Nunca
entendi os olhares acusatórios quando falo que sou adepto do bom rock. Palavras
ainda mais duras me são ditas quando mostro que sou vocalista e compositor
desse estilo musical.
Acredito
que a maioria das pessoas não sabe que o rock é negro. Sim, com raiz de
negritude, suas origens consistem no blues, talvez até remonte outras épocas,
distintas formas, sem as distorções conhecidas, os longos e lisos cabelos de
quem promove o som hoje em dia e, lógico, bem longe desse rótulo de rebeldia
exacerbada que os artistas contemporâneos e os mais antigos se submeteram. O
bom rock não é nada disso.
Pode ser que
ele tenha alguma ligação com as brisas que estimulam a criatividade. Mas isso
não dá o direito de dizer que ele está em sinergia completa com o uso de
substância ilícitas ou lícitas. É, sobretudo, a derivação da dor de indivíduos
que viam a realidade de forma diferente, ou sofriam preconceitos,
discriminações ou investidas de racistas, que expressavam seus sentimentos
através da arte. Escravizados que estavam a todo tempo mostrando que aquilo era
uma condição imposta, e não a realidade que mereciam viver ou gostariam de
estar.
Seres humanos como qualquer pessoa. Não eram santos, gostavam de algo qualquer que surgiu em uma plantação de algum país e sofreu as alterações humanas para, através da venda proibida, transformarem em alucinógenos. Sem contar a ‘cagibrina’, uma bebida ou outra, para combater o frio e a dor de perpetuar as mensagens pelas ruas. Pelo asfalto bem depois de “livrarem-se” da escravidão norte-americana. Artifícios para anestesiar a dor.
Quero ver
quem vai ter a ousadia de dizer que os caras não se embriagavam também nas
escalas pentatônicas que Slash
ou Zakk Wylde utilizam
em abundância em seus solos mágicos.
Esses e
outros tiveram fonte de inspiração. Ela não está em bandas como Led Zeppelin ou
Pink Floyd, apesar de serem conjuntos que respeito. Também não se encontram
entre os que desempenharam seu papel no brilhante documentário A todo o
volume.
Negros, descendentes de
africanos, gritavam através de seus acordes, com voz emocionada e afinada.
Estou colocando no passado? Apenas por conta do alicerce, mas, ainda hoje,
falam verdades que ninguém ousa mostrar. Quem hoje faz um som distorcido,
juntando com a beleza do Delay, e outros mais efeitos, por mais que não queira,
deve isso a um passado remoto. Não adianta nem chorar, o rock é negro. Teve
“seus primeiros passos” no blues. Para Souza (2007), é importante a demarcação
de que: “A história do Blues
esteve sempre ligada à cultura afro-americana, especialmente aquela oriunda do
sul dos Estados Unidos, das plantações de algodão dos escravos, que cantavam
para embalar as intermináveis e sofridas jornadas de trabalho, posteriormente
denominado de Blues… Seu ritmo sensual e vigoroso e a simplicidade de suas poesias
são traços da forte personalidade africana. Tratavam, em suas poesias, sobre
aspectos basicamente populares: trabalho, amor, religião, sexo, traição. Nos
Estados Unidos surgiram através dos cantos religiosos, os spirituals e outras
formas parecidas, gritos, cânticos e canções de trabalho das comunidades de
escravos libertos. As letras das canções incluíam, muitas vezes, sugestões
sutis, protestos contra a escravidão e até mesmo formas para escapar dela.”
Caminhando
pela história podemos ver isso facilmente. Olhando pela janela, nas ruas
de praticamente qualquer lugar do mundo, observa-se que a riqueza da cultura de
quem resiste cantando por alguns trocados, é o que alimenta músicos que assinam
contratos milionários com gravadoras sortudas.
Bate
forte emoção no coração ao ver os caras solando ao mesmo tempo que acontece a
vocalização. Dedilhados complexos que músicos mais atuais, repletos
equipamentos sofisticados, de modo algum fariam.
Pulando
boa parte do tempo – não tanto assim – que merece cautelosa observação, chegamos
em um guitarrista como Jimi Hendrix. Canhoto, com pegada nos solos e vocais,
mensagem de arrebentar com muitos sistemas montados, rebeldia e ao mesmo tempo
estilo, distorção no talo e às vezes discreta, deixava as multidões querendo
ouvir sempre mais. Suas músicas são mais conhecidas que as dos caras que
inspiravam seus virtuosos acordes e solos.
Complexo
esse assunto de apontar a origem de algum tipo de arte. Muitos podem contestar
demonstrando coisas ainda mais longínquas. O que quero deixar evidente
nesse breve registro é que, isso não preciso explicitar muito, cada
acontecimento tem seu fato marcante. Nesse estilo não é diferente. A tristeza
dos escravizados que colocavam pra fora o sofrimento. A beleza dos acordes de
quem muitas vezes expressava o que ninguém queria viver, foi montando, de certo
modo, o que hoje milhares de pessoas consomem. Isso não quer dizer que os “pais
do rock” concordariam com o mundo Pop. Mas, pelo menos a fonte, correu e ainda
corre em veias negras.
Origem
que alguns artistas consagrados até citam. Mesmo assim, os mecanismos
midiáticos, ou até a inconsciência social da origem das coisas nega
aos montes.
Sem precedentes,
não me surpreende em nada. Acontece isso com tudo que diz respeito a cultura
africana. Temem remontar o que realmente é o berço da humanidade. Nem por
arrogância ou prepotência – seria digno ver isso espalhar-se pelos quatro
cantos do mundo.
Escolas
não ensinam a verdade. Músicas, as mais revolucionárias, não tocam nas rádios.
Sobra-nos a possibilidade das mídias e redes sociais. Mas não se engane, existe
um esforço absurdo para controlá-las, para que sejam também encabrestadas. Aí
sim, tudo estará perdido, pelo menos no campo das informações. Enquanto isso
não acontece, blogueiros como eu continuam disponibilizando, às vezes para
milhares de pessoas, conteúdos que não se vê em qualquer lugar. Um exemplo é a
discussão do que realmente é essa suposta hegemonia artística, esse monopólio
do que é patrimônio da humanidade. Simples, falem da origem das coisas. Mostrem
em que lugar está enclausurada a riqueza cultural egípcia. Quem sabe
assim, gente mais consciente da realidade passa a respeitar um pouco mais esses
senhores e senhoras do mundo que insistem e tentar estabelecer a ordem.
(Texto de Jean Mello)
Jean Mello é educador social formado pelo Núcleo de
Trabalhos Comunitários da PUC/SP, vinculado à Faculdade de
Educação, educomunicador, músico, escritor e estudante de Psicologia na
Universidade de Santo Amaro – UNISA.
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