Mostrando postagens com marcador Amigos do blog. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Amigos do blog. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 2 de abril de 2015

CONFIRA, NA ÍNTEGRA, O FILME "VALENTIM: TUDO NASCE DE UM SONHO", DE EVALDO PEREIRA, 1º LONGA PRODUZIDO EM UMA ESCOLA.


O longa "Valentim: Tudo nasce de um sonho", produzido, dirigido e escrito por Evaldo Pereira, foi totalmente filmado numa escola pública (algo inédito no Brasil). As filmagens, que não tiveram ajuda de leis de incentivo cultural, ocorreram na escola "Cel. Olímpio Cunha", em Cariacica



O filme "VALENTIM: TUDO NASCE DE UM SONHO" é um longa-metragem que foi filmado entre 2013 e 2014, na escola pública Olímpio Cunha, no bairro Santana, em Cariacica. A obra é uma produção totalmente independente e envolveu toda a escola, entre alunos, professores e servidores no processo de gravação. A ideia foi do professor de Artes Evaldo Pereira, que executou o projeto com a mobilização de toda a escola e a parceria da Adesjovem (Agência de Desenvolvimento Social Jovem). O professor Evaldo luta contra a banalização das artes nas escolas e tenta, através do audiovisual, atrair a atenção dos jovens para a educação.




VALENTIM

Sinopse do filme: Artista plástico chega à escola para realizar o sonho de ser professor, diante das diversas dificuldades pensa em desistir da educação e renunciar seu sonho, mas de repente encontra inspiração em seu talento e suas habilidades para conquistar os alunos e reinventar o ensino das artes na escola onde trabalha. O longa-metragem foi exibido no Cine Metrópolis (UFES) para mais de 200 pessoas, em duas oportunidades.





EVALDO PEREIRA


Evaldo Pereira é professor de Artes, fotógrafo, pintor, escultor, desenhista. Usando projetos com uma didática atrativa, o professor conquistou alunos e a maioria dos colegas de trabalho, ensinando técnicas práticas de grafite, tatuagem de henna, caracterização de personagens, esculturas, foto e vídeo. O filme possibilitou que o professor Evaldo Pereira recebesse a indicação ao título de "Capixaba do ano de 2014", eleição feita pelo jornal A Gazeta.

Curiosidades sobre o filme:


- Foi o primeiro longa metragem produzido em uma escola pública do Brasil.

- A história do filme é inspirada na própria história de vida do professor Evaldo.
- O filme contou com o apoio da diretora da escola, Dayse Manga.
- O longa que foi todo gravado com uma câmera fotográfica.

- O projeto ainda tem a preocupação de incluir pessoas com deficiência auditiva e o filme além de ter participação de alunos surdos é totalmente legendado.

- Seis turmas entre 1º, 2º e 3º ano, participaram do projeto.

FICHA TÉCNICA - "VALENTIM: TUDO NASCE DE UM SONHO"


Roteiro de Direção: Evaldo Pereira. Operadores de Câmera: Anselmo Loyola e Evaldo Pereira. Assistentes de Câmera: Ariel Ferreira e Éric Souza. Captação de Áudio: Humberto Fonseca. Assistente de Áudio: Thalita de Oliveira. Assistente de Direção: Anselmo Loyola.


Confira, na íntegra, o filme "Valentim: Tudo nasce de um sonho":


domingo, 1 de fevereiro de 2015

CHARLIE HEBDO. A SÁTIRA SATIRIZADA PELO IMPERIALISMO AMERICANO.



1. Se se considera a fórmula do rosto, tendo em vista a filosofia de Deleuze e Guattari, muro branco buracos de subjetividade, é possível assinalar dois momentos na história da civilização burguesa: 1) um primeiro em que a questão do rosto era simples, maniqueísta, porque funciona(va) afirmando o rosto europeu e inferiorizando os demais perfis humanos. Nessa primeira fase, que predominou até a metade do século passado, o muro branco da sociedade capitalista era pincelado por marcas subjetivas antinômicas, como branco e negro, centro e periferia, colonizador e colonizado, homem e mulher, heterossexual e homossexual, sempre positivando o primeiro termo, fundamentalmente europeu, em detrimento do segundo, basicamente não europeu; 2) na segunda fase da civilização burguesa, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, a estrutura maniqueísta dos rostos sociais se multiplicou como as mercadorias e, ainda como estas, entrou num processo de superprodução de traços subjetivos agitados pela ideologia liberal.

2. A primeira fase, de estrutura maniqueísta, constitui a base do imperialismo europeu. A segunda, por sua vez, é o modelo de realização do imperialismo americano. Em relação a esses dois imperialismos dominantes da civilização burguesa, um teórico instigante para analisá-los é Franz Fanon; e o é não porque tenha tematizado conscientemente essa questão mas porque constituiu um autor de transição do imperialismo europeu para o americano, principalmente se forem considerados comparativamente seus dois principais livros teóricos, Os condenados da Terra (1961) e Pele negra, máscaras brancas(1952).
3. Em Os condenados da Terra é possível evidenciar uma posição militante abertamente maniqueísta ao imperialismo europeu, identificado como um sistema de bens que apenas será superado se ocorrer uma descolonização completa, capaz de abarcar todos os âmbitos da vida. O rosto do europeu nessa obra de Fanon se espalha por todo o socius e se constitui como o centro sísmico de um aparelho social/colonial absolutamente implacável com os colonizados; e assim é tanto mais inflexivelmente avassalador quanto mais o ponto de vista a ser considerado for o do excluído coletivo, esse anônimo cuja existência é sem rosto, logo inexistente, logo naturalmente violável, necessariamente sacrificável, matável.
4. O rosto do imperialismo europeu é bem mais que o rosto em si, branco, do colonizador. Como a imagem estereotipada de Cristo, é antes a rostidade de uma religião: o sistema de bens institucionais da civilização burguesa, contra o qual não resta outra alternativa senão a resposta incontornável de uma violência oposta, impassível às ilusões do “não é bem assim”, ou de qualquer outra forma usual ou não de contemporizar o pior, a invasão colonizadora, geralmente camuflada pelo humanismo eurocêntrico, esse inesperado espetáculo que ora se traveste de conhecimento, ora de sublimes artes, de refinados comportamentos, de últimos modelos tecnológicos, ora em simpáticos sorrisos; humanismo que é na verdade um sistema de aparência cujo strip-tease é preciso afrontar para vê-lo tal como é: terrorismo inominável contra os povos do mundo.
5. Parte desse humanismo terrorista do imperialismo europeu, em Os condenados da terra, é a ilusão essencialista presente em segmentos diversos dos povos colonizados, quando, em face de um presente inabitável, tende a clamar por um retorno a um idílico passado pré-colonial. Não existe volta, diz com todas as letras Fanon. É por isso que a resposta do colonizado contra o sistema de aparência do colonizador deve ser uma só: violência revolucionária, compreendida como negação e afirmação; negação sem titubear ao sistema de bens do colonizador e também aos sísifos dilemas eternos do colonizado; afirmação sem autoilusão de um mundo sem colonizadores e sem colonizados, logo sem imperialismos.
6. Publicado nove anos antes, Pele negra, máscaras brancas (1952)se constitui como (sem desconsiderar seu brilho próprio) um singular suplemento ao livro Os condenados da terra, pois, mais que matizar a violência da rostidade dominante, analisa as psicopatologias inscritas na relação entre colonizado e colonizador; do branco e do negro, designando-as como metafísicas do branco e do negro, de colonizador e de colonizado; metafísicas que indiciam, no jogo de máscaras entre negros e brancos, colonizadores e colonizados, um período sempre infantil da História do homem, razão suficiente para concluir: é o homem que precisa se liberar de suas taras identitárias, de seus fundamentalismos étnicos, de suas neuroses derivadas de seus valores ancorados em sistemas de ideais de ego e reificação, independente se é branco ou se é negro, se é colonizador ou colonizado, se é pobre ou se é rico.
7. Ainda tendo em vista Pele negra, máscaras brancas, para Fanon, o homem precisaria se liberar de si mesmo, de sua humanidade, seu humanismo, suas máscaras herdeiras de relações de força, inclusive tendo em vista a relação homem/não homem, porque não somos nada se se considera que ser algo seja ser superior. O homem necessita liberar-se, emfim e em começo, de sua infância opressora e oprimida, de suas síndromes, de seus narcisismos, inventando-se revolucionariamente na e pela igualdade.
8. O que define Fanon como um autor de transição entre as artimanhas humanistas e maniqueístas do imperialismo europeu e as diluições ilusórias do imperialismo americano tem talvez relação o com o que Lacan dizia a respeito do inconsciente: isso pensa. É no plano do pensamento do inconsciente que o imperialismo americano pode ser analisado como uma inversão da teoria de Fanon, pois, se em Os condenados da Terra é possível ler uma consciente recusa ao pacote de bens do imperialismo europeu e se em Pele negra máscaras brancas a metafísica entre brancos e negros pressupõe que estes transvestem aqueles num contexto em que ambos se mascaram neuroticamente, aquilo que o imperialismo americano fez e faz é manter tudo como era antes, mas da seguinte forma: fazendo com que os condenados da Terra se tornem as máscaras negras e/ou colonizadas da pele branca e /ou colonizadora.
9. O imperialismo americano é mais europeu do que o europeu e o é expandindo-o. Abstrai o rosto branco tornando-o efígie do dólar e o ancora não apenas no petróleo mas em qualquer outro rosto. A ligação dólar/petróleo, eixo de seu domínio, não apenas o associa aos fundamentalismos islâmicos mas também às máscaras dos condenados da Terra, que são igualmente sua fonte primária ou seu petróleo betuminoso, razão pela qual pode ser analisada também como dólar/rostos não brancos ou simplesmente dólar/máscaras negras.
10. Sob o ponto de vista do domínio americano, a fórmula pele branca/máscaras negras equivale, nesse sentido, a dólar/rostos não europeus num contexto planetário, insistimos, em que tudo é máscara, inclusive as esquerdas, o imperialismo europeu, os valores ocidentais, os países, as línguas, os povos, as moedas, classe sociais, a liberdade de expressão. As máscaras são, portanto, o fundamento do imperialismo americano. É por isso que elas se tornam cada vez mais fundamentalistas e é igualmente por isso que elas são máscaras negras, expressão que usamos com sentido de máscaras de alteridades, razão suficiente para deduzir que estas, assim como o petróleo, são o verdadeiro ponto de apoio do dólar, seu padrão ouro, não sendo circunstancial que se espalham e se multiplicam, sem teto, assim como ocorre com o dólar, narcisicamente.
11. Se, para Fanon, a relação entre classe social é abstrata e universal embora se viva de forma concreta e a raça é imanente e singular, um paralelo talvez possa ser realizado com a equivalência entre pele branca, entendida como abstrata efígie no dólar, e petróleo, compreendido como imanente âncora para o dólar, formando o petrodólar. No contexto do imperialismo americano, o dólar substitui a classe social, ocupando a sua universalidade abstrata e assim como esta adquire, embora seja apenas uma moeda, uma realidade concreta. Por outro lado, os rostos, as alteridades, o petróleo, as máscaras negras, enfim, são vividas de forma imanente e singular, tendo o dólar como seu verdadeiro deus.
12. É nesse sentido, pois, que é possível falar em fundamentalismo como o traço que define o imperialismo americano, deixando claro que o fanatismo islâmico é apenas um sintoma de uma humanidade igualmente fanática: pela efígie do dólar! Assim, se o imperialismo americano se constitui como inversão do pensamento de Fanon (ou mesmo de Marx) é porque ele transformou a pele branca dólar em uma abstrata universalidade, substituindo as classes sociais, em contextos diversos em que estas também se tornam singulares e imanentes. Logo: pontos de apoio para o dólar – a pele branca do mundo.
13. EmPele negra, máscaras brancas, o axioma racista da pele negra é: quando me amam me dizem que é apesar de minha cor e quando me odeiam me dizem que não têm relação com minha cor. Tendo em vista o imperialismo americano, esse axioma racista contra a pele negra assume cada vez mais outra configuração, a saber: se me amam me dizem que é apesar de não ter dinheiro (dólar); se não me amam dirão que não é pelo fato de eu ser pobre, razão suficiente para concluir o óbvio: mais que nunca a potência de alteridade, a verdadeira pele negra do mundo, é pobre, os deserdados da Terra.
14. Tendo em vista o modelo de realização do imperialismo americano, com sua fórmula bombástica pele branca/dólar igual âncora cambial nas máscaras negras/petróleo do mundo contemporâneo, alguns imperativos categóricos da regra do jogo, sob o ponto de vista da liberdade de expressão, podem ser assim comunicados: agitem-se, alteridades da Terra, em nome do dólar! Expressem-se de forma fundamentalista, máscaras negras de todos os rincões! Sejam vocês mesmas, mulheres, gays, negros, muçulmanos, ocidentais, orientais!
15. O verdadeiro deus do mundo é a pele branca/dólar como efígie do capital planetário. Para alcançar a graça dele é preciso que as alteridades se expressem a partir de uma liberdade fundamentalista, baseada no corpo a corpo do ódio, da divisão, do preconceito, do racismo.
16. Se o dólar é o europeu tornado efígie e o petróleo são as alteridades metamorfoseadas em buchas de canhão, aquele, o dólar, é o humanismo ocidental; e estas, as alteridades, são o strip-tease encarnado do terror.
17. O imperialismo americano, portanto, funciona como o banco central do mundo. Sua verdadeira liberdade de expressão é a que diz respeito ao poder soberano de emitir dólar (pela branca) por conta própria, ilimitadamente. Para tanto, sabe que precisa agitar as máscaras negras do mundo, dividindo-as ilimitadamente.
18. A contradição de base desse inversamente proporcional sistema de equivalência se inscreve no dado óbvio de que as máscaras negras (petróleo) são recursos primários limitados. Para dar conta desse imbróglio, o imperialismo americano necessita um total domínio das tecnologias midiáticas, porque estas são o meio através do qual virtualmente é possível produzir ilimitadamente (leia-se editadamente) as máscaras negras (petróleo) fundamentalistas.
19. A liberdade de expressão falsamente universal da pele branca/dólar como substituto humanista da luta de classes é a sua ancoragem bombástica nas liberdades de expressão das peles negras/petróleo do mundo, como realização divisionista da luta de classes, ilimitadamente editável no espetáculo midiático a serviço do imperialismo americano, que torna tudo valor de troca igualmente ilimitado, satirizando os valores de uso.
20. Sob o ponto de vista do imperialismo americano, liberdade de expressão, nesse contexto, é isto: confusão, ódio entre oprimidos, divisão dos trabalhadores, como realização da universalidade abstrata, porém concreta, do dólar – valor de troca que transforma as peles negras, valores de uso, em máscaras negras, entendidas como valores de troca ou simplesmente escambos da pele branca (dólar).
21. O imperialismo americano, portanto, com sua fórmula pele branca (dólar)/ máscaras negras/petróleo alimenta o fundamentalismo expressivo das alteridades, com o objetivo de dividir os trabalhadores do contemporâneo, em escala planetária.
22. A liberdade de expressão, por isso mesmo, é a que nos divide, nos equivoca, nos faz odiar a gente mesmo, em nome do deus pele branca dólar.
23. A eficiência do imperialismo americano tem relação com o fato dele ter encontrado um modelo planetário para a luta de classes, ancorada na liberdade de expressão do ódio de trabalhador para trabalhador, do empregado para o desempregado, de rosto para rosto, ou, simplesmente, para dialogar com Fanon, de imanência singular das e nas pelas negras em detrimento da abstração universal da luta de classes.
24. Tudo é rosto e todos os rostos podem ser âncoras para o deus (pele branca) dólar, donde seja possível deduzir que tudo pode ser religião, fundamentalismo. Maio de 68, sob esse ponto de vista, por mais instigante que tenha sido, se tornou um rosto religioso a serviço do imperialismo americano, que edita e reedita a tudo, transformando a liberdade de expressão dos rostos das alteridades em energia de combustão de seu domínio planetário.
25. Pelo fato de o dólar deus (pele branca) ter substituído a luta de classes como universalidade da civilização burguesa, reeditando-a por meio da liberdade de expressão das máscaras negras dividindo-se atomicamente, maio de 68 se tornou também máscara negra, mais um ponto de ancoragem para o deus dólar (pele branca), não sendo circunstancial, sob esse ponto de vista, que seus herdeiros sejam os mais estilizados narcisos, geralmente cínicos, do contemporâneo. São, com raríssimas exceções, uns porra-loucas reacionários quanto mais se expressam livremente.
26. É aqui que uma metamorfose curiosa ocorreu com os rostos contemporâneos (claro, isso inclui os ainda vivos) de maio de 68. No geral, se apresentam como despojados, sexualmente liberados, mas quando o assunto é o mundo universal/concreto da opressão de classe, riem satiricamente. Dizem, debochando, que já não estamos no século 19, que não existem classes sociais, que o mundo é outro e, de forma maniqueísta, dizem que todo maniqueísta é burro. Além do mais, é comum se apresentarem orgulhosamente como laicos, mas logo se nota que adoram o deus dólar (pele branca). São uma caricatura deles mesmos, satíricos com quase tudo, menos com a presunção deles, menos com a multiplicidade ambulante deles, menos com o vinho caro – menos com o dólar (deus olímpico, pele branca). São enfim e em começo uns ultramodernos estilizados, reacionários.
27. Embora lamentamos a morte de todos os assassinados do jornal satírico francêsCharlie Hebdo, este tem mantido uma linha editorial herdeira da geração capturada de maio de 68, ao se expressarem livremente por meio de uma sátira preconceituosa por partir do ponto de vista do humanismo ocidental, desvinculando assim este do seu lado nu: o terrorismo.
28. Denunciar satiricamente o strip-tease dos fanatismos religiosos sem considerar sua relação com a vestimenta humanista do sistema de opressão ocidental é ser simplesmente uma arma de guerra dos imperialismos europeu e americano.
29. A sátira é um gênero diabolicamente divino, singular, mas quando debocha, carnavalizando de baixo para cima, as idealidades, os rituais e as mistificações ideológicas dos poderosos, principalmente tendo em vista o estilo de vida deles, na sua configuração histórica, laica, supostamente humanista.
30. A sátira se inscreve como o horizonte insubstituível da liberdade de expressão, dilatando-a criativamente, quando, avacalhando, retrata os poderes instituídos de uma dada época em flagrante posição de cócoras, como animais, como risíveis, como mortais.
31. A sátira é a liberdade de expressão, quando desmistifica as religiões, (no geral vividas como tradições históricas, como instituições respeitáveis) dos grandes poderes de sua época.
32. A sátira é o gênero dos gêneros quando carnavaliza as hierarquias, as táticas e estratégias dos plutocratas, pondo-as de quatro, fazendo-as latir, grunhir, escorregar nas suas contradições, peidar.
33. A sátira é magnífica quando inverte a ordem cínica do mundo, ao passar uma rasteira em tudo que é alto, divinizado, reverenciado, exclusivo, com muita gargalhada, escárnio, plasticidade, ousadia, petulância.
34. A sátira, enfim e em começo, abre janelas para o porvir quando, desmistificando-nos despudoradamente, não apenas demonstra que somos todos uns bichos humanos, mas também quando denuncia as desigualdades, pois só assim será a revolução do riso, desautorizando, no nosso presente, principalmente o Ocidente, com suas guerras infinitas, o Ocidente e suas multinacionais criminosas, o Ocidente e seus dólares peles brancas, o Ocidente e seus imperialismos genocidas travestidos de civilização, de poesia, de refinamento educacional, de saberes respeitáveis, de rigores.
35. A sátira é o horror dos rigores ideológicos dos vencedores de uma dada época, pois lhes joga na cara a pantomima de suas aberrações genocidas, metamorfoseadas em humanismos.
36. A sátira pode ser o gênero dos gêneros quando, no contemporâneo, torna-se o strip-tease daquilo que o imperialismo americano designa como direitos humanos pois demonstra, ou pode fazê-lo, que estes são a aberração trágica, terrorista, do direito à vida coletiva, o mais sagrado de todos, porque é a condição fundamental para qualquer outro; porque é o princípio dos princípios, nascido do chão de existir – esse lugar em que todo riso é satírico não por natureza, porque a sátira jamais será natural, mas porque histórico, humano, demasiadamente humano; porque é de onde brotamos igualmente, para rirmos com os mais simples e não deles.
37. É precisamente por isso que satirizar as religiões tradicionais, o islamismo, o cristianismo, o judaísmo, como fazia e faz o jornal francês Charlie Hebdo, é não apenas uma ingenuidade mas antes de tudo uma crença fundamentalista advinda da pior forma de religião possível, a saber: a que confunde a dimensão laica do chão de existir, que é a igualdade a que estamos desafiados a inventar, (por meio da luta de classes planetária) com a religião dos oligarcas e principalmente com a religião do imperialismo americano, com sua falsa universalidade (não) humanista dólar (pele branca); e o é por uma razão muito simples: o imperialismo americano trabalha todos os dias do ano com o objetivo de transformar a humanidade toda em refém do ódio religioso tradicional, inclusive nos transformando em religiosos subjetivos.
38. Nada mais conveniente, para o imperialismo americano, portanto, que a perspectiva editorial satírica praticada pelos cartunistas do jornal Charlie Hebdo. Ao achincalhar as religiões milenares, o faziam e o fazem como fieis colaboradores da mais fanática delas, no contemporâneo: a rostidade divinizada dólar (pele branca), abstração monetária ancorada no ódio religioso, usado como bomba de combustão alimentada pelas máscaras negras de todo o planeta, além de ser igualmente manipulada como peça geopolítica contra China e Rússia e também, o que muito é pior, como pretexto para invadir países, bombardeá-los, não sendo circunstancial os exemplos de Iraque, Afeganistão, Líbia, Palestina, Síria, Sudão, Somália, Iêmen; o mundo todo.
39. Se, vivos, os caricaturistas de Charlie Hebdo eram nada mais nada menos que os satíricos satirizados ou idiotas úteis da pele branca (dólar) abstração monetária do imperialismo americano, mortos se tornaram combustível para a inclusão/combustão de mais um grupo humano fanaticamente bombástico a seu serviço: os europeus, instigados à liberdade de expressão para se tornarem o Emirado Cristão Europeu.
40. Em nome de Cristo, do humanismo eurocêntrico, da religião laica ocidental, os tambores do ódio religioso agitam a Europa, especialmente o país da Revolução Francesa, preparando-se para futuras vetustas guerras contemporaneamente milenares.
41. Curiosamente, a religião mais fanática de todas, o sionismo, strip-tease do judaísmo, é também a mais, por paradoxal que pareça, laica. É ela que arregimenta seus mártires, a saber: o Emirado Islâmico, o Emirado Europeu, o Emirado Midiático, em nome da pele branca/dólar do imperialismo americano, sendo a sua religião milenar.
42. O império do caos, a pele branca (dólar) estadunidense, quer que todos sejamos fanaticamente (o que significa belicosamente) sua âncora petrolífera explosiva, dividindo-nos para nos tornar senhores da liberdade de expressão do ódio a nós mesmos. Com isso, satiriza-nos, pondo-nos de quatro.
43. Para romper essa aliança suicidária, entre a pele branca (dólar) abstração universal com sua equivalência carnal nas máscaras negras (petróleo), agora com a inclusão do Emirado Cristão Europeu, Fanon ofereceu-nos a resposta: revolução criativa, apta a liberar o homem de seus infantilismos, se e quando estiver lastreada em outro sistema de equivalência, a saber: da abstração (sempre vivida como concreta) universal da luta de classes ancorada nos povos do mundo, singulares e imanentes, tendo em vista um combate sem tréguas ao imperialismo europeu, ao americano e/ou a qualquer outro.
44. O sistema de equivalência revolucionário, para o contemporâneo, é este: abstração universal da luta de classes, vivida como valor de uso no cotidiano dos povos, o que só será possível se aprendermos a satirizar a sátira que o sistema midiático corporativo realiza sem cessar da humanidade inteira, editando e reeditando-nos ilimitadamente como reificados e reificantes; como subjetividades isoladas, divididas, presunçosas, infantis.
45. A luta de classes, portanto, mais do que nunca necessita se inscrever no interior do sistema midiático, sem ilusões com as novas tecnologias, no geral vividas como suportes virtuais da liberdade de expressão da e pelo dólar (pele branca); suportes que têm como strip-tease os valores de uso transformados Emirado Islâmico, al-Qaida, talibãs, o Emirado Cristão Europeu, alteridades narcísicas, isoladas.
46. Para manter o sistema de abstração ilimitado do dólar (pele branca), o imperialismo americano ao fim e ao cabo satiriza os valores de uso e o faz agitando-os fanaticamente, explosivamente.
47. Ou nos editamos planetariamente, afirmando o porvir, como valores de uso, contra toda abstração monetária e seus valores de troca entre máscaras negras isoladamente/satiricamente editáveis; ou devoraremos, como parasitas, o futuro, neste presente em combustão objetivamente subjetiva.
(Texto de Luís Eustáquio Soares)

***

Luis Eustáquio Soares é poeta, escritor, ensaísta e professor de Teoria da Literatura no Departamento de Línguas e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo.

sábado, 31 de janeiro de 2015

CRÔNICA DE SÁBADO: QUANDO O PASSADO TE CONDENA.


“Em 1925, surgiu um novo e sério problema: São Paulo passou por uma seca severa.”
Roniwalter Jatobá em “O Jovem Monteiro Lobato”

Não é a primeira vez que uma seca assola a terra da garoa e, Aqui no Deserto constatamos, o mesmo agora preocupa o Espírito Santo. Não entendo bulufas do assunto, mas fico me perguntando o que ocasionou aquela tragédia datando de quase um século. Porque na grave estiagem atual já colocaram a culpa num bocado de coisas: na falta de consciência ambiental dos “homens humanos”, nos desmatamentos e queimadas, na poluição insana das fábricas e dos automóveis e, especialmente, na incompetência dos tucanos e também no governo da Dilma.

A tragédia de 1925 foi muito séria e, como agora, também ocasionou interrupções no fornecimento de energia elétrica. Monteiro Lobato, que era um tremendo visionário, pioneiro do setor livreiro no Brasil, quebrou de verde e amarelo:

“Aí, por causa da falta de água, a Light foi obrigada a racionar energia, já que as geradoras da empresa eram hidrelétricas. Consequência: as máquinas da editora não puderam funcionar. – Eu podia prever tudo no negócio, menos uma seca do Ceará em São Paulo – lembraria Lobato. - Se durasse um mês, tudo estaria salvo. Mas durou um ano. Verdadeira calamidade. E a editora, que estava endividada, afundou de vez. A solução não poderia ser outra: pedi autofalência.”

Esse triste episódio vivido pelo pai da literatura infantil brasileira dá um medo danado de que os problemas causados por mais de um mês sem chuvas na Grande Vitória estarem apenas começando.

Antes de prosseguir vale lembrar aquela advertência atribuída a Che Guevara “um povo que não conhece a sua história está fadado a repeti-la”, porque alertas relativos à dita “questão hídrica” vem rolando desde há muito. Em 1972 na primeira edição da revista “Espírito Santo Agora”, o mais célebre defensor do meio ambiente no Espírito Santo, Augusto Ruschi, deu uma entrevista famosa na qual fez denúncias contra os desmatamentos praticados pela então Aracruz Florestal, a poluição do rio Formate pela Braspérola e o - até hoje insolúvel - problema do pó de minério.

Aquelas pioneiras ponderações ambientais foram rechaçadas veementemente pelo articulista Gutman Uchoa de Mendonça, numa longa carta publicada na edição seguinte do periódico. Colocando-se simplesmente na posição de assessor, provavelmente de alguma das empresas mencionadas ou do Governo, Uchoa achou por bem dar ao futuro patrono da ecologia no Brasil uma lição de biologia:

“Muitos brasileiros estão se impressionando muito com a questão relativa à poluição e passaram a ver em tudo agente contaminador até o pó de minério que levanta do carregamento dos navios e é levado pelo vento às residências. (...) Nunca, em parte alguma do mundo o pó de minério foi agente poluidor como não o são também os dejectos (sic) humanos lançados à maré de forma ordenada. (...) A entrevista do sr. Augusto Ruschi  é de um primarismo lamentável e demonstra perfeitamente o quanto distante ele anda de um problema que para se ter conhecimento não é preciso ser sábio ou coisa parecida mas simplesmente observador, ler e aprender e ter uma noção do desenvolvimento biológico que habita a natureza e que a torna num dos mais extraordinários espetáculos.”  

Pior foi o debate para governador em 1994, no qual a possibilidade de escassez das reservas hídricas era especificamente motivo de preocupação, mas também de discussões pitorescas. De um lado o médico Vitor Buaiz, homem de postura comedida e educada, do outro o candidato ultra-direita-popular Cabo Camata, um notório e assumido ignorante nas acepções que o termo permite.

Antecipando o estilo de apresentadores esporrentos como Ratinho – que apareceu pra fama no SBT em 1998 empunhando um porrete – Cabo Camata tinha como objeto fálico uma infame “vara de gurubumba”. O pesquisador Ueber José de Oliveira tem um texto interessante sobre esse pleito - publicado no volume 11 da revista Ágora de 2010 - no qual cita Perly Cipriano para fornecer uma dimensão do fenômeno:

“Cabo Camata se lança candidato a governador (...) sem programa nenhum, apenas dizendo que ia usar a gurugumba para combater os bandidos e os corruptos e um tempo de televisão muito pequeno, mas ele bateu naquela mesma tecla da gurugumba, um discurso seco, direto e teve a Polícia Militar como um grande cabo eleitoral”.    

Nessa brincadeira o candidato menos provável foi para o segundo turno, desbancando pesos pesados da política como o ex-governador Max Mauro e a atual senadora Rose de Freitas. Só para dar uma ideia do nível do debate, Vitor Buaiz perguntou o que o adversário pretendia fazer com relação à questão hídrica. Reagindo como quem “tá preparado”, o candidato respondeu: “Você acha que eu não sei o que é esse negócio não? É água!” E lá pelas tantas alertou os eleitores para uma questão social nada importante: “Vocês sabiam que esse homem num come carne?! Se vocês chamarem ele pra um churrasco na sua casa ele num vai comer não!”  

Ainda bem que a gurugumba perdeu, mas foi por pouco. Já o que aconteceu no governo de Vitor Buaiz... Bom, aí é outra historia. 

P.S. Dejair "Cabo" Camata faleceu no dia 26 de março de 2000 com apenas 43 anos.


Juca Magalhães é músico, escritor e ex-integrante do grupo “Pó de Anjo”.  É um dos mais requisitados mestre de cerimônias do Estado, com atuação em eventos públicos e privados. Autor do blog a “Letra Elektrônica” e textos publicados no Caderno Pensar, do Jornal A Gazeta. É autor dos livros “O Livro do Pó” e “Da Capo - De Volta às Origens da Orquestra Filarmônica do Espírito Santo”. Magalhães também trabalha na divulgação e desenvolvimento de projetos voltados para educação e performance de música, sobretudo canto coral, clássica e popular.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A FIGURA DO ABISMO



O cenário: nossa sociedade, em que os sujeitos se encontram profundamente agenciados e o índice do que tenha ou não qualidade na manifestação artística deixa de ser os aspectos artísticos e filosóficos e se transfere para o seu potencial de entretenimento, e portanto a capacidade da obra reduzir-se a mero objeto mercantil consumível por um lucrativo número de pessoas

em que a “arte culinária” (termo cunhado por Theodor Adorno ao se referir a essa falta de profundidade) domina a percepção e se faz positivamente valorada; na qual, em se tratando do texto ficcional em prosa, logra ser julgado “bom” pela avaliação mediana apenas o enredo cujos códigos de interpretação se fundam na realidade concreta para crismá-la no imaginário. O evento: o recente lançamento pela Secult de O sismo particular, livro de contos de Herbert Farias. O terceiro do autor, desde 2009.     

Os 37 contos da obra se inscrevem no insólito, discurso ficcional a respeito de que não se pode afirmar exatamente recuse a realidade concreta, mesmo porque é preciso a contraposição para, mediante o contrataste, instaurar-se o insólito. Sua estratégia é inviabilizar a leitura realística e estruturada na verossimilhança externa, ou seja, o discurso insólito nega o real enquanto modelo que posa para a edificação do texto, esse real fetichizado como uma pin-up. Ao fazer isso, o insólito subverte a lógica racionalista, forçando uma leitura noutras bases.

Herbert não facilita a vida daquele leitor acostumado a uma semântica sem abalos sísmicos, a tramas comportadas. Sob esse aspecto, sua prosa dialoga com a de outros autores capixabas, como Bernadette Lyra (mormente em seus primeiros trabalhos) e Miguel Marvilla (1959-2009), salientando que boa parte da produção contística deste era francamente um exercício poético, ao passo que em Herbert o estranhamento ocorre muito mais pela trama, o que não impede a presença da prosa poética eventual, como em “Nos fones de ouvido do carcereiro, impessoas antilúdicas explodiam crianças e velhos em volume miserável” (No cativeiro), embora estejam nos fenômenos e situações as marcas mais relevantes do insólito em O sismo particular. No primeiro caso temos, por exemplo, A nuvem, em que uma substância química fabricada em laboratório, e pairando sobre uma cidade devido a um acidente, induz os moradores a assassinarem seus desafetos; no segundo quesito, em Memorial do triunfo temos “A caixa que guarda meus charutos épicos são as costelas cristalizadas de um menino de oito anos, cujo pai recusou-se ao pagamento de impostos”.

Em O sismo particular, o percurso textual entre superfície e profundidade é a figura do abismo, uma das constantes do livro. Com relativa economia vocabular, a queda é um dos instrumentos que conduz tramas e personagens a um universo nada simples, bem abstrato e não reificado, mas, apesar disso, profundamente correlato ao real em função das vias simbólicas abertas. Assim, quando Teroxyca, Epílogo incansável e Damião falam de queda, esse abismo fabulado no insólito nos dá de certa maneira a sensação de concretude não apenas porque a vida contemporânea é abissal: é como se, ao estilhaçar o verossímil, dos destroços fosse mostrar-se uma verdade imamente que, perpetrada na ficção, dialogasse com o real por fazer parte de um universo maior, uma grande estrutura de sentimento.  

(Texto de Eduardo Selga publicado em “C2 + Pensar”, do jornal A Gazeta, em 17 de janeiro de 2015)


Eduargo Selga é professor de Língua Portuguesa e mestrando em Literatura pela UFES.

terça-feira, 19 de agosto de 2014

LACAN, O 'JN' E A MORTE DE EDUARDO CAMPOS.


O que é a repetição? Na psicanálise lacaniana é o que insiste na borda do vazio. Algo que pode ser tanto o semblante do mundo, tal como nele nos instalamos; tanto pode ser o saltar-se pra terceira margem do rio, instaurando a possibilidade de um discurso que não fosse semblante.
São quatro os discursos do mundo, ainda em diálogo com Lacan: 1) o discurso do mestre ou do senhor; 2) o discurso do universitário ou do saber ou do escravo; 3) o discurso da histérica; 4) e o do analista. Nenhum discurso está fora do semblante pela evidente razão de que seja o próprio semblante, o do mestre ou do senhor, o do escravo ou do saber, o da histérica e o do analista.
Semblantes, todos o somos.
O primeiro discurso, o do mestre ou do senhor, constitui o lugar do mais-de-gozar. Este, em termos de capitalismo, é a instância transcendental da mais-valia entendida como o mais-de-gozar do burguês ou de Deus ou das oligarquias. O segundo, por sua vez, o do escravo ou do saber, constitui-se como o semblante do gozo do mais-de-gozar do mestre ou do senhor. Se este funciona como semblante abstrato e transcendental no seu mais-de-gozar, aquele é sua encarnação gozada, gozando, gozante. O escravo e/ou o saber goza o mais-de-gozar do mestre ou do senhor, como se fosse, e é, o semblante encarnado de poderes ocultos e ausentes, que se fazem presentes através dele, do oprimido.
É por isso que tanto no campo das esquerdas, que supostamente se colocariam como representantes do discurso dos oprimidos; quanto no campo da universidade, instituição que fala em nome do saber, não existem, neles mesmos, linhas de fuga para a produção de um mundo realmente justo e livre, pois são o semblante em gozo do mais-de-gozar do mestre ou do senhor. Sem o oprimido ou o saber, o mais-de-gozar do burguês ou das oligarquias se constituiria como um sólido semblante do nada, desmanchando-se no ar.
Gozo do opressor
É aqui que entra o discurso da histérica, que tem a vantagem de pôr em crise o gozo do escravo ou do saber, pois a histérica é a que cobra diretamente do senhor e do mestre o gozo e o mais-de-gozar. O que a histérica quer é que o senhor e o mestre gozem e ao mesmo tempo mais-gozem. É por isso que seu discurso é um semblante, como todo discurso, mas também uma repetição de algo que está ou pode estar na borda de um discurso que não fosse semblante, porque o senhor e o mestre não podem gozar e mais-de-gozar ao mesmo tempo.
A histérica exige que o mestre ou senhor o seja de fato, para além do semblante. Ela é a borda do vazio. Um triz para a produção de um discurso que não fosse semblante, mas também, se capturada pelo saber ou pelo senhor (o que é o mais comum, tragicamente), constitui, em seu sofrimento, o próprio curto-circuito de um mais-de-gozar que é um gozar; o corpo do escravo e do saber como caricatura de oligarquias ou de Deus ou, ainda e ao mesmo tempo, o discurso do mestre e do senhor caricaturalmente encarnando o discurso do escravo e do saber.
Apenas, pois, produzindo um furo no saber e uma perspectiva de desopressão, em relação ao gozo do escravo que a histérica poderia produzir um discurso que não fosse semblante. Este é a possibilidade, a única, de produção de outro mundo. O discurso do analista, por isso mesmo, deve exercitar-se pra produzir-se como o histérico, mas sem o gozo do saber e do escravo e, é claro, sem o mais-de-gozar do mestre e do senhor. O discurso do analista, pois, é impossível – o lugar do não semblante. Uma histérica que não fosse semblante. Logo, que não fosse nem o gozo do escravo e do saber, nem muito menos o mais-de-gozar do senhor e do mestre e, portanto, uma histérica que não fosse histérica.
Essa digressão necessária tem como objetivo o seguinte axioma: o oprimido é o semblante em gozo do mais-de-gozar do opressor. Não é, pois, por si mesmo, o lugar da emancipação, da justiça. Por outro lado, porque é também histérico (todo oprimido é histérico), traz em si a possibilidade de produzir um discurso que não fosse semblante.
Época fundamentalista
Isso significa dizer que o oprimido tanto pode encarnar o mais-de-gozar do senhor, gozando seu despotismo de forma caricatural, genocida, como pode lançar-se no vazio, o futuro, e produzir um discurso que não fosse semblante, isto é, que não fosse nem o discurso do mestre e do senhor, nem o discurso do escravo e do saber, nem o discurso da histérica – mas um mundo de infinita igualdade, ao qual, não existe designação melhor, com Marx, damos o singelo nome de comunismo, esse advir, se futuro tivermos, de um discurso que não fosse semblante – isto é, que não fossem hierarquias, opressões, oprimidos, no qual e através do qual seríamos todos um sim à experimentação ininterrupta, e coletiva, sempre, do discurso do analista – na borda do impossível: a igualdade sem fim.
E qual o cenário contemporâneo? Como se dá o jogo entre o discurso do mestre ou do senhor e o discurso do escravo e do saber, na atualidade? Vivemos mesmo numa época curiosa. Difícil de analisar. Pela seguinte razão: hoje o oprimido faz o inverso da histérica. Ao invés de delegar pro senhor e pro mestre o gozar de seu mais-de-gozar, como faz a histérica, o que seria o mesmo que exigir que o mestre ou o senhor trabalhe, sem parasitismo, pra produzir mais-valia, sem explorar a ninguém, o oprimido, hoje, no geral deseja fazer o inverso, a saber: quer ser o próprio mais-de-gozar do senhor e do mestre. Com isso, o que efetivamente realiza é o semblante de seu gozo caricatural, diria trágico, pois mata e se mata para e em nome do mais-de-gozar do mestre e do senhor.
E quem são os mestres e os senhores do contemporâneo? São, é preciso designá-los sem pestanejar, a oligarquia americana, europeia e sionista, essa trindade que ocupa o polo da transcendência do mais-de-gozar do mestre e do senhor e que põe todo o planeta gozando o semblante de sua mais-valia, matando e se matando em seu nome. Essa é a realidade e a realidade nada mais é que o discurso do senhor e do escravo funcionando, em harmonia, se assim pode ser dito.
Mas como o oprimido pode querer o discurso do mestre e do senhor, se é oprimido? Como pode mais-de-gozar, se seu lugar no semblante é o do gozo? Claro que isso não é possível, razão pela qual só se realiza no plano religioso. É por isso que seja possível dizer que vivemos numa época extremamente religiosa, fundamentalista, pois o nosso é um tempo em que o oprimido quer ser Deus e, querendo, mata e se mata em nome de Deus, vale dizer, em nome do discurso do mestre ou do senhor.
Segundo turno
O gozo do oprimido na atualidade é fundamentalista e está pronto pra tudo: pra matar e pra morrer. Claro que essa situação não ocorre apenas entre os fieis islâmicos. Esse é um fenômeno planetário. Orquestrado para ser o que tem sido.
E a partir daqui, chega-se ao caso da morte de Eduardo Campos, no Brasil.
Dois argumentos são possíveis e convergentes (claro, e uma infinidade de outros) para analisar esse trágico acidente que o vitimou, assim como mais seis pessoas, tão importantes quanto ele e quanto nós – porque eram vivos como continuamos a ser. O primeiro argumento tem relação com a furada em que se meteu Eduardo Campos e nos metemos todos nós quando nos colocamos na posição de gozar o mais-de-gozar do senhor, sobretudo o senhor imperialismo americano-europeu-sionista. Gozar, como semblante desse lugar, é, hoje mais do que nunca, pedir pra matar e pra morrer.
Não existem alternativas, sob esse ponto de vista. É matar e/ou morrer a fim de nos suicidar-nos em nome do imperialismo americano-europeu-sionista. Esse semblante do senhor da civilização burguesa quer que sejamos kamikazes, como escravos, do gozo de seu mais-de-gozar, ao matar-nos e matar para combater um mundo multipolar. Quer, portanto, que nos matemos para combater antes de tudo a China e a Rússia, com a promessa de um lugar garantido ao lado direito de Deus, no paraíso do mais-de-gozar do mestre da eternidade.
Nas três últimas eleições presidenciais, sem a interferência do Partido da Imprensa Golpista (PIG), o PT – duas vezes com Lula e da última vez com Dilma Rousseff – teria muito provavelmente ganhado as eleições no primeiro turno. Não terá sido, pois, circunstancial, que Heloísa Helena, candidata a presidência, há oito anos, pelo PSOL, tenha sido midiatizada e, portanto, usada com o objetivo de contribuir, gozando o semblante do discurso do senhor, para a emergência de um segundo turno, quando concorreu com Lula da Silva. Também não foi mero acaso que, há quatro anos, Marina da Silva, então candidata pelo Partido Verde, por igual motivo tenha sido aureolada pelo semblante espetacular das mídias corporativas para servir aos propósitos de um segundo turno. Eduardo Campos foi a bola da vez, razão pela qual foi devidamente midiatizado, tal como Heloísa Helena e Marina da Silva, para gozar o semblante de um desejado segundo turno golpista, num cenário de adversidade eleitoral para a oligarquia senhorial brasileira.
O semblante dos semblantes
Como não estava cumprindo o lugar de semblante designado para ele pelo discurso do senhor do imperialismo americano-europeu-sionista, de alguma forma, Eduardo Campos devia sucumbir. Tornar-se uma carta fora do baralho. Tragicamente, isso aconteceu através de um acidente de avião. Mais um trágico “acidente” de avião, esse é o terceiro, que ocorre no Brasil durante a campanha eleitoral para presidente, desde a era Lula. Mera coincidência!?
E, eis, finalmente, o segundo argumento, ainda que hipoteticamente. Existe, sim, a possibilidade de tudo ter sido arranjado, planejado. Existe, pois, a possibilidade de Eduardo Campos e as seis pessoas que o acompanhavam terem sido assassinadas para que Marina da Silva viesse a ser (e já foi) colocada em seu lugar, como semblante em gozo a serviço de um segundo turno e, no limite, a serviço, como presidente eleita (esconjuro!) do e para imperialismo americano-europeu-sionista.
Essa possibilidade, a de que Eduardo Campos e seus seis assessores tenham sido assassinados, deve ser, sim, considerada. E ela é tanto mais factível quanto mais ficamos sabendo que não há registro de voz na caixa-preta encontrada nos destroços do avião e, pasmem, que o áudio obtido, conforme o comunicado oficial da Força Aérea Brasileira (FAB), não corresponde ao do voo em questão.
Mera coincidência? Talvez, assim como não menos “talvez” seja uma inocente coincidência que a diligente polícia investigativa brasileira, ciosa de sua funcionalidade sistêmica, tenha contratado “especialistas americanos” para “ajudar” nas investigações, como se pudessem ser neutros; como se não fossem a priori o semblante da carniçaria que se espalha pelo mundo, com seus discursos de saber que nada mais são que o gozo especializado do mais-de-gozar da rapina do imperialismo americano-europeu-sionista, que extorque, genocida todo o planeta, em nome de seu divino direito de ser o semblante dos semblantes, de forma absolutamente unipolar.
O Judas de Eduardo Campos
Tudo, como roteiro de uma crônica previamente anunciada, parece coincidir, convergir, confabular a favor da impunidade, da, enfim, versão que deve prevalecer, ratificar-se: foi mesmo um trágico acidente de avião que matou o candidato a presidente pelo PSB, Eduardo Campos – e mais seis pessoas que faziam parte de sua equipe de campanha! Nada mais.
Coincidências e “inocências” assim só são possíveis no plano do semblante do escravo gozando o discurso do senhor, pois, nesse lugar, o gozo do que fazemos, escolhemos, investigamos, enfim, o gozo de nossas diligências, nossos esforços, é, no geral, transformado em mais-valia pelo senhor, que mais-nos-goza: Tio Sam, que invadiu o mundo inteiro, mais-gozando a partir de nossos subservientes gozos colonizados.
De qualquer forma, se a versão que ora apresento for possível, se o que houve foi um assassinato planejado com o objetivo de transformar Marina da Silva em candidata a presidente do Brasil, num conveniente cenário de manipulação catártico/midiática da morte de Eduardo Campos, a data escolhida para o trágico dia de sua morte (assim como a de seus seis assessores), a manhã seguinte da noite que precedeu a sua entrevista ao Jornal Nacional da TV Globo, dia 13 de agosto, terá sido apenas mais uma coincidência? Será igualmente coincidência que o dia 13 de agosto seja o dia da morte do avô de Eduardo Campos, o conhecido político de viés progressista, Miguel Arraes, a quem Eduardo Campos traiu pelo simples motivo de ter aceitado compor o cenário de uma farsa a serviço do Tio Sam? Alguém da TV Globo saberia de antemão da trama meticulosamente (ou seria melhor dizer, desesperadamente) planejada para dar cabo da vida de Eduardo Campos?
Independente disso tudo, efetivamente o Jornal Nacional se tornou o Judas de Eduardo Campos, imagem que uso sem querer minimamente comparar o ex-governador de Pernambuco a Jesus Cristo, o que ele não era e nunca foi, não obstante a tragédia que foi a sua morte e de mais seis pessoas, como o é a morte de qualquer ser vivo deste planeta.
Um discurso sem mortificação global
Jornal Nacional, independente de qualquer trama, havida e não havida, insisto, é mesmo um felizardo, se o compararmos aos outros canais e jornais da televisão brasileira. Afinal, coube a seus atores, quero dizer, performáticos funcionários travestidos de jornalistas, William Bonner e Patrícia Poeta, transformar – ou tentar – em catarse nacional a morte de Eduardo Campos, divulgando (mera coincidência?) as últimas imagens dele vivo, inclusive a de um café que precedeu a entrevista, onde apareceu rindo com os entrevistadores, festivamente.
Se comecei este texto falando em repetição, sob o ponto de vista da psicanálise de Lacan, foi para fechá-lo alegando que o gozo do escravo, como semblante, constitui a festiva antessala de sua morte sacrificada em nome do soberano. Infelizmente esse foi o destino trágico de Eduardo Campo, tanto mais trágico quanto mais editável pelo urubu imperialista global.
Esperemos e lutemos, por outro lado, para que, em nome do que havia de singular em Eduardo Campos, afinal somos muitos; em nome de um discurso que não fosse semblante dele e nele, quando vivo, em nome enfim dos vivos, que o Jornal Nacionaljamais seja eleito o novo presidente do Brasil. Que o semblante da TV Globo não seja jamais o nosso lugar de gozo e que em relação a ele possamos contribuir para produzir um discurso que não fosse semblante – o da vida, sem mistificação e, portanto, sem mortificação global.
O resto é teoria da conspiração, que não ousa dizer seu nome.
(Texto de Luís Eustáquio Soares)
                                                       

Luis Eustáquio Soares é poeta, escritor, ensaísta e professor de Teoria da Literatura na Universidade Federal do Espírito Santo.

quarta-feira, 12 de março de 2014

MÚSICA. LÉO NUNES LANÇA SEU 1º DISCO SOLO. CONFIRA!


Após os anos de vivência entre o blues e o velho rock, mas sempre esbarrando em diversos estilos da música brasileira, o violonista Léo Nunes lança seu primeiro disco solo - e o lança num show no Teatro do SESI no dia 27 de março

Da sua maneira de transcodificar as técnicas do violão clássico na batida do samba, nasceu “Sambate corda”, faixa que dá nome ao seu trabalho. Outras composições como “Seguindo o vento” e “Ascensão” se misturam à releituras instrumentais como “Rosa” de Pixinguinha e o ícone “Chega de Saudade” de Tom Jobim e Vinícius de Moraes resultando num repertório eclético e ao mesmo tempo unificado pela linguagem de seu violão. 

Com a participação do mestre de percussão Eric Carvalho nas gravações, o álbum “SAMBATE CORDA” revela o artista num momento de identidade entre o seu estilo de compor e grandes pérolas da música brasileira.

SERVIÇO

Dia: 27 de março de 2014, às 20h.
Local: Teatro do SESI - Jardim da Penha, Vitória (ES).

Abaixo, confira Léo Nunes tocando 3 canções! 


) ) )