao sol. Um casal abraçado
debaixo de um guarda-chuva. São tantas as imagens.
Uma
senhora como aquela não deve estar tão abatida só por causa de umas pequenas
mudanças à vista: tudo agora parece mais claro que o normal. As luzes que ali
se acendem não passam da generalização atenuada de uma vela. Com treze
centímetros ilumina-se um raio de quilômetros, pensei. Mas não me parece tão
possível que nem mesmo o sol tenha abandonado aquele trajeto por conta de uma
senhorinha.
Aquela luz
incomoda-a mais até do que um tormento físico, e queima a fita de tal forma que
é bem capaz de sorriso nenhum ser capturado nesta tentativa. Uma forte dor já
insiste nos meus olhos porque a luz não perde intensidade, por que a luz não
perde intensidade? Pelo tempo que ela está acesa, já se espera ou a minha
adaptação à sua brancura, ou a diminuição gradual da sua força. Porém, nada
disso está acontecendo e, pelo contrário, parece que o brilho começa a
causar-me cansaço. Consigo ver lágrimas escorrendo na face enrugada da pequena
senhora. Consigo escutar seu desespero completamente iluminado.
Consigo
sentir seu coração disparado como uma máquina de costuras, com suas agulhas
finas e ágeis que perfuram qualquer superfície fragilizada pelo desgaste de uma
luz. Consigo também me desfazer de sequências desconexas que só agora consigo
enxergar, finalmente consigo. Pela primeira vez, durante todas essas horas, a
senhora agora me olha, e me olha como quem olha um cardápio de restaurante. Sem
saber o que dizer, prefere continuar olhando. As lágrimas não param de cair um
só momento, no mais insuportável silêncio preenchido de luz.
Depois de
seis meses em plena escuridão, ser perseguida por uma luz incongruente deixa de
ser saída, para se tornar entrada de lembranças acordadas num solo pouco
abatido. A própria dependência obscura que prevalecia entre o seu corpo e a
inconveniência das mesmas piadas atrasadas deixava-a estática. Todos os dias, o
único desejo era permanecer sem luzes.
Luzes
podem nos causar descobertas indesejáveis, falava. Nem sequer a chama acesa do
cigarro fazia sentido então. A senhora esqueceu os óculos ou, de repente, os
trocou por algum anestésico. Mesmo o escuro causa dor. Tudo o que planejava,
quando planejava, deveria ser rigorosamente seguido. O que empurrava seus
tendões era a fuga de níveis, que sempre, por meio de alguma força bizarra e
assustadora, sugava-a novamente de volta. São como os raios de luz que se
aproximam do interior de um grande buraco negro, prestes a serem devorados por
uma pressão intensamente escura. Ela sorria mesmo assim, somente à sombra, mas
às vezes sentia que seus órgãos estavam sendo espremidos, ou que alguma
substância toda anormal corroia suas veias.
Eu não sou
de total infeliz. Nunca convivi tão profundamente com o sombrio, mas todos os
dias parecem ser alternadas noites vermelhas. São minhas mãos que não cessam um
minuto para sentir a triste ausência de luz com que me ocupo. Mas a triste
ausência de luz não quer dizer minha tristeza diante da escuridão. O que me
atinge com felicidade é a descoberta de cada imagem, passo a passo, como um
nascimento de uma segura lembrança. Talvez porque o mar não seja negro, ou
porque minha idade não tenha se avançado tanto. O problema é que a vermelhidão
também causa suas sensíveis dores. O efeito não se revela por pura falta de
cor, mas existem manchas que me fazem complicar a mente. E, o que do papel
parecia traduzir perguntas, nesse caso elas parecem brotar desses borrões como
jamais o fizeram.
A senhora
que se tornou pergunta por uma simples complicação de luzes, torna-se minha
completa descoberta. Fica claro o que encontro nesses olhos encharcados, nessa
pele padecida, que nada oferecem. Pode-se apagar a luz novamente e deixar-me
viver companhias vestidas de cinza e transparência, como vivem os espectros
incandescentes. Como se encontram novamente, familiarmente, no sereno e em meus
retratos.
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