Nesta semana 'Somos Tão Jovens', filme que narra a adolescência de Renato Russo atingiu a sexta maior bilheteria do "novo cinema nacional". O sucesso e a mítica em torno do ídolo ainda rende muita atenção e curiosidade. O Outros 300, fã incondicional do trabalho do artistas, aproveita a oportunidade e lhe traz três entrevistas: Com Thiago Mendonça (que fala, claro, sobre o filme), com Giuliano Manfredini (filho de Renato e detendor dos direitos artísticos da Legião), e com o próprio Renato Russo (numa de suas últimas entrevistas). Confira este super pacotão abaixo:
Entrevista Thiago Mendonça
Cinema em cena
Cinema em Cena: A produção do filme atrasou um pouco, até a estreia, o filme foi adiado algumas vezes...
Thiago Mendonça: Algumas vezes (risos).
Quanto tempo você teve desde descobrir que ia ficar com o papel até a estreia?
A
preparação começou quando a gente já tinha a data da filmagem. Mas o
convite, a possibilidade de fazer o filme, apareceu em 2007. Eu me reuni
com o Fontoura, a gente conversou e tudo mais e já surgiu a
possibilidade de fazer esse filme, que seria para 2008. E assim foi, e
aí depois 2009, 2010, até acontecer em 2011. Mas no finalzinho de 2010
realmente já estava acertado que em 2011 ele seria rodado. Então, quando
foi janeiro de 2011, no comecinho do ano, eu comecei a frequentar o
estúdio do Carlos Trilha, que é produtor musical do filme e produtor
musical do Renato, de alguns discos solos do Renato, amigo pessoal do
Renato.
E aí, de janeiro até maio, quando o
filme começou a ser filmado, foi esse envolvimento com a música, para
aprender a tocar os instrumentos, aprender a cantar o repertório do
filme e viver esse universo da musicalidade, que pra mim era tudo novo,
né? Se fosse uma coxia de teatro possivelmente eu ia ficar mais
confortável, mas o estúdio de música, palco, como cantor, instrumento
pendurado em mim... Isso era tudo novo. Foi esse tempo de preparação
mais profunda, um mergulho mesmo. Eu até digo que eu entrei em órbita,
porque o estúdio do Trilha se chama “órbita estúdios” (risos).
E eu ia para lá de segunda a sexta, ou
sábado também, nem lembro, e era o dia inteiro. Chegava lá as 9 da
manhã, almoçava, passava o dia, e saía de lá de noitão. E aí esse
convívio não era só com o Trilha. Era o Trilha, o Fred Nascimento, que
tocava violão nos shows da Legião, o Fernando Morello, a Carmem Teresa,
irmã do Renato, Luiz Fernando Borges. Essa turminha tava sempre pelo
estúdio, que já era um ambiente que me aproximava do Renato por si só,
ainda estando cheio de pessoas que com ele viveram, isso era mais
enriquecedor ainda. E eu comecei a aprender não só a música, mas a
observar essas pessoas, ficar atento para as histórias que elas
contavam. E todos foram muito generosos mesmo, de entrega, por isso que
eu não tenho essa sensação de que esse filme é um mérito meu, é um
trabalho meu. Não é um trabalho meu. É um “mosaiquinho”, dedicação de
cada um, tem um pouquinho de cada um ali.
As músicas tocadas no filme foram todas captadas ao vivo, não? Vocês tocavam na hora...
Sim, sim.
E você aprendeu a tocar baixo e
guitarra para o filme, ou já sabia? Teve alguma preparação para
aproximar o timbre de voz? Ficou muito parecido...
Teve várias coisas. O Fernando Morello
era mais focado nessa preparação vocal. O Trilha e o Fred Nascimento na
coisa dos instrumentos, na musicalidade. O Trilha na música como um
todo, porque ele é o diretor musical do filme. Mas eu tive que aprender
tudo para o filme, sim. Eu não tocava antes, não.
Mas essa já é a segunda cinebiografia que você faz de músicos. Então, você tem alguma preferência ou experiência na área? Te ajudou em alguma coisa?
Não, preferência nenhuma. Cada filme vai te trazer um envolvimento diferente. E sem falar que eu já sou uma pessoa diferente. O 2 Filhos... eu fiz em 2004, tinha 24 anos, o Somos Tão Jovens
eu fiz em 2011, já tinha 31. Só esse espaço de tempo de sete anos na
minha vida já me faz uma pessoa diferente, então é claro que as
experiências que eu vou ter, elas também serão diferentes. Porque eu
parto do princípio que eu estou em todas elas. Eu estava fazendo 2 Filhos de Francisco,
eu estava! Não tem essa coisa do interpretar distante, não.
Interpretação é uma doação de corpo presente, você só cabe estar naquele
momento. Eu sendo uma pessoa diferente, isso aí já modifica as
experiências.
E são dois universos distintos, né? Um é
a música sertaneja, o outro é a música mais urbana, de uma metrópole,
da capital, da central do Brasil. São até próximos fisicamente. Acho que
são uma hora e meia a duas horas dali, Distrito Federal fica no meio de
Goiás. E até a música mesmo, eu acho que elas são parecidas, no sentido
de cantar um sentimento genuíno, sabe? Da experiência das pessoas com o
lugar. E se for pensar em letra, é até complementar também. O Zezé e o
Luciano cantavam “É o Amor”, o Renato cantava “É Só o Amor”. Olha como é
uma ideia parecida (risos). E é mesmo, né? “É só o amor que conhece o
que é verdade”.
E você cresceu ouvindo as
músicas da Legião? Porque existe uma “religião”, toda uma legião de fãs.
Isso aumenta a responsabilidade? Você recebeu apoio dos fãs? Uma
cobrança maior?
Olha, eu tenho a consciência, sim, de
que esses fãs são fanáticos, tem todo esse envolvimento. Mas isso eu
acho que é uma coisa... Porque você endeusar uma pessoa, eu não acho que
é engrandecê-la. Engrandecer uma pessoa é você reconhecê-la como um ser
humano e como um ser humano legal. Deus é Deus. Ou deuses, né? Eu
respeito as crenças diferentes, eu acho que Deus está em cada um. Mas o
bacana é você ser um ser humano legal, não um Deus. Então, essa relação
que os fãs têm às vezes de endeusar o ídolo, isso eu não sei, eu não
acho muito saudável, não. Agora, se você reconhece aquele mito como um
artista, como uma pessoa, como um ser humano e dotado de um talento
extraordinário, que comunica com as pessoas porque fala de um sentimento
universal, aí eu acho bacana.
E eu nunca tive esse envolvimento
passional de fã. Mas sou brasileiro, já fui adolescente, com certeza a
música da Legião já me inspirou em muitos momentos da minha vida. Então,
eu tinha consciência da importância da Legião Urbana. E do Renato
Russo, com toda essa poesia que ele cantava. E da contribuição, tanto do
Renato quanto da Legião, quanto de Brasília em si, para o rock
nacional, para a criação de uma identidade nacional, sabe? Essa
consciência eu tinha, sim, mas a minha relação era mais de ouvinte, não
de fã, nesse sentido de fanático.
E a imersão na vida pessoal do Renato? A família dele te ajudou?
Totalmente, totalmente! A Carmem Teresa,
irmã dele, estava sempre presente. Dona Carminha, a mãe dele, se fez
presente em alguns momentos. O Giuliano, filho dele, generoso ao
extremo. Sempre presentes, sim. E não só essa família de sangue, mas a
família dos amigos também. Como eu te disse, eu frequentava lá, a gente
almoçava junto, no próprio estúdio mesmo. Enfim, essas histórias
contadas e quase revividas por eles com certeza me alimentaram na
composição do Renato.
Aproveitando que estamos falando
da vida pessoal dele, estamos em um momento político delicado para se
falar de sexualidade, os artistas estão se posicionando em relação a
isso. Isso interferiu para você na questão de falar da bissexualidade do
Renato? Você acha que é um momento importante para isso?
Olha,
o filme não fala disso, é um filme de rock, é um filme de música. E eu
não creio que a sexualidade define o caráter de uma pessoa, ou a
valoriza ou desvaloriza, a qualifica ou desqualifica. Eu não sou uma
pessoa interessada com quem o outro se deita, eu me interesso com quem
eu deito, e tenho cuidado em me deitar com pessoas que venham me agregar
algum valor.
Agora, o que o outro faz ou deixa de
fazer, isso aí eu acho uma perda de tempo, e quanto mais uma pessoa
olhar para o outro, menos ela vai olhar para si. E essas pessoas que
estão muito preocupadas com sexualidade, ou onde mora o prazer do outro,
possivelmente elas têm uma má relação com seu próprio prazer, elas
possivelmente não são felizes e aí, sim, vão ficar se preocupando com o
que o outro faz.
Mas agora, o Renato... As pessoas são
diferentes, as pessoas são como são. O filme é sutil ao abordar, mas ele
já aponta ali um menino que gosta “de meninos e meninas”, está na
música do cara. E, assim, “momento delicado para se falar disso”? Por
que delicado? Enfim, não devia ser delicado nunca. E as pessoas não
deviam se preocupar tanto com o que o outro faz ou deixa de fazer, sabe?
Ou onde mora o prazer do outro. Tem que se dedicar a descobrir onde
mora o seu próprio, né?
E o filme não levanta bandeiras. Em momento nenhum ele tenta ser um filme que levanta bandeiras. Ele levanta uma bandeira do rock n’ roll, isso sim.
Neste mês, além do Somos Tão Jovens, também está saindo o Faroeste Caboclo.
Então, 17 anos depois da morte do Renato, ainda se fala muito sobre
isso. O que você acha que leva as pessoas a lembrarem depois de tanto
tempo da música da Legião?
É o valor das mensagens que são
transmitidas, sabe? Porque são valores eternos. Tipo, quando ele canta
“compaixão é fortaleza”, “disciplina é liberdade”, “ter bondade é ter
coragem”, sabe? Essas coisas todas são mensagens que vão atravessar
gerações, e que na verdade contribuem para que a gente seja um pouquinho
melhor, para que acredite que realmente é só amor que vem a
transformar. Isso é quase bíblico, né?
A gente tava falando de conflitos, dessa
coisa toda que a religião às vezes impõe. O que Deus vem entregar é só o
amor, e não o ódio e a intolerância. Deus curava desde os aleijados, os
cegos, de quem precisava, ele nunca excluiu ninguém por ser diferente.
Enfim, até à prostituta ele estendeu a mão. Ou a qualquer outra pessoa.
Ele não era uma pessoa que desagregava ou que vinha a pregar o amor.
Isso é a impressão que eu tenho. Quando eu leio a Bíblia é essa
impressão que eu tenho, que ele veio se entregar ao amor, e esse
sentimento maior ele é agregador, não segregador. Ele une. E se uma
pessoa é diferente, ela deveria ser mais interessante para você, porque
vai te mostrar outra possibilidade de vida, e não a você ficar fechado
naquilo.
Então, o Renato ele cantava essas coisas
que contribuíam para que nós fossemos melhores, como seres humanos, e
como cidadãos também, né? Uma letra como a de “Que País é Esse?”, que
faz a gente se perguntar por que essa sujeira está no Senado até hoje,
ou por que a gente continua “vendendo as almas dos índios por um
milhão”. Isso é muito importante. E que isso seja ouvido ainda.
Hoje em dia falta, talvez, atitude e coragem de cantar o que precisa ser cantado. Enfim... E com essa pegada do rock n’ roll ainda, ganha uma coisa mais vibrante ainda, mais forte.
Aproveitando que você falou do
contexto político também, o filme se passa na época da ditadura, e foi
filmado em Brasília, onde tudo ocorreu. Você acha que isso interferiu
muito na sua imersão na vida do Renato? No peso que essa política tinha
pra ele...
Brasília
é uma personagem do filme. E Brasília é muito presente na composição do
Renato, e na música dele em si. Então, esse contexto político, eu tenho
certeza que fazia parte do cotidiano deles, ali em Brasília. Ainda faz
até hoje, a cidade é isso. A cidade foi criada para isso, ela é, enfim, a
capital do nosso país. Então, se você vai falar de Brasília, se você
vai cantar Brasília, se você vai viver Brasília, possivelmente essa
questão política está envolvida. Ela vai ser narrada, ela vai ser
citada. Brasília, em si, é isso.
Nas suas conversas com o
Fontoura, o que você acha que foi decisivo para você ter sido a escolha
para o papel? O que mais te aproxima do Renato?
Aí eu não sei, desculpa, você deve
perguntar a ele (risos). Mas eu não sei não, não sei qual foi o momento
em que eu o convenci que seria eu, ou se existiu esse momento. Eu
acredito em um mistério muito maior porque os nossos caminhos foram se
cruzando, e quando eu vi tinha acontecido.
Citando outro músico, Caetano Veloso diz
que “é impressionante a força que as coisas parecem ter quando elas
precisam acontecer”. Acho que esse encontro tinha que acontecer. Eu fui
muito feliz, me sinto um privilegiado, um sortudo, tanto quanto artista,
quanto ator por ter vivido essa experiência imensa de fazer esse filme
lindo. E como pessoa também, de ter tido contato com essa “persona”,
essa personalidade, esse ser humano que foi o Renato. E toda a família
dele, todos esses amigos que ele veio a me apresentar.
O Fontoura te chamava de Renato durante as filmagens. Então, você já saiu do personagem? Essa imersão foi tão grande...
Sim, essa imersão foi grande. Ela deixou
um vazio quando acabou. Mas o filme acabou em agosto. E quando ele
acabou teve esse período que ficou um vazio mesmo. A vivência foi muito
intensa, eu fui para Brasília e fiquei longe da minha casa durante muito
tempo, convivendo com aquelas pessoas, e aí de um dia para o outro
acabou. Acabou...
Foi quase uma catarse mesmo, no último
dia, uma sensação de vazio, ela ficou. Mas foi! Essa é a profissão do
ator, a gente não pode ter grandes apegos, não. Na verdade, não é
saudável para nenhum ser humano ser muito apegado a nada. Porque tudo é
passagem, está tudo em transformação. Eu estou em transformação, você
está em transformação. A própria cultura, ela tem que ser viva,
representar o tempo de hoje. A gente não tem que ser apegado a valores,
pelo contrário.
Quer dizer, a gente tem que se apegar,
sim, ao que nos faz bem, quando a gente tem a certeza disso, ou daquilo.
Mas tem que ser disposto a mudar. Essa despedida de personagem, isso
vai existir na vida de um ator durante todo o processo, eu penso...
Deixou um vazio, é claro. Mas é um vazio que é preenchido com as
memórias carinhosas que também ficaram, sabe? E as amizades que também
ficaram, enfim...
Ontem foi lindo, rever todo mundo, estar com todo mundo, foi impressionante.
E o que a vida do Renato vai deixar para você, daqui para frente, como ator?
Eu
acho que como ser humano. Eu não consigo separar muito o meu ator do
meu humano, não. Porque até mesmo a ferramenta que o ator tem para
trabalhar é o ser humano que ele é. É o que ele sente, é sentimento, é
emoção. Ai, não sei... Eu já sou uma pessoa de natureza sensível, mas
ele me criou outras atenções também. E eu já estou com 33 anos, e eu fiz
ele no auge da juventude dele, então acho que o que ele me deixa é uma
reforçada, um gás, naquela força que a juventude tem que a gente vai
deixando que se dilua durante a vida, sabe? A coragem. Talvez seja isso,
talvez ele tenha me reacendido um pouquinho mais a chama da coragem.
Para finalizar, quais são seus próximos projetos? Você pretende continuar no cinema?
Pretendo continuar no cinema, enfim,
interessado em todos os trabalhos que a mim possam chegar. Eu sou uma
pessoa muito interessada na vida, e profissionalmente tudo me interessa,
e quando não me interessa eu não faço. Eu acho que a gente tem que ter
prazer naquilo que faz. Ainda mais nisso, quando você tem que estar ali,
tem que estar de verdade, querendo estar.
E projetos futuros, o que eu posso te
dizer... Eu faço parte, aqui no Rio de Janeiro, há oito anos da
Companhia de Teatro Íntimo. Um coletivo de 18 pessoas, e há oito anos a
gente existe, com repertório nosso, com as nossas peças. E em outubro
agora a gente volta com Dorian, que é uma adaptação do O Retrato de Dorian Gray, do Oscar Wilde. Eu faço o Basil Hallward, o pintor que pinta o quadro.
Enfim, temos isso aí pelo futuro, além de toda a vida pela frente (risos).
Entrevista Giuliano Manfredini
Revista 'A crítica'
O nome Giuliano Mafrendini pode não
significar muito a primeiro momento para os fãs de rock nacional. Mas
esse jovem de 23 anos traz no sangue ligação direta com a genealogia da
própria música brasileira. Seu pai, Renato Manfredini Júnior, consagrado
à imortalidade artística pelo nome de Renato Russo, é o fundador de uma
das maiores se não a maior banda brasileira de todos os tempos, a
Legião Urbana.
Renato Russo morreu em
1996, vitimado pelo vírus HIV, quando o filho tinha apenas sete anos de
idade. O garoto, hoje produtor cultural de carreira ascendente, é quem
detém, desde o início deste ano, os direitos sobre a marca Legião
Urbana, que em plena era da Internet continua vendendo milhares de
álbuns (cerca de 250 mil por ano).
Em
entrevista exclusiva à reportagem de A CRÍTICA, Giuliano se diz
preparado ao assumir o legado pai, fala sobre sua relação como filho e
ao mesmo tempo fã de Renato Russo anuncia projetos grandiosos, dentre os
quais se destaca o que leva o nome do nome do pai.
“O
Renato Russo Sinfônico será um grande espetáculo, com a participação da
Orquestra Nacional de Brasília e músicos nacionais e internacionais. A
grande surpresa será o holograma (projeção em 3D) da imagem de Renato
Russo”, adianta Giuliano. O evento, programado para o dia 29 de junho,
será no Estádio Mané Garrincha, em Brasília (DF).
Giuliano
se descreve como “um cara tranquilo, reservado, que gosta muito de
música, filmes...”. Sobre o pai ele diz que foi “um artista completo, um
pai que me passou todos os melhores valores da vida”, cuja música
transpôs a linha que separa as gerações.
“A
Legião Urbana, mesmo tendo acabado com a morte do meu pai, conseguiu
ultrapassar gerações, aumentando o número de fãs ano a ano. As músicas
são sempre atuais, por isso os jovens de hoje, como da geração dos anos
80, se identificam com elas”, declarou o herdeiro musical da banda, não
deixando de se incluir nesse grupo, é claro. “Além de ser filho de quem
sou, sou fã da Legião Urbana”.
Dois filmes que serão lançados agora em
maio tem Renato Russo como uma espécie de coautor? Você já acompanhou
alguma das produções?
Participei e acompanhei Faroeste Caboclo, mas de forma afetiva. É um belo filme, o público vai se surpreender.
Participei e acompanhei Faroeste Caboclo, mas de forma afetiva. É um belo filme, o público vai se surpreender.
Você também está produzindo um documentário que vai falar sobre o seu pai. Como será esse projeto?
Será um documentário mostrando um lado do Renato Russo que poucos conhecem,mas ainda é um projeto. Pretendo apresentar o Renato Russo para a geração que não o conheceu e matar a saudades dos que ficaram órfão como eu.
Será um documentário mostrando um lado do Renato Russo que poucos conhecem,mas ainda é um projeto. Pretendo apresentar o Renato Russo para a geração que não o conheceu e matar a saudades dos que ficaram órfão como eu.
Seu pai foi um defensor da liberdade de opção sexual, como você as questões sobre homo ou bissexualidade?
A gente tem de respeitar o ser humano e suas escolhas. Respeito e amor pelas pessoas: é isso que o mundo precisa.
A gente tem de respeitar o ser humano e suas escolhas. Respeito e amor pelas pessoas: é isso que o mundo precisa.
Entrevista Renato Russo
Jornal Folha de São Paulo
Em 1996 o rock brasileiro perdia o pouco de senso crítico que
tinha, acelerando a escavação do atual abismo cultural em que se
encontra. Com a morte de Renato Russo, acabava a Legião Urbana, uma das
duas bandas de rock mais importantes do Brasil, funcionando no
imaginário nacional -ao lado do experimentalismo dos Mutantes- como os
Beatles para o planeta.
O fim do grupo coincidiu com a aceleração da idiotização do pop brasileiro, hoje composto por discos de regravações, muitos deles subprodutos da própria Legião.
No dia 21 de maio de 1994, Renato Russo e a banda viajavam pelo interior de São Paulo com a turnê do disco "O Descobrimento do Brasil". O show daquela noite havia sido no ginásio municipal de Valinhos (a 88 quilômetros da capital) e problemas com a acústica do lugar fizeram o grupo convocar uma reunião de emergência na beira da piscina do hotel Royal Palm Plaza, em Campinas. Leia trechos da entrevista concedida por Renato Russo, após a reunião.
Folha - Qual seu disco favorito da Legião Urbana?
Renato Russo - O "V", que eu acho o disco mais difícil. Gosto muito de "O Descobrimento do Brasil". Agora, que encontrei a programação dos 12 passos -parei de beber e de me drogar-, tudo está mais tranquilo. Esse show de hoje, por exemplo: o som estava um caos, tudo estava um horror, e o público, superlegal. O lugar tinha uma reverberação brutal. O público berrava muito, e o engenheiro de som teve de aumentar tudo, desequilibrou. No começo era só "bum-bum-bum" e eu berrando, não dava para ouvir os detalhes. Mas, se fosse em outra época, eu teria ficado tão preocupado que ia beber, tomar um porre, falar: "Nunca mais vou fazer show", nhem-nhem-nhem... Isso agora não existe mais. Há uma tranquilidade, uma serenidade que esse disco trouxe, e acho que as músicas refletem isso.
Folha - Como foi sair dessa fase?
Renato Russo - Eu estava me destruindo e, em vez de me matar com um tiro na cabeça, preferi procurar ajuda. Isso vem desde os 17 anos, mas no "V" foi a primeira vez que coloquei na música essas questões. "Montanha Mágica" é sobre isso. Eu era jovem e acabei entrando num beco sem saída.
Isso foi me consumindo, eu ficava deprimido e não sabia o porquê. Achava que o mundo era horrível, igualzinho ao Kurt Cobain, nada mais valia a pena. E isso é estranho porque, se eu achar um dia que as coisas não valham a pena, quero estar com a cabeça no lugar, e não com o corpo cheio de toxinas. Parei com todo tipo de droga e vi que as coisas não eram tão ruins.
Folha - Isso se refletia na sonoridade da banda?
Russo - Isso a gente decide. Todo disco a gente tenta fazer uma coisa diferente, até porque é mais divertido. E para não ficar na obrigação de repetir o mesmo trabalho. Não achávamos que o "Quatro Estações" fosse estourar, porque é um disco bem difícil, mas todo mundo gostou. As letras são complicadíssimas e não é tão pra cima quanto acham. É tão depressivo quanto o "V".
Tentamos fazer músicas mais pra cima porque era natural, mas não ficava bom. "O Descobrimento do Brasil" não é um disco pra cima, é como o "Power, Corruption and Lies", do New Order. É a coisa mais gloriosa do mundo, mas, se prestar atenção, é pesado.
Folha - Como o "Quatro Estações"...
Russo - No geral, as pessoas acharam que aquilo foi a coisa mais alegre que já foi feita. Enquanto o "V", não. A gente tentou fazer uma música alegre pelo menos, de tudo quanto foi jeito, e não saía. "Vento no Litoral" só tocou porque tem uma melodia bonita. Acho "Metal contra as Nuvens" uma música superacessível. O problema é que o disco falava de coisas que as pessoas não estavam querendo ouvir na hora. Foi quando estourou a axé music, a gente veio na contramão. Mas o disco tem as melhores letras, de longe. Consegui falar tudo o que eu queria. Mas as pessoas não queriam ouvir aquilo. Por exemplo, "Metal contra as Nuvens" é uma música sobre o Collor, mas nunca ninguém falou sobre isso.
Folha - Como você vê a crítica?
Russo - Eles usam os motivos errados. Eu não sou o dono da verdade, mas, para mim, o que motiva esses caras é um rancor e uma incompreensão do que é o nosso país e de como as coisas funcionam. Existem iniciativas maravilhosas no Brasil e a gente não sabe. Aí a gente fica oprimido, achando que tudo não presta, que tudo é horrível. Gostaria de poder apresentar um bom trabalho para as pessoas que gostam da gente. Acho sacanagem, na posição que a gente está, não tentar se esforçar o máximo para apresentar o melhor que a gente pode fazer.
Folha - E o futuro da Legião?
Russo - Não tenho idéia. Eu não vejo como a gente vai seguir o que está fazendo sem se repetir. Depois de "Perfeição", eu vou escrever o quê? Depois que você fala "vamos celebrar a estupidez humana", o que você vai falar? Então talvez a gente faça uma coisa parecida com o que o The Cure faz, para depois, com o tempo, a gente fazer uma mescla. Ou virar uma banda de trabalho, como o New Order. Eu não quero ficar falando como eu acho tudo horrível como está. Se a gente cansar, a gente pára. Se a gente achar que ainda vale a pena fazer alguma coisa, a gente continua.
O fim do grupo coincidiu com a aceleração da idiotização do pop brasileiro, hoje composto por discos de regravações, muitos deles subprodutos da própria Legião.
No dia 21 de maio de 1994, Renato Russo e a banda viajavam pelo interior de São Paulo com a turnê do disco "O Descobrimento do Brasil". O show daquela noite havia sido no ginásio municipal de Valinhos (a 88 quilômetros da capital) e problemas com a acústica do lugar fizeram o grupo convocar uma reunião de emergência na beira da piscina do hotel Royal Palm Plaza, em Campinas. Leia trechos da entrevista concedida por Renato Russo, após a reunião.
Folha - Qual seu disco favorito da Legião Urbana?
Renato Russo - O "V", que eu acho o disco mais difícil. Gosto muito de "O Descobrimento do Brasil". Agora, que encontrei a programação dos 12 passos -parei de beber e de me drogar-, tudo está mais tranquilo. Esse show de hoje, por exemplo: o som estava um caos, tudo estava um horror, e o público, superlegal. O lugar tinha uma reverberação brutal. O público berrava muito, e o engenheiro de som teve de aumentar tudo, desequilibrou. No começo era só "bum-bum-bum" e eu berrando, não dava para ouvir os detalhes. Mas, se fosse em outra época, eu teria ficado tão preocupado que ia beber, tomar um porre, falar: "Nunca mais vou fazer show", nhem-nhem-nhem... Isso agora não existe mais. Há uma tranquilidade, uma serenidade que esse disco trouxe, e acho que as músicas refletem isso.
Folha - Como foi sair dessa fase?
Renato Russo - Eu estava me destruindo e, em vez de me matar com um tiro na cabeça, preferi procurar ajuda. Isso vem desde os 17 anos, mas no "V" foi a primeira vez que coloquei na música essas questões. "Montanha Mágica" é sobre isso. Eu era jovem e acabei entrando num beco sem saída.
Isso foi me consumindo, eu ficava deprimido e não sabia o porquê. Achava que o mundo era horrível, igualzinho ao Kurt Cobain, nada mais valia a pena. E isso é estranho porque, se eu achar um dia que as coisas não valham a pena, quero estar com a cabeça no lugar, e não com o corpo cheio de toxinas. Parei com todo tipo de droga e vi que as coisas não eram tão ruins.
Folha - Isso se refletia na sonoridade da banda?
Russo - Isso a gente decide. Todo disco a gente tenta fazer uma coisa diferente, até porque é mais divertido. E para não ficar na obrigação de repetir o mesmo trabalho. Não achávamos que o "Quatro Estações" fosse estourar, porque é um disco bem difícil, mas todo mundo gostou. As letras são complicadíssimas e não é tão pra cima quanto acham. É tão depressivo quanto o "V".
Tentamos fazer músicas mais pra cima porque era natural, mas não ficava bom. "O Descobrimento do Brasil" não é um disco pra cima, é como o "Power, Corruption and Lies", do New Order. É a coisa mais gloriosa do mundo, mas, se prestar atenção, é pesado.
Folha - Como o "Quatro Estações"...
Russo - No geral, as pessoas acharam que aquilo foi a coisa mais alegre que já foi feita. Enquanto o "V", não. A gente tentou fazer uma música alegre pelo menos, de tudo quanto foi jeito, e não saía. "Vento no Litoral" só tocou porque tem uma melodia bonita. Acho "Metal contra as Nuvens" uma música superacessível. O problema é que o disco falava de coisas que as pessoas não estavam querendo ouvir na hora. Foi quando estourou a axé music, a gente veio na contramão. Mas o disco tem as melhores letras, de longe. Consegui falar tudo o que eu queria. Mas as pessoas não queriam ouvir aquilo. Por exemplo, "Metal contra as Nuvens" é uma música sobre o Collor, mas nunca ninguém falou sobre isso.
Folha - Como você vê a crítica?
Russo - Eles usam os motivos errados. Eu não sou o dono da verdade, mas, para mim, o que motiva esses caras é um rancor e uma incompreensão do que é o nosso país e de como as coisas funcionam. Existem iniciativas maravilhosas no Brasil e a gente não sabe. Aí a gente fica oprimido, achando que tudo não presta, que tudo é horrível. Gostaria de poder apresentar um bom trabalho para as pessoas que gostam da gente. Acho sacanagem, na posição que a gente está, não tentar se esforçar o máximo para apresentar o melhor que a gente pode fazer.
Folha - E o futuro da Legião?
Russo - Não tenho idéia. Eu não vejo como a gente vai seguir o que está fazendo sem se repetir. Depois de "Perfeição", eu vou escrever o quê? Depois que você fala "vamos celebrar a estupidez humana", o que você vai falar? Então talvez a gente faça uma coisa parecida com o que o The Cure faz, para depois, com o tempo, a gente fazer uma mescla. Ou virar uma banda de trabalho, como o New Order. Eu não quero ficar falando como eu acho tudo horrível como está. Se a gente cansar, a gente pára. Se a gente achar que ainda vale a pena fazer alguma coisa, a gente continua.
ótima a materia (:
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