sábado, 16 de fevereiro de 2013

LICENÇA PARA CONTAR: SANDRO BAHIENSE



Sandro Bahiense é professor, bibliotecário e amante das coisas que envolvam escrita. Lançou em 2008, em parceria de Ricardo Salvalaio e de mais 7 colegas poetas, a coletânia de poesias "8 Vezes Poeta", trabalho em que pôde expor um pouco de seus sentimentos e arte. Ficou conhecido entre os colegas da UFES por fazer uma crônica para cada um deles. Além de crônica e poesia, Sandro também escreve artigos de opinião, contos e máximas. Tais trabalhos podem ser vistos em seu próprio blog cujo endereço é http://sandrobahiense.blogspot.com/. Sandro trabalha também, claro, neste blog como um dos colunistas. Confira, abaixo, o poema "Conversa":

Conversa

_ Oi.
_ Oi.
_ Eu estou onde penso que estou?
_ Sim. Está sim.
_ Caraca... Ei, peraê, você é...
_ Sim. Sou.
_ Meu De... Como eu vim parar aqui?
_ Não se preocupe com esse tipo de coisa.
_ Nossa me sinto tão bem.
_ Sim. E essa é a ideia.
_ Como eu vim parar aqui? Quer dizer, eu já perguntei isso, mas, tipo, não sei se você sabe, quer dizer, você deve saber né, que eu, sendo bem honesto, tive minhas falhazinhas.
_ Na sua pergunta você já respondeu. O tempo todo você foi honesto consigo e, por consequência, comigo.
_ Mas é que... Eu tipo não te cultuei sabe.
_ Sei. E entendo. Muitos me cultuam, muitos não. Muitos que dizem me cultuar não me cultuam e vice-versa. O que eu quero é que vocês sejam sinceros. O melhor caminho pra chegar até aqui é através da sinceridade com vocês mesmos.
_ Entendo... Putz, e mamãe, papai e Larissa...? Eles devem estar...
_ Não. Eles estão bem. Eles foram geridos para passar por esse tipo de situação.
_ Mas... Porr... Poxa eu só tinha 31 anos.
_ Não se apegue a datas, números e coisas do tipo. Todos tem o mesmo ciclo. É igual. Para alguns o ciclo passa mais rápido, para outros mais devagar. Simples assim.
_ E meu, como você disse mesmo? Ciclo. Acabou? Tipo, eu não vou ter uma segunda chance nem nada.
_ Não existem chances. Isso nunca foi um jogo, porque todos sempre ganham. Não existem fases. Vocês aparecem e ficam, pra sempre.
_ Que complexo.
_ Nem tanto. Quando alguém nasce ele aparece para ficar para sempre. É um ser infinito.
_ Você faz tudo parecer tão simples.
_ E é. Vocês que insistem em complicar as coisas.
_ Sei lá, acho que você devia, tipo, interceder, sei lá.  Posso te chamar de você?
_ Pode, pode sim. Eu intercedo. O tempo todo. Só que vocês insistem em aparições humanas, palpáveis. Minha intercessão está nas pequenas coisas, principalmente nas que se passam dentro de vocês.
_ Dentro de nós? E o que que você nos agrega?
_ O Bem.
_ Hum... O bem. Não é o que parece.
_ Por quê?
_ E esse monte de guerras, assassinatos, estupros. São os fins dos tempos.
_ Não existe tempo, portanto nem fim, nem começo. Tudo começou pelo fim e renasce a cada instante. Eu levo o bem a vocês, mas cabe a vocês decidir se o utilizarão ou não.
_ Por isso que eu digo se você intercedesse...
_ E quebrar aquilo de mais valioso que foi criado. Que é o “não-saber”. Vocês tiveram a maior das virtudes, a de decidir. E decidem. Coisas boas e ruins. Mas tudo partindo e findando por vocês.
_ Tá. A gente parece fantoche.
_ Não, pelo contrário. Não decido o que vocês fazem. E, se intercedo, é através do abstrato. Não é nada que se possa ver ou tocar, mas é muito poderoso.
_ Você tá ligado que... Quer dizer. O senhor sabe que muita gente tem “duvidados” de tú e muitos acreditam que nem existas.
_ O que que é isso? “Senhor”, “duvidados”, “existas”... Pode falar comigo como você sempre falou.
_ Eu nunca falei com você eu acho.
_ Falou sim, várias vezes. Com seu olhar, com seu sorriso. Com a felicidade exposta no rosto, com a mão que afagou quem precisava. Com a mesma mão pedindo auxilio... O tempo todo dialogavas comigo.
_ Hum... É verdade.
_ E quanto às pessoas duvidarem de mim... É o contrário. Quanto mais duvidam, mais acreditam. Quanto mais dizem que não existe, mais acreditam na existência. Não provam a existência e, por fim, ficam aliviados por não provarem.
_ E as nossas vidas? Por que eu nasci pobre? Não gostava de pegar ônibus cheio todo dia de manhã. Você sabia disso. Vai me dizer que foi opção minha também?
_ Não, claro que não foi opção tua. Foi sorte.
_ Ah tá. Sorte. Conta outra.
_ O dedo do imponderável está nas coisas que não se pode ver, nas outras é simplesmente sorte. Você poderia ter nascido rico, pobre... Eu não interferi. Quando alguém ganha na loteria, ou se salva da algum acidente grave, é sorte, e não intervenção minha.
_ Mas nosso destino não está escrito?
_ Sim está.
_ Então?
_ Sim, mas os escritores são vocês. É como se fosse um círculo que começa pelo final e se reinventa a cada segundo.
_ Mas você sabe o final?
_ Sei, pois o final foi aquilo que já passou.
_ Ah cara. Deixa pra lá.
_ Não. É simples. Vocês não tem fim. Então o fim de vocês é o inicio.
_ De trás pra frente?
_ É.
_ Ah tá. Entendi. E daí as coisas que vão acontecendo são na sorte e na nossa batalha?
_ Exatamente.
_ E você intercede nos auxiliando em nossas atitudes, tipo, dando coragem, perseverança, é essa a palavra mesmo, perseverança?
_ Sim. É perseverança mesmo. E é exatamente isso que você está concluindo.
_ Então não tem morte? É isso?
_ Sim.
_ Nossa realmente você é muito bom com a gente.
_ E vocês são muito bons comigo, tenha certeza.
_ Sabe o que é mais engraçado? Aquele ditado que diz que a gente vai de uma para melhor é verdade. Mas quem a gente deixa fica numa dor danada. E aí como faz?
_ Faz como você mesmo disse. Na sorte, na batalha... E contando sempre comigo.
_ Nossa realmente você é muito bom com a gente.


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