quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

LICENÇA PARA CONTAR: SARAH VERVLOET


Sarah Vervloet nasceu em Vila Velha, no Espírito Santo, em 1989. É graduada em Letras-Português pela UFES e atualmente cursa o Mestrado em Letras/ Estudos Literários na mesma universidade. É professora e também escreve irregularmente. Foi contemplada em um concurso de Literatura da Secretaria de Cultura do Espírito Santo, na categoria contista estreante e seu livro está no forno. E-mail:sarahvervloet@gmail.com e Blog: http://chadechama.blogspot.com.br. Confira, abaixo, o conto “A vida em um pulo”:

A VIDA EM UM PULO

─ Você vai pular mesmo?
─ Otário, o que você acha? Subi aqui à toa não.
─ É que a demora é tanta que eu começo a pensar em coisas.
─ Que coisas, palhaço? Quer cuidar da vida dos outros, mas e a sua?
─ Minha vida depende da sua também. Eu quero saber se você já vai pular.

Aquele diálogo em plena Terceira Ponte, com as luzes se acendendo de pouco em pouco e o trânsito formado daquele ponto para trás, fazia de Paloma alguém que não sabia mais no que pensar. Como poderia ela imaginar que no instante de seu pulo seria interrompida por um curioso. Nem mesmo ouvia a sinfonia de buzinas que começava a ensaiar um grande e insuportável som. O caminhão deu início ao show com uma buzina grave e pesada que ecoava até o final da fila. E lá do final o motorista do ônibus respondia com buzinadas curtas e agudas. Fez isso por cinco vezes. Uma cabine dupla parecia ter disparado o alarme quando seu dono afundou a palma da mão para participar. Os motoqueiros buzinavam furiosos por não conseguirem atravessar os corredores, já que os carros se desorganizavam na tentativa de achar uma saída.

─ Para de falar merda. Preciso me concentrar.
─ Você já está aí em cima, sentindo um puta vento gelado e ainda precisa pensar?
Paloma colocou os braços para frente e começou a olhar a si própria. Abria as palmas das mãos e fechava-as como quem quisesse sentir pulsações e testar articulações. O sangue já estava bem quente.
─ Não vê que tudo se resume em morte?
─ Como?
─ Tudo se resume em morte. Alguém reza para morrer bem, alguém vive pouco para morrer melhor, alguém faz doações para ter a morte lembrada, alguém...
─ Você diz, as pessoas pensam sempre em morrer?
─ Todos pensam.

E pulou. Paloma pulou para a morte sempre pensando nela. Com os dois braços abertos, as veias quentes pareciam saltar da pele, deixando o corpo nu da menina completamente tatuado. Ninguém ouviu o barulho do corpo batendo na água, nem impacto algum. Ninguém sabe dizer de Paloma. Ninguém se viu presente naquele momento vital para a sua morte.








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