domingo, 24 de fevereiro de 2013

A PAIXÃO SEGUNDO GEORGE HARRISON


Amanhã, dia 25/02, o cantor, compositor e guitarrista dos Beatles, George Harrison, faria 70 anos. O beatle “mais tranqüilo” e que detestava a fama nasceu em Liverpool, Inglaterra, no dia 25 de fevereiro de 1943, deixou saudades e um repertório riquíssimo que influencia e emociona milhões de seres humanos ao redor do mundo. Harrison era, ao mesmo tempo, transcendental, místico, rebelde, tímido, amoroso e dono de um humor muito peculiar. Este artigo versará sobre a vida e a importância do guitarrista que nos fez conhecer o Oriente e que, mesmo sendo um “rockstar”, manteve a serenidade, lucidez e altivez até seus últimos dias.

Um guitarrista discreto que tocava a serviço do grupo. Assim era George Harrison. Ao contrário de seus contemporâneos ingleses – Jimmy Page, Eric Clapton e Jeff Beck – não gostava de se exibir, não fazia cara feia nem grandes solos. Harrison era preocupado com a melodia. Com a harmonia de sons, com sons harmônicos. Harmonia com as músicas que a dupla genial Lennon – McCartney produzia. Seus sons harmônicos nos marcaram. Frases redondas, delicadas, lógicas. Parecem simples, mas não são. Sua guitarra chorava suavemente. Harrison ocupa a 21ª posição da lista "Os 100 Maiores Guitarristas de Todos os Tempos", da revista “Rolling Stone”, mas em outras eleições já figurou entre os dez melhores.
Ao conhecer e se encantar pelo trabalho do músico indiano Ravi Shankar, Harrison trouxe um pouco do encantamento oriental para os Beatles. Na música “Norwegian Wood”, do álbum “Rubber Soul” (1965), George introduziu a cítara, dando um toque todo especial à canção. Foi a primeira vez quem um músico do ocidente usou a cítara.

Something

Frank Sinatra, um dos maiores cantores do século XX, gostava particularmente de uma música dos Beatles: “Something”. Ele acreditava que essa era umas das mais belas canções de amor já compostas. Gostava tanto, aliás, que chegou a cantá-la inúmeras vezes e pensou, por um bom tempo, que ela havia sido composta pela dupla dinâmica Lennon – McCartney. “Something” foi composta por George, o mais espiritual entre os Beatles. Talvez por esse motivo, Sinatra possa ser perdoado em seu erro grotesco. “Something” é, depois de "Yesterday" (também dos Beatles), a música mais gravada de todos os tempos. Elvis Presley, James Brown e muitos outros grandes artistas já a gravaram. Muitos a consideram a melhor composição de Harrison.
“Something”, ao lado de “Here comes the Sun”, se encontra no disco dos Beatles, “Abbey Road” (1969). São as melhores músicas do álbum mais vendido dos Beatles. George Harrison também compôs outros temas clássicos dos Beatles, tais como “While my guitar gentle weeps” (a qual ele convidou seu amigo Eric Clapton para fazer a guitarra solo), “I need you”, “Piggies”, “Taxman”, “For you blue”, entre outros.
Ao longo da carreira dos Beatles, Harrison sempre quis gravar seu material. Entretanto, era impossível sobrepujar o cerco formado por John Lennon e Paul McCartney. Assim, George conseguia duas ou três músicas nos álbuns. O guitarrista seria o compositor principal em qualquer banda do mundo. No entanto, para sua sorte (ou azar), tinha ao seu lado, simplesmente, os dois maiores compositores do século XX.
O resultado de anos e mais anos de recusa foi reunido em “All things must pass” (1970), logo após o final dos Beatles. O álbum triplo, um dos melhores álbuns do ex-beatle, reúne as canções recusadas pela banda de maior sucesso do século passado. O álbum possui grandes hits, tais como “My sweet lord”, “What is life”, “All things must pass”, entre outros. O single “My sweet Lord”, um mantra de melodia irresistível, foi alçado ao Olimpo do pop, atingindo o primeiro lugar nas paradas de vários países do mundo, incluindo os EUA. Apesar de não gravar um disco por ano e não ligar para fama, George teve uma carreira solo muita bem sucedida. Lançou mais um disco de enorme sucesso, “Living in the Material World” (1973), com outro número um nas paradas, “Give Me Love (Give Me Peace on Earth)”, e a partir daí, sua carreira teve várias atividades: aprimorou-se na jardinagem zen que praticava, passou a freqüentar corridas de Fórmula um e tornou-se produtor cinematográfico, envolvendo-se com o pessoal do Monty Python, grupo humorístico inglês, para quem produziu “A Vida de Brian” (1979).
Seus outros hits em carreira solo são:  “Crackerbox Palace”, “Poor Little Girl”, “Blow Away”, “That's The Way It Goes”, “Cockamamie Business”, “Dark Horse”, “Wake Up My Love”, “You”, “Life Itself”, “Cheer Down”, “What Is Life”, “Got My Mind Set On You”, “Cloud 9”, “Here Comes The Moon”, “Gone Troppo” e “Love Comes To Everyone”.
Nos fins dos anos 80, George formou, por pouco tempo, outra banda, os Traveling Wilburys, junto com alguns músicos famosos: Bob Dylan, Roy Orbison, Tom Petty e Jeff Lynne.

“Vivendo no mundo material”

Lançado em 2011, “George Harrison: Living in the Material World", documentário dirigido por Martin Scorsese, tem entrevistas com muitos músicos, além de filmagens e fotos caseiras fornecidas pelo arquivo particular da família de Harrison. O filme mostra a carreira do guitarrista nos Beatles, sua bem-sucedida empreitada solo e também sua passagem pelo cinema. A espiritualidade oriental, elemento chave tanto em suas composições como em seu cotidiano, também é central no filme, que é conduzido por narrações do guitarrista. A obra traz o rigor jornalístico de Martin Scorsese para desvendar o personagem, guitarrista, membro da maior banda de rock do mundo.
Harrison, assim como Ringo Starr, nunca desfrutou da idolatria gerada por Paul McCartney e John Lennon. Ao reconstituir seus passos, o cineasta renova o fascínio por alguém que ignorou a posteridade. "Não me importo se eu não for lembrado", disse certa vez, conforme relatou Olivia Harrison ao New York Times. Ela foi casada com o britânico entre 1978 e 2001, ano da morte dele. Olivia, também produtora do filme, foi quem procurou Scorsese para assumir a empreitada. O principal argumento para sensibilizá-lo foi uma afetuosa carta escrita por George para a mãe dele quando tinha um pouco mais de 20 anos. "Ele expressava a ideia de que sabia que a vida não se limitava à riqueza e à fama".
 “Living in the Material World” tem depoimentos dos amigos do guitarrista, incluindo Eric Clapton, Terry Gilliam, Eric Idle, George Martin, Paul McCartney, Yoko Ono, Tom Petty, Phil Spector, Ringo Starr e Jackie Stewart.

My sweet lord

Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do afeto de alguém. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeças e agora consegue ver a imagem completa.
No romance “A Paixão Segundo G.H.”, de Clarice Lispector, ocorre na personagem G.H. o fenômeno epifânico quando ela come uma barata e começa enxergar o mundo de uma forma diferente. Como G.H., ocorreu em George Harrison o mesmo fenômeno quando ele se envolveu com a cultura indiana e o hinduísmo no meio dos anos 60. O ex-beatle ajudou a expandir e disseminar, pelo Ocidente, instrumentos como o cítara e o movimento Hare Krishna. A partir desse momento, Harrison passou a ser um compositor mais filosófico, com músicas cada vez mais inspiradas.
Harrison também se engajou em campanhas para chamar a atenção mundial para a Índia, como o “Concerto para Bangladesh” (1971). Nesse tipo de evento, George foi pioneiro. Aí está uma das virtudes mais memoráveis do músico. Harrison sempre foi uma pessoa comprometida com o amor, a harmonia, alguém que desejava e lutava para viver num mundo mais digno e igualitário. Ele não foi tão somente um músico brilhante, mas também um ser humano extraordinário, de ações admiráveis.

(Texto de Ricardo Salvalaio publicado no Caderno Pensar, do jornal A Gazeta, no dia 26/11/2011) – com alterações.

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