segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

TODA POESIA DE PAULO LEMINSKI


Com mais de 600 poemas, volume reúne todos os versos de Leminski, expoente da poesia brasileira dos 1970 e 1980 e há décadas fora de catálogo


A Besta dos Pinheirais, Boia-Fria do Texto, Bandido que Sabia Latim ou Polaco Loco Paca, tradutor de Joyce, Petrônio e Mishima, faixa preta de judô, professor de cursinho, compositor parceiro de Caetano Veloso, Moraes Moreira e Itamar Assumpção, biógrafo de Trótski e de Jesus, roteirista de quadrinhos, ensaísta, jornalista, publicitário, contista, autor de infantojuvenis, romancista, o acima de tudo poeta Paulo Leminski, mestiço de negra e polonês, nascido na capital do Paraná sob os signos de Virgem e Macaco, escreveu para si o seguinte epitáfio:

"Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas".


Leminski (1944-1989) viveu pouco, 44 anos, mas o silêncio está longe de ser a maior de suas marcas. Prova disso é um catatau laranja fosforescente de mais de 400 páginas que, com um desenho de seu característico abastado bigode na capa, chega às livrarias com o final deste fevereiro. "Toda Poesia" reúne mais de 630 poemas do escritor, dos primeiros publicados, em edição artesanal, como "Quarenta Clics em Curitiba" (1976), aos póstumos de "Winterverno" (2001). Fosse isso era muito, mas é quase. Com o livro, que rompe um comprido, aí sim, silêncio, já que os principais livros de poemas de Leminski estavam esgotados há décadas, também voltam textos importantes sobre o poeta. Estão no volume ensaios de Caetano Veloso, comentando "Caprichos & Relaxos", de 1983 ("Este livro de poemas é uma maravilha"), de Haroldo de Campos, de Wilson Bueno e o precioso "ensaio bonsai" de Leyla Perrone-Moisés "Leminski, o Samurai Malandro" (de 2000). "Olhe nos olhos dos poemas de Paulo Leminski e você verá que ele está por dentro, no centro. Tudo o que não interessa cai fora, sem demora", escreve Perrone-Moisés.
Alice Ruiz S, poeta, viúva do poeta e sua musa, assina o texto de apresentação do volume, lembrando com linguagem singela e emocionada a trajetória leminskiana.
Na breve introdução, não deixa de contar as dificuldades dele para começar a publicar e como o poeta encontrou na editora Brasiliense e em um de seus editores, Luiz Schwarcz, a primeira chance de edições nacionais.
Há 30 anos, Leminski publicou, com ele, "Caprichos & Relaxos", um best-seller, guardadas as proporções das vendas de poesia.
Coube ao mesmo Luiz Schwarcz trazer Leminski de volta. É por sua Companhia das Letras que sai a lírica completa do poeta.

VULCÃO

"Vulcão" é como o editor se lembra do escritor, com quem conviveu nos tempos de Brasiliense. "Ele nos ligava todos os dias e de vez em quando vinha a São Paulo e aparecia na editora com seus tamancos de madeira. Estava o tempo todo criando, como um Picasso que faz esculturas com palitos enquanto almoça", diz Schwarcz.
Além dos caudalosos 630 poemas publicados, Leminski teve uma produção difícil de encaixar em 44 anos de vida. Atividades muitas à parte, escreveu, além dos
19 livros de poemas, outros de prosa, incluindo o marco do romance experimental "Catatau" (1975), publicou nove traduções, dois livros para crianças, quatro breves biografias.
E assinou quantidade não calculada de letras de música (e algumas melodias).
O lado musical dele, que vem sendo cartografado por uma de suas filhas, Estrela, não entra em "Toda Poesia", mas no volume há um texto inédito de José Miguel Wisnik (que já musicou poemas do autor) sobre seu cancioneiro.
O próprio Wisnik deverá fazer uma aula-espetáculo na Casa das Rosas, em São Paulo, em meados de março, para comemorar o lançamento de "Toda Poesia".
Por "Toda Poesia", vale esclarecer, entende-se aquela que foi publicada. Não há inéditos, embora 11 poemas (alguns reproduzidos nesta página) tenham saído só em edições caseiras no Paraná.
É, na visão de Alice Ruiz S, o extrato máximo do poeta: "A visão total do que foi a poesia para Leminski e do que é Leminski para a poesia".

FRASE

"Raízes na poesia concreta e na síntese, na experimentação e no coloquial. O compromisso com duas coisas aparentemente excludentes: a inovação e o afã de comunicar”
(Alice Ruis sobre a "marca poética" de Leminski)

EXPERIMENTALISTA

Eruditíssimo, com domínio total da linguagem, como prova no romance "Catatau", foi além do concretismo e da poesia marginal (que ele não repetiu simplesmente).
É um dos mais importantes poetas brasileiros de todos os tempos. Entre outras coisas, resgatou a "logopeia" (a dança do intelecto entre as palavras) para uma poesia brasileira cada vez mais asséptica e formalista.
Ao lado de obras-primas (o concreto "Metamorfose") e peças imprescindíveis, como "um deus também é o vento", "O Velho Leon e Natália em Coyoacán", "Iceberg", "Aviso aos Náufragos", "Invernáculo" e "um homem com uma dor" (momentos que fundem imagem, música e pensamento), temos poemas descartáveis ("amar é um elo").
"Toda Poesia" é desigual? Sim, como é desigual "Poesia Completa", de Carlos Drummond de Andrade. Com a diferença de que Leminski, experimentalista nato, tinha consciência de que "errava muito", assumindo riscos. O poeta nos quer por inteiro, desejo já expresso no título "Caprichos & Relaxos". Num tempo em que boa parte dos poetas parece escrever cada vez mais para si mesmos ou para a crítica, num campo literário infestado de políticas de compadrio e ausente de verdadeiras discussões de valores estéticos, onde há muita pose e pouca poesia, "Toda Poesia" chega em boa hora.

TODA POESIA
AUTOR:
 Paulo Leminski
EDITORA:
 Companhia das Letras
QUANTO:
 R$ 46 (424 págs.)
AVALIAÇÃO: 
Ótimo

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