terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O ROCK É NEGRO



Nunca entendi os olhares acusatórios quando falo que sou adepto do bom rock. Palavras ainda mais duras me são ditas quando mostro que sou vocalista e compositor desse estilo musical.
Acredito que a maioria das pessoas não sabe que o rock é negro. Sim, com raiz de negritude, suas origens consistem no blues, talvez até remonte outras épocas, distintas formas, sem as distorções conhecidas, os longos e lisos cabelos de quem promove o som hoje em dia e, lógico, bem longe desse rótulo de rebeldia exacerbada que os artistas contemporâneos e os mais antigos se submeteram. O bom rock não é nada disso.

Pode ser que ele tenha alguma ligação com as brisas que estimulam a criatividade. Mas isso não dá o direito de dizer que ele está em sinergia completa com o uso de substância ilícitas ou lícitas. É, sobretudo, a derivação da dor de indivíduos que viam a realidade de forma diferente, ou sofriam preconceitos, discriminações ou investidas de racistas, que expressavam seus sentimentos através da arte. Escravizados que estavam a todo tempo mostrando que aquilo era uma condição imposta, e não a realidade que mereciam viver ou gostariam de estar.

Seres humanos como qualquer pessoa. Não eram santos, gostavam de algo qualquer que surgiu em uma plantação de algum país e sofreu as alterações humanas para, através da venda proibida, transformarem em alucinógenos. Sem contar a ‘cagibrina’, uma bebida ou outra, para combater o frio e a dor de perpetuar as mensagens pelas ruas. Pelo asfalto bem depois de “livrarem-se” da escravidão norte-americana. Artifícios para anestesiar a dor.
Quero ver quem vai ter a ousadia de dizer que os caras não se embriagavam também nas escalas pentatônicas que Slash ou Zakk Wylde utilizam em abundância em seus solos mágicos.
Esses e outros tiveram fonte de inspiração. Ela não está em bandas como Led Zeppelin ou Pink Floyd, apesar de serem conjuntos que respeito. Também não se encontram entre os que desempenharam seu papel no brilhante documentário A todo o volume.

Negros, descendentes de africanos, gritavam através de seus acordes, com voz emocionada e afinada. Estou colocando no passado? Apenas por conta do alicerce, mas, ainda hoje, falam verdades que ninguém ousa mostrar. Quem hoje faz um som distorcido, juntando com a beleza do Delay, e outros mais efeitos, por mais que não queira, deve isso a um passado remoto. Não adianta nem chorar, o rock é negro. Teve “seus primeiros passos” no blues. Para Souza (2007), é importante a demarcação de que: A história do Blues esteve sempre ligada à cultura afro-americana, especialmente aquela oriunda do sul dos Estados Unidos, das plantações de algodão dos escravos, que cantavam para embalar as intermináveis e sofridas jornadas de trabalho, posteriormente denominado de Blues… Seu ritmo sensual e vigoroso e a simplicidade de suas poesias são traços da forte personalidade africana. Tratavam, em suas poesias, sobre aspectos basicamente populares: trabalho, amor, religião, sexo, traição. Nos Estados Unidos surgiram através dos cantos religiosos, os spirituals e outras formas parecidas, gritos, cânticos e canções de trabalho das comunidades de escravos libertos. As letras das canções incluíam, muitas vezes, sugestões sutis, protestos contra a escravidão e até mesmo formas para escapar dela.”

Caminhando pela história podemos ver isso facilmente. Olhando pela janela, nas ruas de praticamente qualquer lugar do mundo, observa-se que a riqueza da cultura de quem resiste cantando por alguns trocados, é o que alimenta músicos que assinam contratos milionários com gravadoras sortudas.
Bate forte emoção no coração ao ver os caras solando ao mesmo tempo que acontece a vocalização. Dedilhados complexos que músicos mais atuais, repletos equipamentos sofisticados, de modo algum fariam.

  

Pulando boa parte do tempo – não tanto assim – que merece cautelosa observação, chegamos em um guitarrista como Jimi Hendrix. Canhoto, com pegada nos solos e vocais, mensagem de arrebentar com muitos sistemas montados, rebeldia e ao mesmo tempo estilo, distorção no talo e às vezes discreta, deixava as multidões querendo ouvir sempre mais. Suas músicas são mais conhecidas que as dos caras que inspiravam seus virtuosos acordes e solos.
Complexo esse assunto de apontar a origem de algum tipo de arte. Muitos podem contestar demonstrando coisas ainda mais longínquas. O que quero deixar evidente nesse breve registro é que, isso não preciso explicitar muito, cada acontecimento tem seu fato marcante. Nesse estilo não é diferente. A tristeza dos escravizados que colocavam pra fora o sofrimento. A beleza dos acordes de quem muitas vezes expressava o que ninguém queria viver, foi montando, de certo modo, o que hoje milhares de pessoas consomem. Isso não quer dizer que os “pais do rock” concordariam com o mundo Pop. Mas, pelo menos a fonte, correu e ainda corre em veias negras.
Origem que alguns artistas consagrados até citam. Mesmo assim, os mecanismos midiáticos, ou até a inconsciência social da origem das coisas nega aos montes.
Sem precedentes, não me surpreende em nada. Acontece isso com tudo que diz respeito a cultura africana. Temem remontar o que realmente é o berço da humanidade. Nem por arrogância ou prepotência – seria digno ver isso espalhar-se pelos quatro cantos do mundo.
Escolas não ensinam a verdade. Músicas, as mais revolucionárias, não tocam nas rádios. Sobra-nos a possibilidade das mídias e redes sociais. Mas não se engane, existe um esforço absurdo para controlá-las, para que sejam também encabrestadas. Aí sim, tudo estará perdido, pelo menos no campo das informações. Enquanto isso não acontece, blogueiros como eu continuam disponibilizando, às vezes para milhares de pessoas, conteúdos que não se vê em qualquer lugar. Um exemplo é a discussão do que realmente é essa suposta hegemonia artística, esse monopólio do que é patrimônio da humanidade. Simples, falem da origem das coisas. Mostrem em que lugar está enclausurada a riqueza cultural egípcia. Quem sabe assim, gente mais consciente da realidade passa a respeitar um pouco mais esses senhores e senhoras do mundo que insistem e tentar estabelecer a ordem.
(Texto de Jean Mello)

  
Jean Mello é educador social formado pelo Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC/SP, vinculado à Faculdade de Educação, educomunicador, músico, escritor e estudante de Psicologia na Universidade de Santo Amaro – UNISA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário