Anaximandro
Amorim (1978) é
escritor, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho
da 17ª Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de
Francês do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura,
da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de
Campos, de Vila Velha/ES. Confira, abaixo, a crônica “Debaixo da minha árvore”:
DEBAIXO DA MINHA ÁRVORE
Da varanda do
meu apartamento eu via o pé-de-quê, frondoso, a copa quase caindo ao chão,
pululando de florzinhas cá e lá, pairando soberano em meio a um terreno completamente
vazio. Como a planta parecia pertencer a ninguém, julguei-a minha – e assim o
fiz, para poder contemplá-la, todo dia, à distância.
Meu reinado, no
entanto, durou pouco: sem avisar, uma coruja resolveu fazer pouso em um dos
galhos e ali se estabeleceu. Abdiquei, então, da minha posse para o bichinho – afinal,
eu tinha teto e ela, não. Era até engraçado vê-la cantar, de noite – e até de
dia – repousada em um dos galhos; e, protegida, deu melhor destino à árvore: torná-la
moradia!
Mas seu reinado
durou pouco, pois, da noite para o dia, a árvore não era nem minha, nem do
pássaro, mas de uma família que, sorrateiramente, aproveitou que todos dormiam
e ali fez pouso, estendendo uma lona enorme debaixo da copa e ali permanecendo.
Todos se
espantaram com a nova vizinhança; houve até quem torcesse o nariz para aqueles,
que nada mais queriam que o pouso amigo e o abrigo para tatos anos de
nomadismo. A árvore, hospitaleira, retirou-os do meio das ruas; e da minha
varanda eu os via, a família e a planta, idílicos, convivendo na mais perfeita
harmonia, como se ambos uma casa apenas fossem.
Mas a mão forte
do progresso não tardou a expulsar os intrusos – e assim fez quem se dizia
proprietário verdadeiro do terreno: um dia, eis que acordo e vejo não apenas a
família, mas também a árvore, sendo retirada da pior forma possível: atada a um
caminhão,foi rasgada do solo, até soltar-se totalmente do chão, deixando-se
fenecer sob os olhos atônitos de quem tudo via: meus e daquela família.
Mas selado
estava o destino e a árvore, ao que parecia, deixou ali sua alma e, sobre o local,
foi construído um prédio, enorme, um prédio de moradia; mas era triste o
destino: saíam os mais fracos, entravam os que podiam.
Nunca mais vi a
coruja e nem a família; e agora, quando abro a minha varanda, vejo o concreto
do novo empreendimento. Ao menos, as famílias parecem felizes; pena que a
felicidade de uns custe o sacrifício de outros; onde estarão a coruja e a
família? Talvez sob a copa de outra árvore, tão frondosa e bonita; a minha,
infelizmente, ficou apenas na minha memória.
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