No decorrer dessa semana, publicaremos, em cinco
partes, uma análise do livro “Zero” (Douglas Salomão), que está na lista dos
livros do VEST UFES 2014, feita por Rodrigo Moreira Almeida. Confira a 3ª parte
do artigo
Saindo
dos poemas em versos e passando para os poemas visuais, percebemos uma forte
influência das produções poéticas geralmente (e erroneamente) consideradas
“concretistas”, como aquelas que Philadelpho Menezes denomina “poema-embalagem”.
Introduzidos no Brasil por Augusto de Campos (o que explica a identificação
desses poemas com a poesia concreta), o poema-embalagem caracteriza-se por uma
“função secundária da figuralidade”, que, em casos extremos, “chega às raias do
ornamental, do simples enfeite visual do texto verbal”. É exatamente essa
figuralidade decorativa que encontramos em todos os poemas do livro que se
pretendem "tipológicos”, pois embora utilizem um tipo diferentes de letra,
não há relação profunda entre o texto e a fonte utilizada, como ocorre nos textos
tipológicos autênticos. [nervo se firma no osso], por exemplo, é escrito numa
fonte com tamanho maior que o utilizado no restante dos poemas do livro. Porém,
nada justifica esse tamanho diferente, o que nos leva a concluir que a escolha
do tamanho é algo puramente casual, sem repercussão na semântica do poema. Em
outros casos, não é o tamanho, mas o tipo de fonte que é mudado, sem perder,
contudo, seu caráter acessório de “enfeite”:
De acordo com Philadelpho Menezes, “[a] prova dos nove para se ver a função secundária da figuralidade é realizar um exercício de, abstratamente, suprimir a aparência do poema e ver se alguma informação não sensorial se perdeu.”. Façamos, então, esse exercício:
Como se vê, o poema não tem qualquer perda em sua semântica, o que comprova o caráter de “enfeite” da mudança de fonte. No caso do poema à esquerda, a fonte escolhida é até prejudicial, pois impede de ver o quase anagrama power / rompe pela ênfase excessiva (e desnecessária) no dado visual. Novamente, o autor se mostra incapaz de aproveitar criticamente as possibilidades trazidas pelo concretismo, preferindo ser um mero epígono de Augusto de Campos e de seus poemas-embalagem. Inclusive, o lado kitsch do autor de "Ovonovelo", notado por alguns críticos em suas produções mais recentes[i], também faz sua aparição em Zero neste poema da p. 19, cujo mau gosto na escolha da fonte retorcida dispensa qualquer comentário:
A influência da poesia concreta aparece também nos
poemas que podem ser catalogados, seguindo a terminologia de Philadelpho Menezes,
como poesia espacializada, na qual a
disseminação do poema pela página (com ou sem ruptura sintática ou morfológica)
é o principal recurso compositivo. Mas, novamente, a utilização esse recurso
não tem qualquer relação estrutural com o texto, como se pode notar nos poemas
abaixo, presentes à p. 141 (esquerda) e 160 (direita) de Zero:
No caso de [canoa flui em lâmina de rio], pode-se
perceber, com alguma boa vontade, uma onda estilizada, que seria um
correspondente gráfico da temática do poema. Porém, por si só, tal
justificativa é incapaz de sustentar a espacialização. No outro texto, a
segmentação das palavras até gera uma ambiguidade interessante na sétima linha,
com o “as” podendo ser tanto artigo definido como vogal temática e desinência
de número de “coisas”. Bonito, mas insuficiente. Além disso, acaba se
transformando num “corpo estranho”, já que, no restante do poema, o corte nos
morfemas segue a separação silábica tradicional.
Nesse ponto, também reaparece o que há de pior nas
produções concretistas. Além dos poemas-embalagem já analisados, Douglas
Salomão repete em Zero um dos mais recorrentes
cacoetes poéticos de Augusto de Campos, que Dolhnikoff chama de “poesia
aquadradada”. No poema da p. 31, o porquê da forma retangular permanece um
mistério:
(Texto de Rodrigo Moreira de Almeida)
Confira a 1ª parte do artigo "Zero à esquerda": http://outros300.blogspot.com.br/2013/02/literatura-vest-ufes-2014-zero-esquerda.html
Confira a 2ª parte do artigo "Zero à esquerda": http://outros300.blogspot.com.br/2013/02/literatura-vest-ufes-2014-zero-esquerda_20.html
Rodrigo
Moreira de Almeida é formado em Letras -Português pela Universidade Federal do Espírito
Santo e professor da rede particular em Vila Velha. Atualmente,
tenta organizar melhor o tempo para poder estudar para o mestrado da UFES. Pratica
a crítica literária nas horas vagas.
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