Anaximandro Amorim (1978) é escritor, advogado, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pós-graduado em Direito pela Escola da Magistratura do Trabalho da 17ª Região (EMATRA - 17ª Região). Membro da Associação dos Professores de Francês do Estado do Espírito Santo (APFES), do Conselho Estadual de Cultura, da Academia Espírito-Santense de Letras e da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha/ES. Confira, abaixo, a entrevista com o escritor:
1 – Olá, Anaximandro! Temos a mesma idade (Sandro) e muito me orgulha e serve de inspiração o fato de em tão pouco tempo você ter conseguido produzir tantas coisas. Diga-nos, como começou a sua paixão pelas artes? Foi diretamente pelas coisas da escrita ou outros setores artísticos, como a música ou a pintura, por exemplo, o atraíram primeiro?
Resposta: Sandro, em primeiro lugar, muito obrigado. Fico feliz em saber que minha trajetória serve de inspiração a jovens talentosos como você e os outros membros do blog “Outros 300”, do qual sou fã e leitor. Ao mesmo tempo, é também questão de muita responsabilidade. Em todo caso, na verdade, escrevo há muito tempo, desde os 15 anos (atualmente tenho 33 anos), sempre com a convicção de que queria me tornar escritor. Tudo começou com desenhos. Sempre gostei muito de desenhar, desde criança e, assim, comecei criando pequenas histórias ilustradas, um misto de histórias em quadrinhos com livros infantis. Com o tempo, os desenhos foram cedendo lugar aos textos e, sem me dar conta, o ilustrador tinha se tornado escritor. E daí para diante...
2 – Você teve alguma influência familiar ou as artes entraram em sua vida por você somente?
Resposta: Eu devo muito aos meus pais, grandes incentivadores (até hoje) da minha carreira. Sou filho de pai advogado com mãe historiadora e, assim, os livros sempre foram algo muito natural em casa. Meus pais sempre fizeram questão de me franquear livros, CDs, entradas para peças teatrais, enfim, tudo o que fosse arte – e boa – como forma de “abrir a cabeça” e aumentar e minha cultura geral. O mesmo com o meu irmão.
3 – Além da literatura outros meios artísticos te atraem? Quais? Tem alguma outra habilidade artística além da escrita?
Resposta: Gosto de arte em geral. Claro, minha expressão artística preferida sempre foi a Literatura. Ultimamente, tenho tido um caso de amor com o Teatro. Comecei com o teatro amador, na escola, adaptando livros paradidáticos para os professores, pais e colegas. Atualmente, tenho feito algumas oficinas, mas, sobretudo, tenho resenhado tudo o que aprecio em termos de artes cênicas. Também gosto muito de música. Já cheguei a fazer teclado, com razoável destreza, mas gosto mesmo é de cantar: faço parte de dois corais, sou primeiro tenor, já tive banda e chegamos a gravar uma demo. Rock ’n’ roll. Dá pra acreditar?
4 – Brasil de ontem, hoje e sempre foi escrito quando você tinha apenas 15 anos. Como que se deu isso? Como um adolescente conseguiu convencer os adultos que poderia produzir um livro? Gostaria que você nos contasse um pouco sobre esse livro na perspectiva do Anaximandro de 18 anos depois.
"A História de um Sobrevivente" trata de um momento delicado da vida do escritor
5 – O que falta para que outros jovens de 15 anos produzam livros? Dinheiro? Vontade política? Vontade dos próprios adolescentes? Como participante de Academias de Letras, você deve conhecer muita gente que queira lançar seus trabalhos. Os jovens (como você um dia foi) são a maioria? Minoria?
Resposta: O que falta aos jovens é CORAGEM! Conheço muita gente (boa) com medo de lançar seus escritos. A desculpa é sempre a tal da “maturidade”. Oras! O que é maturidade? É uma conquista! Sim, participo de Academias de Letras e conheço gente aí que ainda não se acha pronta. Nem eu me acho. Ninguém está! Por isso, deixo uma mensagem aos jovens, aos iniciantes: PUBLIQUEM! Deixe sua Literatura amadurecer com você. Eu vejo diferença nos meus escritos iniciais e nos de agora, por óbvio, mas isso tudo faz parte. Hoje em dia, publicar ficou muito fácil. Um blog é uma publicação. Fora o sem número de editoras “on demand”, que publicam sem custo. E as leis de incentivo, é claro!
6 – Aliás, como você avalia o cenário literário na Espirito Santo e no país. Leis municipais e estaduais tem ajudado muita gente a lançar livros. Porém, o que falta para a iniciativa privada também ajudar?
Resposta: Eu tenho notado que o cenário literário tem se dividido, basicamente, em dois grupos: o dos “bestsellers”, fruto direto dessa atual grande mídia de massas, e os “pequenos”, que ainda tentam fazer algo menos comercial, mais artístico. Não que os primeiros não o façam. Acho que há espaço para tudo e o leitor tem direito de escolher o nicho literário que mais lhe agrada. Mas também acho que a sanha por vender livros tem negligenciado bons autores – e feito gente muito boa cair no ostracismo. Assim, resta aos verdadeiramente apaixonados pela escrita caminhos “alternativos”, como as editoras “on demand”, a internet e outros espaços. A coisa piora quando se fala de “locais”. É um grande problema levar a pecha de “capixaba” pois, antes de mais nada, eu sou um escritor “brasileiro”, não “guetizado” em um Estado. Porém, estar fora do eixo Rio-São Paulo significa estar fora do eixo “nacional”, além de representar mais um obstáculo. Quanto às leis de incentivo, já fui agraciado por elas e acho importante que existam, pois fomentar a Cultura é dever do Estado. Elas são necessárias também para aqueles que não sabem por onde começar. Foi assim comigo, há quase vinte anos. É assim com muita gente, até hoje.
7 – No país, a coqueluche tem sido os livros de autoajuda e de vampiros em detrimento a livros de poesia e romance. Por quê? Você acha que nossa população emburreceu? Tende a buscar o mais fácil? Ou sempre foi assim? O que podemos fazer para mudar esse panorama?
Resposta: Não acho que a população “emburreceu”, ao contrário. Foi, inclusive, capa da “Veja” de algumas semanas, o brasileiro anda lendo mais, fruto do acesso dessa nova classe média no mercado. No entanto, como o estudo e o incentivo da Literatura nos foram negligenciados durante anos, é natural que um povo sem tradição literária – apesar de contar com grandes autores – busque esse tipo de leitura. Existe também, como disse, um interesse da grande mídia por esses autores que “vendem muito”. Vejo tudo, no entanto, com bons olhos: da quantidade sairá a qualidade e tudo é cíclico. Bons ficcionistas ainda terão espaço, mais uma vez, não só na mídia, mas no coração dos leitores. Tudo é uma questão de letramento. E de tempo.
"'Concupiscência' nasceu do desejo de aliar poesia à prosa"
8 – Você acha que, mesmo assim, o importante é que os jovens estejam lendo, e que eles possam refinar seu gosto literário com o passar do tempo, ou a esperança de uma melhor qualidade de leitura futura é pura lenda?
Resposta: Sim, foi o que disse: da quantidade vem a qualidade e o importante é que se esteja lendo. Isso é fundamental. Além do mais, veja a quantidade de blogs e sites especializados. Isso também é literatura. Querendo ou não, o jovem anda lendo mais, independente do suporte. E isso é muito bom, não há escritores sem leitores. O resto é uma questão de gosto: quem gosta de autoajuda, procura autoajuda. Quem gosta de poesia, procura os poetas.
9 – Tenho focado na juventude exatamente por você ter sido o membro-fundador da Academia Jovem Espírito-Santense de Letras, em 2001. Como é que surgiu a ideia? Conte-nos como foi o inicio dessa jornada.
Resposta: Modéstia à parte, acho que a Academia Jovem Espírito-Santense de Letras foi um dos mais importantes movimentos literários do início da década de 2000. Ela nasceu em 2001, da ideia do escritor Leonardo Monjardim, que publicou nos jornais de grande circulação um anúncio, a procura de membros. Mandei um currículo e os livros que até então tinha publicado (“Brasil de Ontem, Hoje e Sempre” e “Asas de Cera”) e, felizmente, fui aceito. Tomamos posse na Assembleia Legislativa, a 13 de setembro. Éramos inicialmente 25 jovens, com idades entre 16 a 32 anos. Eu tinha 22 anos na época. Acho que a Academia Jovem foi muito importante por ter me lapidado como escritor. Posso dizer que ela foi uma espécie de ensaio para o escritor de hoje, além de ter tido a honra de conviver com jovens talentosos e que compartilhavam o mesmo amor pelas Letras do que eu. Onze anos depois, a AJEL mostrou frutos também com outros autores como Talita Ferreira, Gabriel Menotti e Marcelo dos Santos Netto.
10 – Ainda no campo da juventude, você apresentou o Jovens Escritores em 2003. Como foi esse período? Porque não temos outros programas sobre literatura na TV?
Resposta: Fui descoberto por Luis Antonio Albuquerque, um experiente diretor de televisão, em 2003, em um sarau da Academia Jovem, no Centro da Praia Shopping, em Praia do Canto, sendo entrevistado pelos repórteres Nizio César e Ângela D’Ávila. Luis Antonio estava montando um canal a cabo local de televisão, a DTV (Digital Television) quando me convidou para montar um quadro semanal de 15 minutos, sobre literatura, o “Jovens Escritores” que, em princípio, seria voltado à nova geração das Letras do nosso Estado. A iniciativa, felizmente, deu tão certo, que o quadro virou um programa de meia hora e, apesar do nome, contemplou entrevistas com autores de todas as idades, de iniciantes a veteranos, durando dois anos (de 2003 a 2005) e perfazendo um total de 105 edições, sempre com muita audiência.
O programa “Jovens Escritores” fez escola e hoje a TV Assembleia contempla em sua grade o “Dedo de Prosa”, para o qual já concedi entrevista. Há também alguns programas locais que, apesar de não voltados exclusivamente para as Letras, convidam, de vez em quando, autores da terra, o que é muito bom. Mas, apesar de tudo, o escritor, sobretudo o da terra, ainda carece de mais espaço. Era o que tentávamos fazer com o nosso programa.
11 – Atualmente, você é membro da Academia Espírito-Santense de Letras - AEL e da Academia de Letras Humberto de Campos, de Vila Velha/ES. Como tem sido a experiência de participar de tais organizações?
Resposta: Eu me lembro do dia em que, ainda adolescente, passeei com meus pais pelo Centro de Vitória e “descobri” a Academia Espírito-Santense de Letras. Eles, proféticos, disseram que eu ainda faria parte daquela instituição, o que se deu oficialmente em 16 de setembro de 2010, para minha grande alegria! Sempre quis ser membro dessa associação de escritores, cujas reuniões frequentava ainda na época da Academia Jovem. Apesar das críticas, acho que as Academias de Letras desempenham importante papel no fomento às Letras e, no caso da AEL, posso afirmar que temos aí uma instituição atuante, com 90 anos de tradição, que promove lançamentos, concursos, reuniões, mesas redondas, além do intercâmbio com autores de dentro e de fora de outras Academias. Estar ali é sempre um grande aprendizado e uma honra, pois significa que fui votado pelos meus atuais pares, por quem sou muito grato.
A Academia de Letras Humberto de Campos foi uma feliz surpresa, pois, apesar de capixaba de criação, sou canela verde de nascimento. Estar ali resgata minhas origens e me põe em contato com os meus colegas escritores de Vila Velha. Gosto muito dos saraus, são sempre animados, bonitos, com boa música e lindas poesias. É quando também me permito o meu lado poeta, seja com minhas próprias publicações, seja com poemas de outros autores. Entrei na ALHC em 02 de julho de 2011 e tenho muito prazer em fazer parte daquela instituição.
12 – Além de Brasil de ontem, hoje e sempre você também produziu Asas de Cera e Concupiscência. Conte-nos acerca destes dois trabalhos.
Resposta: “Asas de Cera” foi meu primeiro romance. Foi lançado em 1995, um ano depois do meu primeiro livro, “Brasil de Ontem, Hoje e Sempre”, na antiga livraria “A Edição”. Eu tinha 16 anos na época e era (ainda sou) completamente apaixonado pela prosa de José de Alencar. Conta a história de Victor Duran, um jovem petropolitano, descendente de franceses, de sua infância até sua morte. Narrado em primeira pessoa, foi muito elogiado por eu ter me utilizado de uma difícil técnica literária, a do “flashback”, o que me permitiu contar a história “de trás para frente”. Lembro-me, também, que me utilizei de uma letra da banda inglesa de “heavy metal” Iron Maiden, “Flight of Icarus”, como uma das epígrafes, causando “frisson” na época e me rendendo até uma matéria no “Caderno Dois” de “A Gazeta”, feita pelo jornalista e escritor José Roberto Santos Neves!
“Concupiscência” nasceu do desejo de aliar poesia à prosa. Lancei-o em 2003, na I Bienal Capixaba do Livro. Ele conta a história de um personagem inominado que coaduna a história de sua vida com a do livro “A Insustentável Leveza do Ser”, de Milan Kundera. A obra já chama atenção pelo título, causando curiosidade. Quis retirar a noção de tempo, de espaço e, propositalmente, dou fala aos personagens apenas no segundo capítulo, o que me fez aproveitar do substrato psicológico da trama. São três capítulos que podem ser lidos como contos autônomos ou como partes de um todo. Felizmente, o livro também foi muito bem aceito, apesar do caráter mais experimental que eu dei a esse romance.
13 – Deixei propositalmente A História de um Sobrevivente para a pergunta seguinte, pois o livro, forte, trata de um momento delicado de sua vida (sofreu acidente que o deixou em coma por 10 dias, além de ter passado por inúmeras intervenções médicas). O que mudou em sua vida após o acidente? Como se deu a construção e concepção deste livro? Produzir um livro foi um jeito mais suave de lhe dar com as lembranças do ocorrido?
Resposta: Fui vítima de um grave acidente automobilístico em 07 de setembro de 2009 quando, em viagem pela BR 101 norte, o carro em que estava foi atingido violentamente por outro que invadiu a contramão. Estava no carona e o cinto de segurança lacerou meu intestino, provocando um quadro agudo de peritonite. Fora meses de agonia e uma difícil recuperação, mas hoje estou 100% restabelecido!
Ver a morte de tão perto é algo que mexe com a gente. Quem já passou por uma situação como essa sabe do que estou falando. Assim, escrever “A História de um Sobrevivente” foi uma forma de lidar melhor com essas lembranças. Resolvi me utilizar desse dom que Deus me deu, que foi a escrita, para conseguir me aliviar do peso do acontecido e transferi-lo para o papel. Engana-se, no entanto, quem acha que o livro é triste: apesar de autobiografar uma passagem difícil da minha vida, resolvi fazê-lo de forma romanceada, com uma linguagem bem leve, como se estivesse conversando com o leitor. O livro tem como objetivo passar uma mensagem de esperança, sobretudo àqueles que, como eu, foram vitimados por um dos trânsitos mais violentos do mundo; ou para aqueles que se encontram lidando com alguma enfermidade, algum obstáculo na vida. Certamente, milagres existem. Eu sou um deles.
Neste ano faço três anos de (re)nascido. Costumo brincar que não tenho 33, mas 3 anos de idade! Hoje sou um homem feliz por contar com dois aniversários, o de nascimento (no dia 14/12) e o de renascimento (no dia 07/09), que faço questão de comemorar com direito a bolo e tudo! O que aprendi disso tudo? Primeiro que ansiedade não está com nada! As coisas vêm quando devem vir e pronto, mas, sobretudo, que viver é bom demais e que, certamente, a gente precisa dar um tempinho pra gente mesmo, sem nenhum pudor. Porque a vida passa muito rápido e, às vezes até, pode passar em um instante.
14 – Felizmente, você é um sobrevivente e esperamos que continue contribuindo para as artes capixabas por muito tempo ainda, aliás, aproveitando, quais são os projetos futuros de Anaximandro Amorim?
Resposta: Estou com quatro livros prontos: um de poesia, um de crônicas e dois romances. Portanto, meus planos são de lançá-los, cada um em seu tempo. Tenho me dedicado muito à prosa curta ultimamente, sobretudo à crônica e à resenha. Mantenho uma homepage pessoal (www.anaximandroamorim.com.br), que, recentemente, ganhou uma nova seção, “artigos”, com espaço para publicação de meus ensaios, além de biografia, fotos, vídeos e, é claro, meus livros. Tenho apostado muito na internet como ferramenta de divulgação e o retorno tem sido bem positivo.
Também sou o coordenador do site www.poetas.capixabas.nom.br, o maior repositório de poetas do Espírito Santo, com mais de 2.000 escritores e 8.000 poemas! A página foi criada pela escritora Thelma Maria Azevedo, uma grande amiga que se foi no ano passado, e agora está sob minha direção, o que muito me honra em dar continuidade a tão importante projeto. Tenho a pretensão de aumentar esses números e de, no futuro, mudar um pouco a cara do site, mantendo, obviamente, tudo o que foi feito pela Thelma. Lembrando que esse é um trabalho coletivo, portanto, novos poetas e novos poemas são sempre bem-vindos!
Muito obrigado aos direitores do blog. Além do espaço, a edição de vocês ficou caprichada! Sds. Anaximandro.
ResponderExcluirOlá Anax e amigos do +300 que legal a entrevista! é muito bom ver um jovem como Anax implicado com a cultura, com o trabalho, trabalhando em prol de um ideal, que essa trajetória sirva de exemplo para outros jovens...abraços
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