sexta-feira, 8 de junho de 2012

LICENÇA CRÔNICA: ANTONIO ROCHA NETO


Antonio Rocha Neto é economista, cronista, filósofo e membro da Academia de Letras Humberto de Campos (Vila Velha). Confira, abaixo, a crônica “Nos corre-corres da vida":

Nos corre-corres da vida

- Pronto, chegamos ao Restaurante. Vamos beber alguma coisa, enquanto o Adilson não chega?

- Vamos. Peça a carta de vinhos ao garçom, por favor.

Após já terem apreciado a primeira garrafa de um bom vinho chileno, o Adilson aparece, meio sem graça, pelo atraso.

- Desculpa aí gente, eu não sou de me atrasar, vocês sabem, mas é que assim que saí do banho o telefone tocou, e era uma amiga, que eu não via há um bom tempo, e conversa vai, conversa vem, acabei dizendo a ela que eu teria que desligar, porque havia marcado com uns amigos aqui na Trattoria Trentina. Foi só eu dizer isso que ela, imediatamente, se convidou a vir comigo, claro, se não tivesse problema, e claro, eu disse que não tinha problema, pois eu viria sozinho mesmo.

- Sim, mas onde está ela? Veio com você?

- Sim, veio Leo. Está estacionando lá fora. É que eu já estava tão sem graça que vim na frente, pra ir me desculpando com vocês!

- Volta lá então, cara, e acompanha a moça até aqui!

Ele voltou. Nos seus 1,57m de altura, e passados uns dois minutinhos readentra o recinto, estrategicamente iluminado para criar uma atmosfera com luminosidade voltada a destacar quem entra no ambiente, acompanhado dela, de sua convidada casual, desfilando sobre um salto plataforma de uns 12 cm, o que elevava sua doce, suave, sensual, perfumada e inquietante figura ao patamar de 1,95m, ou algo perto disso.

Leonardo cruzou e descruzou as pernas, enquanto ela vencia (e que vitória incontestável!) os poucos metros entre a entrada do restaurante e a mesa. O burburinho que até então se ouvia no ambiente (afinal, era uma cantina italiana!) cedeu lugar a um venerável silêncio, com todos os olhares centrados nela. Qualquer um poderia jurar que ela entrara desacompanhada na Trattoria Trentina, não fosse o barulho da pesada cadeira de cedro maciço, arrastada com esforço pelo Adilson para que ela tomasse lugar à mesa (ou às mesas, já que não passava despercebida a nenhum dos presentes).

- Oi gente! Prazer! Meu nome é Mirella, e eu e o Adilson nos conhecemos desde que éramos pequenos (o Adilson, a rigor, ainda era, pensou o Leo, sem dizer, mas o Adilson leu este pensamento em seu sorrisinho). Já a Adriana, esposa do Leo, atribuiu a outro motivo a felicidade estampada na cara do marido, e foi logo dizendo:

- Então, vamos fazer logo os pedidos? Tô com uma fome danada!

Sem graça, a graciosa Mirella se desculpa – Puxa vida gente, a culpa do atraso foi toda minha! O Adilson já estava pronto para vir, talvez até chegasse antes de vocês, mas é que eu tive que tomar banho ainda, lavar os cabelos, e mulher, vocês já viram, né, como é indecisa para escolher uma roupa!

- Mas se o atraso foi para que você escolhesse este vestido, então você está, com certeza, desculpada! Não é não, Leo???

- Sem dúvida! – responde Leo, sob o olhar de censura de Adriana.

- Mas Leo – diz Mirella, com uma intimidade que a Adriana se perguntava o que é que lhe autorizava – eu acho, quero dizer, eu acho não, eu tenho certeza de que lhe conheço! Você não corre todas as noites no calçadão de Camburi?

- Sim, corro!

- Eu é que preciso, uma hora dessas, tomar vergonha e começar a correr também! – comenta Adilson.

- Você sempre usa camisetas verdes, não é?

- É – diz Leo, surpreso – Comprei, certa vez, uma meia dúzia de camisetas Hering numa liquidação, e eram todas verdes. Uso-as sempre para correr.

- Pois não se lembra de mim correndo na praia? Não corro sempre com a mesma cor, como você, mas tô sempre de calça de lycra e um topizinho.

- Engraçado, eu não me lembro de já tê-la visto, não! – disse o pobre do Leo, com a maior sinceridade, por mais incrível que possa parecer!

Adriana, diante daquele cinismo do marido, se levantou, bruscamente, com vontade de ir embora. Mas para não causar mal estar, foi ao banheiro, para justificar o ter ficado de pé.

Bem, o Adilson, a Mirella e o Leo se fartaram com os deliciosos pratos que escolheram, e degustaram mais algumas taças de vinho. O mesmo não se pode dizer da Adriana, que também escolheu um belíssimo Fuzille ao molho de Gorgonzola com Filé ao ponto, mas mal tocou no prato. De repente, havia ficado indisposta.

Coisa de umas duas horas após a chegada do Adilson (e da Mirella, claro!) despediram-se, com a promessa da Mirella ao Leonardo:

- A gente se cruza no calçadão então, hein Leo?

Foram para casa, ele feliz, sorrindo de canto a canto, por ter saído e botado em dia o papo com o Adilson, seu pequeno, mas tão grande amigo. Ela, emburrada, muda, incomodada com aquele sorriso na cara do Leo, que só conseguia relacionar às pernas (e que pernas!) daquelazinha!

Na noite seguinte, uma segunda-feira, após sua corrida na praia e já debaixo das cobertas, Leo comenta:

- Sabe com quem eu cruzei hoje, correndo lá no calçadão, Dri?

- QUEM??? – Pergunta ela, o veneno escorrendo por cada uma das interrogações, que mais do que nunca se assemelhavam a anzóis, loucos para fisgar uma pobre presa.

- Com o Adilson! Bem que ele disse que precisava tomar vergonha e começar a correr!

- SOZINHO?

- Olha Dri, eu não reparei não. Boa noite! – E deu um beijo na esposa.

Dois ou três minutos depois, Leo já se encontrava viajando pelo reino do sonhos dos justos. Já a Adriana, acho que ainda rola na cama!!!

3 comentários:

  1. Parabéns pela excelente crônica, Antônio!

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  2. Gostei, a crônica tem esse intuito de você esperar algo e ela acaba de dando outro final. Muito bom parabéns pelo trabalho. Um abraço.

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  3. antonio é fera. mt bom. parabéns.

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