Em
Esaú e Jacó, de Machado de Assis, observam-se os acontecimentos históricos como
ponto de partida para um crítica política e econômica no período de transição
da monarquia para a república brasileira. Nesse período, ocorre o encilhamento,
por analogia à corrida de cavalo e, daí, a facilidade em ganhar dinheiro devido
à volubilidade da bolsa de valores.
Nesse
contexto, vale destacar dois personagens importantes na obra: Santos e Nóbrega.
Segundo Lenivaldo de Almeida (2009), em “Esaú
e Jacó e a transformação dos valores e costumes na época do encilhamento”,
os dois personagens são amostras desse momento, uma vez que os dois saíram dos
níveis sociais inferiores e alcançaram o sucesso financeiro. Entretanto, os
dois personagens são considerados bandidos, pois enriqueceram à custa do
fracasso de muitos. Santos, banqueiro que enriqueceu na febre de ações,
passará, ao longo do romance, sonhando com um título de nobre, o que ele
adquire no decorrer da narrativa. Já Nóbrega, que ficou rico após a farta
contribuição da personagem Natividade às almas, transforma sua vida em um
desfile, no qual a rua é a passarela para ele demonstrar sua fortuna ao
utilizar carros e carruagens de luxo.
Outra
característica do encilhamento é a indecisão política da época. O maior exemplo
é o personagem Batista, que era do partido conservador, mas, devido ao
interesse de continuar no poder, muda para a ala dos liberais. Os gêmeos, Pedro
e Paulo, também demonstram essa indecisão política. Paulo sempre demonstrou ser
republicano, enquanto Pedro era monarquista e passa a ser da mesma opinião
política do seu irmão. Para John Gledson (1986), em Machado de Assis: ficção e história, essas indecisões políticas são
as evidências da imaturidade política da época, quando a política era vista
como algo com que se podia brincar. O crítico inglês também ressalta a
imaturidade da população que assiste a tudo sem saber o que está acontecendo,
preocupada com coisas que estão fora da esfera política como o caso de
Custódio, confeiteiro que estava preocupado com as tabuletas do seu comércio
caso o regime mudasse da monarquia para a república.
Alegorias
Há
uma alegoria importante para se entender o contexto histórico: a barba do frade
Capuchinho e suas mudanças de coloração. Sobre essa característica, Gledson
(1986) constrói várias interpretações. Para ele, capuccino é uma palavra italiana que designa uma bebida feita com
café, produto granulado que foi a principal fonte de riqueza do segundo reinado
brasileiro. Esse ingrediente tem a cor negra, que remete à principal
mão-de-obra das lavouras de café – os negros. Mas com a abolição da escravatura
entraram em cena os emigrantes, em sua maioria, italianos para ocupar as
frentes de trabalho nas lavouras (o que retoma o uso do próprio capuccino).
A
coloração da barba de Capuchinho é a própria aparência e saúde da monarquia. No
primeiro momento, a barba se apresenta escura: o início do governo de D. Pedro
II; no segundo, a barba perde a cor e fica grisalha, o que poderia ser uma
referência aos quarenta anos de D. Pedro II, pois ele ficou com a barba branca
nessa idade. No fim da monarquia, a barba do frade Capuchinho ganha coloração
“negríssima” graças às tintas.
Para
Hélio de Seixas Guimarães (2004), em Os
leitores de Machado de Assis, as tintas têm grande importância na
constituição da narrativa devido a duas cenas: do frade Capuchinho e a das
tabuletas do confeiteiro Custódio. As tintas, então, são representações das
transições da vida pública brasileira, ou seja, para Guimarães, essa
representação seria uma crítica contra o comportamento político do Brasil, onde
tudo acaba com largas e grossas mãos de tintas. Destarte, todas as
movimentações políticas no Brasil são maquiladas e verdadeiramente não existem,
pois estão nas aparências e, por isso, representam uma fantasia da própria
realidade.
A
respeito da natureza política brasileira desde aqueles tempos até hoje, John
Gledson (1986) afirma: “nenhuma emoção política é autêntica sem ser ridícula
ou, mais provavelmente, falsa”. Essa citação resume os sentimentos políticos do
Brasil, pois no país, como Machado de Assis evidencia em Esaú e Jacó, não existe uma consciência histórica para “ruminar” o
nosso próprio passado e tudo acaba no esquecimento e no eterno retorno ao
mesmo, ou seja, às mesmas indecisões e danças partidárias e ao mesmo assistir
aos acontecimentos políticos como meros espectadores.
(Texto de Carlos Alexandre
da Silva Rocha publicado no Caderno Pensar, do jornal A gazeta, no dia 07/07/2012)
Carlos
Alexandre da Silva Rocha
nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de idade e tem como influências
Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o
livro de poemas “Um homem na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do
leitor como algo simples. Entretanto, como o livro versa sobre as angústias
humanas, ele torna-se não tão fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado
em Letras-Português pela UFES e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com).
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