Carlos
Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os
treze anos de idade e tem como influências Drummond e os escritores
simbolistas. Em 2008, lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem
na sombra”, que aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples.
Entretanto, como o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão
fácil de ser encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES
e escreve no Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com). Confira, abaixo, a crônica “Pancada de amor não dói”:
PANCADA DE
AMOR NÃO DÓI
Casaram-se numa tarde de
maio. Ricardo viu Lucia caminhar vagarosamente para o altar, com seus passos
vacilantes e seu belo sorriso, todo branco de si, magnífico. Iriam passar toda
uma vida juntos, até que os anos façam seus ninhos nos cabelos, napele... Ela era tão frágil
que sentiu vontade de abraçá-la ali mesmo, protegê-la das intempéries da vida.
Estaria para sempre ao lado de Lucia, agora sua mulher, plantado como um
carvalho.
Ele era magro, mas já se via calvo
e barrigudo. Orgulhoso, uma vez que uma barriga saliente mostra para a
sociedade que ele é um homem de família. Respeitável. Via-se, também, com três
ou quatro bacuris, enchendo a casa de gritaria e vasos quebrados. Além de
latidos e ganidos de cães. Era assim que ele via a felicidade.
A lua de mel foi doce,
apesar do seu nariz quebrado. Sua mulher era uma pugilista de mão cheia,
entretanto, Ricardo só foi saber disso no pronto socorro, depois de acordar do
nocaute. No começo pensou que era uma forma de incendiar a relação, mas não!
Sempre havia uma surpresa: uma faca, substâncias líquidas em ebulição, tacos de
beisebol e tantos objetos perfurantes. Com Lucia não existia chance para paz.
Ganhou fama de azarado
entre os conhecidos ao tentar explicar as constantes fraturas e escoriações.
“O que aconteceu com o seu
braço?”, pergunta alguém.
“Cai da escada”, respondia
Ricardo.
“No seu rosto é o que?”
“A mesa... bati na quina.”
“A sua perna?”
“Batida de carro. Estou
vivo por um milagre...”
“É mesmo? Mas seu carro tá
inteiro...”
Apesar de tudo os amigos
acreditavam que ele, no fundo, era um sortudo. “A única sorte do Ricardo foi
ter casado com a Lucia”, diziam eles cheios de si, acrescentando o fato “de ela
ser quase uma santa, nunca vi mulher tão boa. Boa em todos os sentidos”,
completavam os amigos às gargalhadas no botequim, entre uma cachaça e outra. O
único que não bebia era Ricardo, se ousasse, no outro dia não andaria, foi o
que lhe jurou Lucy. Na última vez bebeu um gole de cerveja, tomou uma surra de
porrete pra nunca mais esquecer. Aquela mulher era o cão.
Tentou denunciá-la. Na
delegacia caçoaram dele. Não tinha o que fazer. O normal era esperar que ela o
matasse de pancada, ninguém meteria a colher, afinal era briga de marido e
mulher e pancada de amor não dói.
Um dia depois de beber todas, saiu
resoluto – iria acabar com seu problema de uma vez por todas. Agiria como um
homem, como um verdadeiro macho. Levantou-se e cambaleando, mas decidido, rumou
para a sua casa.
“Aquela megera vai ver”,
resmungava ele no seu dialeto de bêbado. “Vai ter de volta tudo o que me deu, a
desgraçada”. Abriu a porta confiante e marchou furtivamente para o quarto
dando socos nas mãos e estalando os dedos. Abriu o armário e pegou a mala. “Vai
morrer de desgosto”, pensou ele, sorrindo e enchendo a bagagem com as suas
roupas. Juntou todo o dinheiro e fugiu. Até
terminar o final de semana e ela voltar da casa de seus sogros, ele estaria
longe.
Partiu foragido da mulher,
com todas as economias. Entretanto, o fantasma dela o perseguia. Tinha sonhos
horripilantes com ela fazendo ensopadinho dele. Acordava suado com a voz dela
sussurrando em seu ouvido:
“Vou te triturar, seu
idiota”.
Além de escutar o barulho
dos dedos dela no taco de beisebol.
Fez cirurgias plásticas,
nem se sua mãe o visse lhe reconheceria. Mudou de identidade, de nome. Mas,
quando chegava em casa, olhava debaixo da cama com uma garrucha para ver se ela
estava lá. Envelheceu sem paz de espírito.
Morreu dormindo, de susto.
Na hora derradeira, levantou os braços e, protegendo o seu rosto, gritou:
“Não, não! De novo não,
Lucy!”
A causa de seu falecimento
foi enfarto fulminante. No velório, adivinhava-se em seus lábios pálidos um
sorriso. Afinal, estava livre do tormento que o perseguira a vida inteira, a
mulher.
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