Em tempos de militância gay na Europa e Brasil um fato chamou atenção dos amantes do cinema. No mesmo dia em que ferozes protestos tomaram a França, retaliando a autorização nacional daquele país ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o filme 'A Vida de Adèle', que retrata a descoberta do homossexualismo de uma jovem, venceu o prêmio mais importante do festival de cinema de Cannes. Tal "coincidência" levanta uma importante questão: Será que é o cinema que influencia a sociedade ou é a sociedade que tem influenciado o cinema? Confira a opinião dos artigueiros do Outros 300.
Crítica
Papéis invertidos
Cinema premia temática da moda e põe vitória de filme de tunisiano em cheque
Desde sua criação em 1895 e sua ampla propagação após a introdução do som nos filmes em 1927, o cinema tem sido um dos mais fieis espelhos do que é e tem sido as sociedades em suas épocas, seja tomando sua essência de ocasião e pondo-las em seus filmes, seja impondo novas modas e pensamentos à sociedade.
O cinema mostrou sua força logo nos anos 40 quando filmes de gangsters americanos eram a grande pedida nas salas de cinema. Os filmes, que retratavam o que acontecia na sociedade americana na época (com mafiosos de bebidas e jogos até então ilegais), foram acusados de trazer um modelo de way of life nada comportado a seus espectadores. Apesar de fazer grande sucesso nas bilheterias, a indústria cinematográfica norte americana tirou os filmes do ar, passando a focar em filmes de entretenimento (especialmente aquele interpretados pelos geniais Fred Astair e Ginger Roger) que em nada lembrasse a turma de Al Capone e cia. Ainda assim alguns clássicos como Little Ceasar e principalmente Public Enemy estão, pra sempre, marcados na história do cinema.
Contudo era impossível que o cinema não bebesse na ampla fonte que a sociedade servia e, nos anos seguintes, a possível segunda guerra mundial passou a ser uma das principais temáticas abordadas. Ainda de forma velada (afinal até então os EUA não tinham declarado confronto a ninguém) filmes como O Correspondente Estrangeiro de Hitchcock e Confissões de um Espião Nazi retratavam o espírito daquela época. Até o clássico Casablanca tem a temática primeira e segunda guerra como pano de fundo.
Casablanca conta a situação dos refugiados, que tentam obter o visto para a América que, por sua vez, demonstra favoritismo aos aliados.
Fundidos
Até então havia a convicção que o cinema era uma indústria ficcional e o que era retratado na telona era, na pior das hipóteses, uma versão exagerada do que era a vida real. Contudo em 1955 durante a exibição do clássico Juventude transviada que pela primeira vez percebemos que o cinema tanto expunha modismos novos quanto tanto também somente os reproduzia.
É fato que após Juventude transviada os meninos com jaquetas, brilhantina e "pega rapaz" no cabelo, andando endiabradamente em cima de motos, se multiplicaram aos montes, seja pela América, seja pelo mundo inteiro.
Esse modismo, era fato, compactuava para a imagem que o cinema era quem influenciava a sociedade e não vice versa e era a conclusão final de seu poder, direto e indireto, de persuasão.
Por isso que os anos seguintes, tão efervescentes, tentavam ser "esquecidos" por Hollywood que investia em musicais e comédias que tentavam, ao máximo, fugir do que acontecia no mundo do lado de fora do cinema. Foi um fracasso por lá. No Brasil as chanchadas da Atlântida faziam grande sucesso, e figuras como Grande Otelo e Oscarito eram estrelas de primeira grandeza aqui.
Coube a figuras como Woody Allen, Robert Altman, Michael Cimino, Francis Ford Coppola, Brian De Palma, Milos Forman, Stanley Kubrick, George Lucas, Roman Polanski, Sydney Pollack, Martin Scorsese, Steven Spielberg e Ridley Scott "reconstruírem" o cinema americano, e filmes que abordavam sexo, política, violência e drogas, voltaram à telona.
Desta época clássicos como “Bonnie & Clyde”, “A Primeira Noite de um Homem”, “2001: Uma Odisséia no Espaço”, “O Bebê de Rosemary”, “Butch Cassidy ”, “Easy Rider- Sem Destino”, “Perdidos na Noite” e “Love History- Uma História de Amor” foram filmados.
'O bebê de Rosemery'. Terror sacudia a pasmaceira que dominava os cinemas nos Estados Unidos.
Equilíbrio
Foram a partir dos anos 70 que o cinema passou a entender sua importância perante a sociedade e finalmente soube lhe dar com seu legado. Mais light por causa da época política do mundo (pós Vietnã) o cinema desta década focou em entretenimento. Na década John Travoltiana (de "Embalos de Sábado a Noite" e "Grease"), Hollywood quis impor a seus jovens que a única forma de nos recuperarmos de tempos tão difíceis. Deu certo.
Enquanto nos EUA a galera dançava 'Stayn Alive', no Brasil a gente via Sônia Braga e Matilde Mastrangi peladas nas pornôchanchadas, ambos com muito sucesso. Uma coisa era certa: Política era assunto de segundo plano nesta época.
Os anos 80 e 90 passaram sem grande atropelos no cinema. E, apesar de uma ou outra divergência, era entendido que o cinema, no final das contas, era quem influenciava a sociedade. Isto até 2013...
Modismo no cinema?
Bem... É claro que não foi exatamente em 2013 que chegamos a esta conclusão, mas um fato especialmente pontual aconteceu durante a premiação do Festival de Cannes. "Coincidentemente" o filme 'A Vida de Adèle' do diretor tunisiano Abdellatif Kechiche venceu a principal categoria, a de filme do ano.
O filme conta a historia da descoberta da homossexualidade por uma garota, que vive uma forte relação com outra mulher. Adèle Axerchopoulos e Lea Seydoux têm cenas íntimas que beiram o sexo explícito. A Palma de Ouro consagra um filme e um tema que viraram tabu na Franca.
Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, estrelas de 'A Vida de Adèle' filme com premiação posta em cheque.
Ainda mais porque exatamente no mesmo dia em que o filme era premiado, aconteciam naquele país fortes manifestações contra o casamento gay, autorizado por parlamentares em dias anteriores. Tal acaso pôs em cheque a vitória do filme. Será que o festival de cinema estava militando na causa gay? E por isso premiou o filme? Se sim o cinema entra em um perigoso terreno. Premiações acontecem para premiar os melhores e não um filme que esteja expondo a temática de um momento. Se isto começar a ocorrer (e o Oscar, vez por outra, comete essas injustiças por politquismo) começaremos a desconfiar e a desacreditar das premiação, ficando sem norte na escolha dos melhores.
Um precedente nada confortável será instaurado e suspeito que a qualidade dos assuntos abordados cairá, uma vez que produtores podem apelar para oportunismos baratos. Não posso afirmar categoricamente que o filme ganhou por militância, uma vez que não o vi. Felizmente, segundo dizem, de fato 'A Vida de Adèle' foi o melhor dentre os concorrentes e que sua vitória se deve pura e simplesmente a sua qualidade. Tomara. Apesar de eu ter lá minhas dúvidas. Estou torcendo para o filme chegar logo ao país para nós tomarmos nossas próprias opiniões e que o cinema continue militando, mas de forma correta e justa, sem oportunismos...
Belo texto, apesar de discordar dos comentários sobre o filme citado, pois odiei o mesmo.
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