quinta-feira, 22 de novembro de 2012

LEIA O CONTO "NUMA MANHÃ QUALQUER", DE YAN DURDEN


Yan Durden é escritor, membro da CONFRARIA DOS BARDOS e estudante de Letras-Português na UFES. Confira, abaixo, o conto “Numa manhã qualquer”, que foi publicado no Caderno Pensar, do jornal A Gazeta, no dia 17/11/2012:

Numa Manhã Qualquer

Acordou. Não deu bom dia para ninguém da mesa do café, eram estranhos, mas viviam juntos. A moça de óculos escuros esconde os olhos fundos tentando disfarçar - na verdade, ela não se importava, era uma convenção social dentro do apartamento de que deveriam não deixar aparente o verdadeiro estado de sua alma. Passe-me a manteiga, ela disse. O rapaz que acabou de acordar pega o pote de manteiga no balcão e o entrega num gesto mecânico, nem se olham. Seus dedos não se tocam. Nada vive. O moreno de camisa preta assiste tudo, sem expressar nada, acende outro cigarro e se retira. O terceiro rapaz, um mulato de cabelo raspado, olha diretamente para o café em seu copo a sua frente, como se estivesse em transe - e nada acontecesse ao seu redor. Toma um gole. O café está frio. Vira tudo de uma vez. Deixa o copo vazio sobre o balcão passando do lado do primeiro rapaz que acaba de acordar. O apartamento divide-se em quatro quartos: quatro reinos com suas próprias leis. É manhã de um domingo qualquer. Nenhum dos quatro trabalharia, nenhum deles sabia onde cada um foi na noite passada – eram indiferentes aos diferentes mundos ao seu redor.
Em cada quarto com acesso à internet, conversavam com seus melhores amigos que nunca viram, que nunca tocaram, que estão tão distantes, mas ao mesmo tempo tão-tão-tão perto. Aproximamos quem está longe – e distanciamos quem está perto. Para quem nunca nos viu acordar de ressaca é quem damos bom dia e contamos nossos segredos. Para quem nunca nos viu chorando e que guardamos o nosso “obrigado” e “até logo.” A moça de óculos volta ao seu quarto, retira a roupa, deita nua sobre a cama, pensa em sua vida...

E nada decifra.

Solidão.

O computador que nunca édesligado ilumina todo o quarto de janelas trancadas. Abre a última gaveta de seu guarda-roupa, tira um pequeno pacote – o diário, seu maior confidente. No quarto ao lado, o mulato chora por ter perdido seu emprego, pensando em pagar as contas, pensando em não ter ninguém para contar, e se pedisse: “cara, tem como bancar o aluguel esse mês? Prometo que no próximo te reembolso.” Se sentiu estúpido por pensar numa coisas dessas, vivia ali há cinco meses e não conseguia se sentir em casa, estava sempre incompleto, seria sua cor a causa do distanciamento dos outros? Enfia a cara no travesseiro, sente medo que escutem sua dor. O rapaz de camisa preta lê mais um livro sobre filosofia, tentando convencer a si mesmo que deus não existe e que ele não precisa de ninguém para existir. Amanhã é mais um dia do resto da minha vida, diz em voz alta, como se alguém pudesse ouvi-lo – mas não há resposta.

O primeiro rapaz em seu quarto olha o facebook de longe, mais atualizações – é esta apenas a razão de sua vida? Sente um peso sobre o peito, uma pequena tontura, melhor me sentar, mas antes que alcance a cama acaba caindo no chão fazendo um grande estrondo – Plaft! – no chão.

Os outros três param tudo que fazem e esperam uma resposta, como o silêncio prevalece continuam a se concentrarem em sua própria dor. O rapaz começa a tremer, pensa em gritar, mas para quem? Não conseguia lembrar o nome de nenhum dos outros moradores. Tenta alcançar o computador para pedir ajuda, com as mãos sobre o chão tenta se erguer, mas a fraqueza é mais forte e ele cai novamente.Dessa vez, como já se encontrava deitado, não foi possível que ninguém o escutasse fora do quarto. Tenta se arrastar até o computador, o esforço é cada vez maior, seu corpo pesa no chão o dobro de seu peso normal, começa a chorar quando vê pequenas gotas de sangue escorrendo pelo seu nariz – é dominado pelo medo quando percebe que nunca alcançaria ninguém em seu computador para pedir ajuda. Tenta gritar “socorro!” – mas seus pulmões estão vazios. Esse é o último dia da minha vida. Demoraram três dias para notar o odor de podre que saia de seu quarto, mais dois para perceber que ele não estava ali para pagar o aluguel.

 

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