A audição de faixas do CD “Praça Tiradentes”, em fase de finalização, faz pensar, inicialmente, que o bom e velho Odair José — dos clássicos populares lançados na década de 1970 — está de volta. Logo em seguida, porém, quando se atenta para os arranjos, a produção de Zeca Baleiro, a participação de Paulo Miklos, a presença de músicas de Chico César, do próprio Baleiro e da dupla Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown em total harmonia com a safra de Odair, percebe-se que é uma volta, sim, mas do bom e novo Odair.
A conversa com o compositor reafirma isso, quando ele compara o CD com os discos de sua melhor fase e diz que, física e mentalmente, sente o vigor da juventude.
— Estou escrevendo com o mesmo tesão de quando era jovem — resume o compositor de 63 anos, que lançou seu último CD de inéditas, “Só pode ser amor”, em 2006. — Na década de 1970 eu ficava feliz em fazer aquilo. Depois, tomei o xarope da babaquice e passei a fazer as coisas sem interesse. Agora mudou. Já bebi, já fumei, já andei perdido em todos os caminhos. Parei com tudo, faço academia regularmente há quatro anos. Estou obcecado por estar bem, com energia para que o corpo siga o ritmo da minha mente, das músicas que quero fazer.
O reconhecimento de novas gerações ao longo da última década — de Tribalistas a Cidadão Instigado, numa revalorização iniciada com o livro “Eu não sou cachorro não”, de Paulo Cesar de Araújo, e que gerou o CD-tributo “Eu vou tirar você desse lugar” — serviu de estímulo a Odair. Mas sua disposição ainda não era a atual quando Baleiro falou pela primeira vez com ele sobre um disco novo.
— Eu e Odair ficamos amigos, e um dia ele foi ao meu estúdio. gravar coisas novas — lembra Baleiro. — Mostrou umas dez músicas, todas boas. Sugeri na hora fazermos um CD. Ele disse que ia passar aquilo para uns cantores, não queria mais fazer disco. Mas botei pilha por um tempo e ele aceitou.
Um ano e meio depois do início dos trabalhos — a base foi gravada ao vivo no estúdio com a banda de Baleiro, formada por Tuco Marcondes (guitarra), Fernando Nunes (baixo), Kuki Storlarski (bateria) e Adriano Magoo (teclados) — o resultado aparece em “Praça Tiradentes”. A safra traz Odair autobiográfico na dylaniana-sertaneja faixa-título — que cita o lugar que foi seu primeiro endereço no Rio, quando veio de Goiânia. Suas vivências, aliás, se espalham pelo CD.
— “Aconteceu” tem a ver com o que vivia quando compus: andar por aí, beber uns drinques, esbarrar com alguém — diz o compositor, referindo-se à ode ao amor fortuito que tem a participação de Miklos e destila o estilo Odair em versos como “Num hotel sem conceito/ Rolando na cama/ Sem nenhum preconceito/ A gente se ama/ Bebendo um scotch/ Falso e sem gelo/ Mostrando pro mundo/ Que amor vagabundo/ Também tem seu apelo”.
Se Odair depura a poética consolidada em canções como “Uma vida só (Pare de tomar a pílula)” e “Eu vou tirar você desse lugar”, Baleiro emula o compositor ao escrever a letra de “E depois volte pra mim” (melodia de Odair), sobre um homem que namora uma prostituta (“Pra todo mundo ela diz/ Que é modelo e atriz”).
— Ele sempre foi mais rock do que brega ou qualquer coisa — defende Baleiro. — Isso estava nas letras, nas quais sempre falou em sexo, drogas, amor homossexual ou com garota de programa. E também na música, porque ele ouvia Peter Frampton, Led Zeppelin, que unia à sua origem goiana, do que veio a ser o sertanejo. Ele merecia um disco rock’n’roll. Os "riffs" do CD ele trouxe na ponta do dedo. “Vou sair do interior”, de Arnaldo e Brown, chegou como uma balada. Odair pegou e voltou com uma coisa “Penny Lane”.
Baleiro quer lançar por uma gravadora grande. Se não conseguir, o CD sai por seu selo, Saravá Records, até março. Odair sonha com um primeiro show na Praça Tiradentes, no Teatro Carlos Gomes, como que celebrando a volta ao início. Sem álcool, sem cigarro, mas com a filosofia de cronista "outsider" intacta. Como no olhar que lança sobre sua velhice-juventude em “Em qualquer verdade”: “Estou velho para aprender/ Mas estou moço para ensinar”.
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