terça-feira, 12 de junho de 2012

BLOG CULTURAL OUTROS 300 - 1 ANO: LÍCIA DALCIN


Lícia Dalcin: "Não tenho o que se chama 'currículo literário', não no sentido canônico, se é que existe um sentido canônico para currículo literário. Nunca publiquei o que quer que fosse de literário em papel. Comecei a publicar poemas em meu blogue em 2011, por insistência de amigos. Não sei por que nunca havia publicado antes, tenho suspeitas apenas, relacionadas a meu jeito meio ostra, ou, como dizem meus amigos, jeito de “bicho-do-mato”, que escrevo com hifens porque vejo na palavra um infinito que o sintagma não alcança. Mas isso sou eu. No mais, posso dizer que venho do RS, estou no ES desde dezembro de 1999, ano em que obtive o Título de Mestre em Letras pela UFSM. Nunca fui dada a questões de publicação, mas sempre tive com a literatura uma intimidade que só fui compreender (não sei se o verbo compreender é o melhor, mas careci de um) na época da graduação, embora amasse poemas desde criança – aos doze anos, era louca por Almeida Garrett, musicava poemas dele, cantava-os, encenava-os. E já escrevia poemas. Antes de aprender a escrever, inventava e contava histórias, principalmente para mim mesma, para meu irmão e para adultos (eram o melhor público, ao menos para as minhas histórias). Lembro-me muito de um monólogo que aos dez anos não escrevi, mas encenei, na hora, na garagem de casa, com palco e figurino – a personagem se chamava “D. Chiquita” e era uma criatura de lenço na cabeça, óculos enormes e muita conversa. Poemas tenho escrito sempre. Não penso em livro, o blogue já existe para que eu possa expor apenas o que considero que valha a pena ser lido. Claro, isso sou eu. Não escreveria para comer. Não temo as palavras em geral, mas mercado me soa como nome de um inimigo. Schopenhauer, do jeito dele, escreveu que o tal do mercado é a ruína da literatura. Vai-se ver e é mesmo (penso). Mas meus horrores à literatura com fim comercial datam de muito antes de minha intimidade com o filósofo. Daí (talvez) nunca ter publicado um livro. O que sempre me interessou foi o prazer de ler, escrever, encenar, recitar – principalmente quando me apanho só. Mas – isso sou eu. Abaixo, o meu poema 'A grita certa'":


A GRITA CERTA

Há muito com que expressar desespero.

Nudismo em horas extraordinárias, em cores extraordinárias,

em lugares extraordinários.

Grita-se exatamente como se pode, com as feições que couberem

sob a criação. Há de se insultar, a mostra chula do verbo.

Há de se dizer veneno em vozes diversas.

O desespero há cores, tamanhos e feitios, todos prontos

- para o infinito.

Querer gritar – eis o caso

e que a hora de poder fazê-lo não se perca.

Não há justiça em calar a dor, não importa o feitio do que dói

- nem mesmo o que dói.

Porém, há de se gritar com propriedade.

A dor tem feitios e medidas – dispersos a perder de vista.

E exige para si a grita certa.

Assim, dor – eu!

Que faço diante

de mãos que amparam o

que não se pode amparar?

Que faço das visões

de velhacos em vias de fato?


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