sexta-feira, 2 de agosto de 2013

LICENÇA CRÔNICA: ANAXIMANDRO AMORIM




Anaximandro Amorim (1978) é escritor, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha/ES. Confira, abaixo, a crônica “Very Well, Rubem, Very well”:


"Braga-me, Rubem, Braga"

Zuzu Fontes

No ano do centenário do cronista capixaba Rubem Braga (1913 - 1990), resolvi homenageá-lo visitando seus escritos. Comprei o seu "Um pé de milho" por uma bagatela (nem dez reais) e estou saboreando cada crônica. Uma delas me chamou a atenção: foi o texto "Aula de inglês", bem humorado relato em que o cronista se diz assustado ao não saber o que significa a palavra handkerchief (lenço), mas aliviado ao acertar a palavra ashtray (cinzeiro). Por fim, Braga termina espantado: será que um dia encontraria o embaixador britânico e perguntaria is it an ashtray para ele?

Pois é, Rubem... eu também me pergunto para que servem certas frases que a gente aprende nos cursos de idioma, sobretudo inglês. Eu me lembro, por exemplo, de Do you want a coca? Além de fazer propaganda para a Coca-Cola, descobri, mais tarde, que o refrigerante que mais sai por lá é a Pepsi (e a gente não aprende Do you want a pepsi?). Tem também coisas esquisitas do tipo Are you a boy or a girl? Acho que, se você estiver na dúvida, melhor nem perguntar isso. Mas nenhuma bate a famosa The book is on the table. Definitivamente. Pergunto, caro leitor: quantas vezes você precisou dessa frase? Hein?

A coisa é tão estapafúrdia que o dramaturgo romeno naturalizado francês Eugène Ionesco (1909 - 1994) escreveu uma comédia chamada "A cantora careca", em 1950. A peça é uma das pérolas do "teatro do absurdo", a começar pelo nome pois, segundo o próprio Ionesco, não há nem cantora e nem ela é careca! Na verdade, o roteiro é uma colagem das frases do livro de inglês do dramaturgo. Estudando o idioma no trem, ele percebeu que os textos não faziam sentido algum e, assim, montou a peça, sucesso até hoje, com recordes de encenações. Tudo com frase que a gente aprende por aí.

É claro que, da mesma forma que o negócio é esquisito pra nós, também é pra eles. Lembro-me de um colega meu que, tendo recebido um estadunidense em casa, pediu para ele o ajudar com a lição de inglês. Qual não foi a surpresa quando ouviu do menino que o texto não fazia sentido! Deve ser por isso que tanta gente estuda, às vezes, oito, dez anos e sai da escola sem saber falar uma palavra. Só pode.

All right, all right, você deve estar pensando "ele só está falando assim porque é professor de francês". Bom, eu faço o mea culpa: peguei meu primeiro método de francês da Aliança Francesa, um livro chamado Archipel e dei uma folheada. Além de ficar estupefato com as fotos em preto e branco de gente vestindo calça boca de sino e óculos tipo ambervision,  quão horrorizado não fiquei ao ver que estudei frases como Vous voulez une cigarette? (você quer um cigarro) ou Vous voulez du wisky? (você quer uísque?). Como alguém pode ter coragem de ensinar isso a um garoto de treze anos? Ainda bem que não fumo nem bebo. Totalmente politicamente incorreto!

Gostaria de saber se o Rubem Braga conseguiu encontrar o embaixador britânico. Pesquisei na biografia dele, mas não vi nada. Em todo caso, tendo servido no exterior, ele deve, certamente, ter utilizado alguma dessas frases. Seria interessante vê-lo pegar um cinzeiro, do nada, e perguntar Is it an ashtray? E o embaixador, espantado, responder Yes, it is. E Braga, espirituoso cronista, parabenizar o homem que nem sua professora de inglês fazia com ele: Very well, very well.

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