Antonio
Rocha Neto é economista, cronista,
filósofo e membro da Academia de Letras Humberto de Campos (Vila Velha).
Confira, abaixo, a crônica “Presente de grego":
PRESENTE DE GREGO
Ela
já estava perdendo a graça de presentear ao marido. Não tinha jeito; por mais que ela se
esforçasse em ser criativa e original, ele sempre acertava o que ia
ganhar. No Natal, no aniversário, no dia
dos pais, era sempre a mesma coisa.
Tinha vezes em que, sem mais nem porque, lá vinha ela com um embrulhinho
para o marido, crente de que, daquela vez, o derrotaria. Mas que nada, ele nunca havia sequer
titubeado: olhava para o embrulho e determinava seu conteúdo de chofre. Era como se tivesse uma fulminante visão de
raio-x.
Não
pensem vocês que ele descobria pelo formato do embrulho, ou pelo peso ou
barulho ao balançar. Nada disso: ele nem
mesmo pegava os embrulhos. E olha que
ela já havia colocado abotoadeiras em caixa de sapatos, gravata dentro de
garrafa de uísque vazia, meia dentro de capa de disco, disco dentro de livro,
mas nada, nada o enganava; ele ia em
cima, e depois ria às gargalhadas da cara da coitada.
Pois
no último Natal, quando já estava até conformada em nem sequer perder tempo de
embrulhar o presente do adivinhão, ocorreu-lhe uma idéia: iria presenteá-lo com
algo que ele não usasse! Claro, como não
pensara nisso antes! Ele só descobria
seus presentes porque, de alguma forma, ela sempre se preocupava em dar a ele
coisas de que estivesse necessitando ou apreciasse. Até mesmo aquela agenda de 91 que ela lhe deu
em novembro de 91, dentro de uma caixa de bombons, era uma coisa que até aquele
momento ele não tinha. Mas o que poderia
dar-lhe de inútil? Uma calcinha, um
sutiã? Não, não, ele poderia se ofender,
ainda mais na frente das crianças, ou, na pior das hipóteses, começar a
usar. Até que lhe veio uma luz: um
isqueiro! Era tudo que ele não
precisava, um verdadeiro presente de grego!
Ainda mais ele, que detestava fumaça de cigarro! Aliás, ali naquela casa nem visita podia
fumar. Para isso nem cinzeiro tinha.
Comprou
então um belo isqueiro, digno de um fumante inveterado, e embrulhou com
capricho. Nem se deu ao trabalho de disfarçar o embrulho.
Na noite de Natal, depois da ceia, já morta de
ansiedade, entrega-lhe o presente. Antes
de pegá-lo nas mãos ele ainda diz:
- Um chaveiro!
- Não, não, não. Errou!
Após pegar o embrulho e
balançar, diz:
- Elementar, um
relógio!
- Ih, tá frio!,
responde ela, eufórica.
Coçando a cabeça, ele arrisca:
- Uma lente de aumento!
- Que lente que nada,
pode desistir que dessa vez não tem pra você!
- Uma caneta?
- Nada disso. Desiste?
- É, desisto. Você
venceu.
- Então abre!
Abriu, olhou o isqueiro e comentou:
- Um isqueiro? Pra que?
- Pra você não
descobrir, seu bobão! Mas pode ir lá na loja depois e trocar por outra coisa
que eu já avisei pra mocinha.
- Pô, sacanagem, não
gostei ... assim não vale.
Depois, já recomposto, foi a vez dele dar-lhe seu
presente. Ela pegou o embrulho e falou:
-Eu vou logo abrindo,
nem me arrisco a adivinhar que nunca acertei mesmo, não vai ser dessa vez!
Abriu,
arregalou os olhos e começou a chorar: um cinzeiro!
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