Há
11 anos morria o guitarrista que ajudou a construir a história do pop
Há
onze anos a música perdia um dos seus melhores representantes. Em 29 de
novembro de 2001 morria George Harrison, o beatle “mais tranqüilo” e que detestava
a fama. O músico, que nasceu em Liverpool, Inglaterra, no dia 25 de fevereiro
de 1943, deixou saudades e um repertório riquíssimo que influencia e emociona
milhões de seres humanos ao redor do mundo. Harrison era, ao mesmo tempo,
transcendental, místico, rebelde, tímido, amoroso e dono de um humor muito
peculiar. Este artigo versará sobre a vida e a importância do guitarrista que
nos fez conhecer o Oriente e que, mesmo sendo um “rockstar”, manteve a
serenidade, lucidez e altivez até seus últimos dias.
Um
guitarrista discreto que tocava a serviço do grupo. Assim era George Harrison.
Ao contrário de seus contemporâneos ingleses – Jimmy Page, Eric Clapton e Jeff
Beck – não gostava de se exibir, não fazia cara feia nem grandes solos.
Harrison era preocupado com a melodia. Com a harmonia de sons, com sons
harmônicos. Harmonia com as músicas que a dupla genial Lennon – McCartney
produzia. Seus sons harmônicos nos marcaram. Frases redondas, delicadas,
lógicas. Parecem simples, mas não são. Sua guitarra chorava suavemente.
Harrison ocupa a 21ª posição da lista "Os 100 Maiores Guitarristas de
Todos os Tempos", da revista “Rolling Stone”,
mas em outras eleições já figurou entre os dez melhores.
Ao
conhecer e se encantar pelo trabalho do músico indiano Ravi Shankar, Harrison
trouxe um pouco do encantamento oriental para os Beatles. Na música “Norwegian
Wood”, do álbum “Rubber Soul” (1965), George introduziu a cítara, dando um
toque todo especial à canção. Foi a primeira vez quem um músico do ocidente usou
a cítara.
Something
Frank
Sinatra, um dos maiores cantores do século XX, gostava particularmente de uma
música dos Beatles: “Something”. Ele acreditava que essa era umas das mais belas
canções de amor já compostas. Gostava tanto, aliás, que chegou a cantá-la
inúmeras vezes e pensou, por um bom tempo, que ela havia sido composta pela
dupla dinâmica Lennon – McCartney. “Something” foi composta por George, o mais espiritual
entre os Beatles. Talvez por esse motivo, Sinatra possa ser perdoado em seu
erro grotesco. “Something” é, depois de "Yesterday"
(também dos Beatles), a música mais gravada de todos os tempos. Elvis Presley,
James Brown e muitos outros grandes artistas já a gravaram. Muitos a consideram
a melhor composição de Harrison.
“Something”,
ao lado de “Here comes the Sun”, se encontra no disco dos Beatles, “Abbey Road”
(1969). São as melhores músicas do álbum mais vendido dos Beatles. George
Harrison também compôs outros temas clássicos dos Beatles, tais como “While my
guitar gentle weeps” (a qual ele convidou seu amigo Eric Clapton para fazer a
guitarra solo), “I need you”, “Piggies”, “Taxman”, “For you blue”, entre
outros.
Ao
longo da carreira dos Beatles, Harrison sempre quis gravar seu material.
Entretanto, era impossível sobrepujar o cerco formado por John Lennon e Paul
McCartney. Assim, George conseguia duas ou três músicas nos álbuns. O
guitarrista seria o compositor principal em qualquer banda do mundo. No
entanto, para sua sorte (ou azar), tinha ao seu lado, simplesmente, os dois
maiores compositores do século XX.
O
resultado de anos e mais anos de recusa foi reunido em “All things must pass”
(1970), logo após o final dos Beatles. O álbum triplo, um dos melhores álbuns
do ex-beatle, reúne as canções recusadas pela banda de maior sucesso do século
passado. O álbum possui grandes hits, tais como “My sweet lord”, “What is
life”, “All things must pass”, entre outros. O single “My sweet Lord”, um
mantra de melodia irresistível, foi alçado ao Olimpo do pop, atingindo o
primeiro lugar nas paradas de vários países do mundo, incluindo os EUA. Apesar
de não gravar um disco por ano e não ligar para fama, George teve uma carreira
solo muita bem sucedida. Lançou mais um disco de enorme sucesso, “Living in the
Material World” (1973), com outro número um nas paradas, “Give Me Love (Give Me
Peace on Earth)”, e a partir daí, sua carreira teve várias atividades:
aprimorou-se na jardinagem zen que praticava, passou a freqüentar corridas de
Fórmula um e tornou-se produtor cinematográfico, envolvendo-se com o pessoal do
Monty Python, grupo humorístico inglês, para quem produziu “A Vida de Brian”
(1979).
Seus
outros hits em carreira solo são:
“Crackerbox Palace”, “Poor Little Girl”, “Blow Away”, “That's The Way It
Goes”, “Cockamamie Business”, “Dark Horse”, “Wake Up My Love”, “You”, “Life
Itself”, “Cheer Down”, “What Is Life”, “Got My Mind Set On You”, “Cloud 9”,
“Here Comes The Moon”, “Gone Troppo” e “Love Comes To Everyone”.
Nos
fins dos anos 80, George formou, por pouco tempo, outra banda, os Traveling
Wilburys, junto com alguns músicos famosos: Bob Dylan, Roy Orbison, Tom Petty e
Jeff Lynne.
“Vivendo no mundo
material”
Lançado
em 2011, “George Harrison: Living in the Material World", documentário
dirigido por Martin Scorsese, tem entrevistas com muitos músicos, além de
filmagens e fotos caseiras fornecidas pelo arquivo particular da família de
Harrison. O filme mostra a carreira do guitarrista nos Beatles, sua
bem-sucedida empreitada solo e também sua passagem pelo cinema. A
espiritualidade oriental, elemento chave tanto em suas composições como em seu
cotidiano, também é central no filme, que é conduzido por narrações do
guitarrista. A obra traz o rigor jornalístico de Martin Scorsese para desvendar
o personagem, guitarrista, membro da maior banda de rock do mundo.
Harrison,
assim como Ringo Starr, nunca desfrutou da idolatria gerada por Paul McCartney
e John Lennon. Ao reconstituir seus passos, o cineasta renova o fascínio por
alguém que ignorou a posteridade. "Não me importo se eu não for
lembrado", disse certa vez, conforme relatou Olivia Harrison ao New York
Times. Ela foi casada com o britânico entre 1978 e 2001, ano da morte dele.
Olivia, também produtora do filme, foi quem procurou Scorsese para assumir a
empreitada. O principal argumento para sensibilizá-lo foi uma afetuosa carta
escrita por George para a mãe dele quando tinha um pouco mais de 20 anos.
"Ele expressava a ideia de que sabia que a vida não se limitava à riqueza
e à fama".
“Living in the Material World” tem depoimentos
dos amigos do guitarrista, incluindo Eric Clapton, Terry Gilliam, Eric
Idle, George Martin, Paul McCartney, Yoko Ono, Tom Petty, Phil Spector, Ringo
Starr e Jackie Stewart.
My sweet lord
Epifania
é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do afeto de
alguém. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que
alguém encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeças e agora consegue
ver a imagem completa.
No
romance “A Paixão Segundo G.H.”, de Clarice Lispector, ocorre na personagem
G.H. o fenômeno epifânico quando ela come uma barata e começa enxergar o mundo
de uma forma diferente. Como G.H., ocorreu em George Harrison o mesmo fenômeno quando
ele se envolveu com a cultura indiana e o hinduísmo
no meio dos anos 60.
O ex-beatle ajudou a expandir e disseminar, pelo Ocidente, instrumentos como o cítara e o movimento Hare Krishna. A partir desse
momento, Harrison passou a ser um compositor mais filosófico, com músicas cada
vez mais inspiradas.
Harrison
também se engajou em campanhas para chamar a atenção mundial para a Índia, como
o “Concerto para Bangladesh” (1971). Nesse tipo de evento, George foi pioneiro.
Aí está uma das virtudes mais memoráveis do músico. Harrison sempre foi uma
pessoa comprometida com o amor, a harmonia, alguém que desejava e lutava para
viver num mundo mais digno e igualitário. Ele não foi tão somente um músico
brilhante, mas também um ser humano extraordinário, de ações admiráveis.
(Texto de Ricardo
Salvalaio publicado no Caderno Pensar, do jornal A Gazeta, no dia 26/11/2011) –
com alterações.
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