Carlos
Alexandre da Silva Rocha nasceu em Vitória-ES em 1988. Escreve desde os treze anos de
idade e tem como influências Drummond e os escritores simbolistas. Em 2008,
lançou, pela Lei Rubem Braga, o livro de poemas “Um homem na sombra”, que
aparentemente se coloca aos olhos do leitor como algo simples. Entretanto, como
o livro versa sobre as angústias humanas, ele torna-se não tão fácil de ser
encarado. Carlos Alexandre é formado em Letras-Português pela UFES e escreve no
Blog Pierrô crônico (www.pierrocronico.blogspot.com).
Confira, abaixo, a crônica “Minha
pombinha da discórdia”:
MINHA POMBINHA DA DISCÓRDIA
Sei, mon
amour, que a culpa de nossa desgraça repousa em meus ombros. Sou o único
culpado e pagarei caro por isso. Não fugirei, nem implorarei por minha vida.
Estou enfurnado entre quatro paredes, preso para sempre, como naquela música do
Paul McCartney de que eu gosto tanto, e ao som da qual, muitas vezes, fizemos
amor, mas, ao contrário da “Band on the run”, não sairei daqui, não há
esperança de fuga.
De
mim, de nós, só restará esta carta que algum dia, creio eu, quedará em suas
mãos. Isso, é claro, se ela não for extraviada, destruída, deturpada. Minha
Paloma, como sabe, palavras podem se desmanchar no ar, ou nas gavetas, as
traças existem para isso.
Não
pensei que um inocente cigarro causaria a nossa desgraça. Não foi por mal,
muito menos por bem, que eu o acendi. Estávamos absortos no “je vais, je vais
et je viens entre tes reins”. Além de que escutávamos “Je t’aime... Moi non
plus”, de Serge Gainsbourg, por isso a citação, minha pequerrucha ... Tudo
parecia perfeito! Quando dei por mim, nossa cama estava em chamas e não era de
paixão. Nosso inferno particular começou nessa hora.
Notícias
correm rápido, Ma petite colombe de la discorde, mal saímos do nosso
quarto enfumaçado e somos capa do jornal de hoje. Nem vimos que fomos
fotografados. Você nua e eu como nasci. Tarjas pretas tampam nossos sexos e os
teus apetitosos e tesos bicos dos seios.
Hoje
de manhã, seu marido me ligou. Falou que iria me destruir e que eu ofendera um
cabra macho. Retruquei que ele estava mais para bovino, do que caprino,
esquecera dos chifres? O que talvez tenha aumentado a sua ira. Ele descreveu
minuciosamente o que faria com os meus órgãos genitais quando colocasse as mãos
em mim. Estou
tomando previdências para que isso não ocorra.
Reforcei
as trancas da porta, na verdade, troquei a porta e a casa inteira. A nota
fiscal do esconderijo à prova de bomba nuclear avisava que era impenetrável,
nem a radiação, nem o seu marido vão pôr em risco a minha vida. Entretanto, sei
que um marido nervoso e enganado, consumido pelo ódio, irá colocar todo este
aço abaixo. Essa é a minha maior preocupação.
Sei
que minha casa será tomada, mas será aos poucos. Primeiro a maçaneta, depois a
porta. Ele tomará os ladrilhos com seus passos apressados e cada pó recôndito
de minha residência. De nada adiantarão minhas súplicas e as paredes de metal.
Não terei como fugir, estou acuado.
O
modo como ele vai me tirar a vida me atordoa. Já sinto o cano frio da arma em
minha nuca, ou será que ele me matará a facadas, contando, minuciosamente, o
número de perfurações? Como Nelson Rodrigues avisou, Toda nudez será
castigada. Basta estar pelado com a mulher dos outros e você verá.
Escuto
alguém mexer na porta. Sinto minha respiração diminuir, mas ele desiste e se
vai. Viverei aqui, trancafiado para sempre, até que um dia a morte me arraste
para o seu fosso silencioso e escuro. Queria te ter em meus braços por mais uma
vez, te dar carinho, mas a tranca da porta só abre após cem anos. Estou preso
aqui. Se o seu marido não me matar antes, quando eu estiver velho, olharei tua
foto, minha Paloma, na hora de minha morte, sabendo que você estará velha e
enrugada e não será nem a sombra do que já foi. Meu olho deixará derramar a
última lágrima e me entregarei vencido, pensar isso me alegra, me faz esquecer
que meu fim será outro, mais trágico. Meu amor, adeus.
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