Em “O outro pé da sereia”, duas épocas distantes entrelaçam-se numa estória de grande beleza, na tentativa de encontrar o fio condutor que une a cultura emanada de África, no tempo do tráfico negreiro, e disseminada por outros continentes.
Neste romance de Mia Couto do início da primeira década do novo milénio, vencedor do Prémio Literário do Brasil no ano de 2007, o tema principal é a condição humana, a (des)igualdade de género e o inter-culturalismo versus o relativismo cultural. O romance é constituído por duas estórias paralelas, separadas por um abismo temporal de cinco séculos. Numa delas, passada a bordo de um navio negreiro que faz a travessia do Índico de Goa à Costa Oriental africana, viaja o Padre Manuel Antunes, cuja alma sofre uma estranha metamorfose: está a “mudar de raça”.
Isto é, identifica-se cada vez mais, com a cultura e o estilo de vida que os portugueses desejam dominar. Esta transformação, subtil de início, mas cada vez mais evidente à medida que prossegue a viagem, proporciona sérios atritos com D. Gonçalo da Silveira, o Inquisidor, membro da Companhia de Jesus, encarregue de transportar uma estátua de madeira que representa a imagem da Virgem Maria. Esta estátua causa enorme perturbação entre os escravos, que viajam no porão do referido do navio, por associarem aquela figura feminina à divindade das águas, dos mares e dos rios – Kianda – aquela que no panteão dos orixás brasileiros corresponde à deusa- sereia Iemanjá.
A outra estória é passada no tempo presente na narrativa, em 2002, em Moçambique, e protagonizada é a jovem Mwadia Malunga, filha da ex-costureira Constança e de Edmundo Capitani, reformado do antigo Exército Colonial. Constança casa em segundas núpcias com o alfaiate de origem goesa, Jesustino, encetando uma vida de sucessivas desilusões.
A nota dominante no discurso narrativo de Mia Couto continua a ser o realismo mágico, onde as coisas são e, ao mesmo tempo, não são. Por este motivo, não sabemos se as personagens, mesmo as do tempo presente, tanto em Antigamente como em Vila Longe, estão de facto vivas ou não.
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