quinta-feira, 22 de setembro de 2011

FERREIRA GULLAR: “EM ALGUMA PARTE ALGUMA”


“Estou rodeado de mortes / Defuntos caminham comigo na saída do cinema”, escreve Ferreira Gullar em “Reencontro”, um dos poemas de “Em Alguma Parte Alguma” (José Olympio, 144 páginas), livro que chegou quebrando um silêncio de 11 anos. Silêncio e morte são, aliás, temas recorrentes numa obra que se pode chamar de madura – principalmente porque o poeta maranhense faz 80 anos no ano passado.

Considerado o maior poeta brasileiro em atividade, Gullar, ao contrário da impressão que pode criar a recorrência da morte em seus versos, emite sinais claros de vitalidade. No livro está presente o espanto, motor criativo do poeta (“estou eterno”), além das possibilidades de significados multiformes (“estou num tempo branco”), da contemplação do caos (“só o que não se sabe é poesia”) e de resvalos constantes na filosofia (“o homem tenta / livrar-se do fim / que o atormenta / e se inventa”).

O perfume do jasmim pode não ser inspirador para a maioria das pessoas, mas, para o poeta Ferreira Gullar, é motivo de epifania - ao sair, certa noite, da casa de Cláudia Ahimsa, sua companheira e também poeta, ele foi acometido por um incontrolável impulso, só dominado quando surgiram os versos do poema “Desordem”: "... o jasmim, por exemplo,/ é um sistema/ como a aranha/ (diferente do poema)/ o perfume/ é um tipo de desordem/ a que o olfato/ põe ordem/ e sorve...".

Algumas poesias são longas, outras nem tanto – “Rainer Maria Rilke e a Morte”, por exemplo, ocupa seis páginas. O tempo de gestação, no entanto, parece ter diminuído. Se dez anos separam o novo livro do anterior, o período entre “Barulhos” e “Muitas Vozes” foi ligeiramente maior, de doze anos. "Criar versos exige um esforço diferente do que escrever ensaios, crônicas ou críticas", afirma Gullar que, apesar de se desdobrar em múltiplas funções (também pinta e faz colagens), garante ser poeta na essência. As demais funções, ainda que não as desmereça, apenas ocupam seu tempo enquanto não está tomado pela poesia.

Com “Em Alguma Parte Alguma”, Gullar se renova. O poeta que passou do soneto camoniano ao poema em prosa, do verso livre ao poema pré-concreto, mantém a tradição de criar uma produção multifacetada. "Custo a escrever e só publico o que realmente gosto."

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