domingo, 18 de março de 2012

SELEÇÃO DE SAMBAS E BOSSAS À MODA ANTIGA


O cantora, compositora e poetisa Andra Valladares lançou recentemente o disco “Andra Valladares”. Este é o seu primeiro álbum, o qual certamente é um dos trabalhos mais representativos do nosso cenário musical. O disco conta com arranjos e produção musical de Fabiano Araújo, além da participação de talentosos músicos como Wanderson Lopez, Edu Szajnbrum e Andrey Junca. A obra foi iniciada com recursos próprios e posteriormente patrocinada pela Prefeitura Municipal de Vila Velha, através da Lei Vila Velha Cultura e Arte. O disco foi lançado em janeiro com o "Show Poeticamente", no qual a autora executou o disco, recitou alguns poemas e homenageou suas grandes influências, como: Villa Lobos, Tom Jobim, Dorival Caymmi, Gilberto Gil, Chico Buarque e Adoniran Barbosa.

Tristeza e silêncio

“Andra Valladares” é composto de samba, bossa nova, samba-rock e jazz. Das onze faixas quem compõem o CD, apenas a última não tem a assinatura de Andra, trata-se da música “Três apitos”, de Noel Rosa. “Morena exibida”, faixa que abre o disco e foi composta em parceria com Sandra Sarmento, mãe da cantora, é um samba a moda antiga. Versa acerca daquela eterna “sedução morena” tão recorrente ao gênero. A canção tem um belo arranjo, que é acentuado pela suave e bonita voz de Andra. O samba de raiz continua em voga na segunda música, “Samba do boêmio”. A temática lembra muito as letras do grande sambista Cartola. “Tristeza vá-se embora, por favor,/ pois prentendo um só momento,/ de silêncio e sentimento,/ pra calar a minha dor.”, diz um dos versos. Remete ao universo de “Não quero mais amar a ninguém” e “O sol nascerá”, obras primas do mestre Cartola.

A terceira canção, “Maria das quimeras”, é um poema da escritora portuguesa Florbela Espanca. Andra Valladares pôs uma linda e perfeita música no poema saudosista, que acusa a presença do romantismo de fim de século e tem tons eróticos e biográficos ao mesmo tempo. Na seqüência, temos a triste, porém esperançosa, “Estrelas também vivem sós”, a qual tem ares de bossa nova. “Estrelas também vivem sós/ mas brilham na amplidão.../ Tudo isso é natural,/ resta aprender e acreditar que o amanhã virá...”, diz os versos.

Voz de veludo

A quinta faixa, “Canção para uma valsa lenta” é um poema de Mário Quintana musicado pela compositora. Voz de veludo e bela melodia para um poema que tem como temática a idealização da infância como a época mais bela da vida do poeta. Não é à toa que Mario Quintana é considerado por muitos como um poeta de romantismo tardio. Seus versos por vezes recuperam as paisagens da infância perdida, unindo, vias lembrança, o velho ao menino, aquilo que o tempo distanciou. A música seguinte, “Feliz”, é uma metacanção com exaltação ao amor, a vida, as belas coisas da natureza. Nesse sentido, a letra lembra muito as letras da bossa nova. Já ótima sétima faixa, “Se a saudade apertar...”, tem tom saudosista e temática similar a “Cordas de aço”, de Cartola, por versar acerca do violão que sofre por sentir saudades da musa.

O Samba-rock “As voltas que o mundo dá”, composto em parceria com Fabiano Araújo, é uma boa reflexão sobre as condições de vida que podemos superar/agüentar: “Ninguém sabe o que está por vir,/ o destino é mistério só...”. A canção revela os altos e baixos da vida. Por seu turno, “Miragens”, segue um rumo mais pop rock e tem uma letra mais urbana e pós-moderna, apesar de lírica. O bom blues “Não tenho coração”, também composto em parceria com Fabiano Araújo, tem tom romântico, versa sobre desilusões amorosas e tem tônica num amante que volta, sem emoção, e quer ser perdoado. A letra remete, assim, a canção “Judiaria”, de Lupicínio Rodrigues. Por fim, tem-se a única regravação do disco, “Três apitos”, de Noel Rosa. A cantora consegue dar emoção e vida a uma música que foi muitas vezes gravada. Destaque para o arranjo e piano de Fabiano Araújo. Ótima obra musical!

Canção para uma valsa lenta

(Andra Valladares em poema de Mário Quintana)

Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amas, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

Minha vida não foi um romance
Minha vida passou por passar
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches a vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!
Pobre vida que toda depende
De um sorriso... de um gesto... um olhar...

(Texto publicado no Caderno Pensar, de A Gazeta, no dia 17 de março de 2012)

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