Em 8 de maio de 1970, os
Beatles lançavam seu último disco, “Let it Be”. O projeto foi gravado em 1969,
mas só foi lançado depois de “Abbey Road”
Let it Be – O fim anunciado.
Os Beatles não estavam satisfeitos com os rumos que
a banda havia tomado desde a morte de Brian Epstein. O envolvimento com os
negócios contribuiu para um desgaste emocional que abalou a amizade do
grupo.
O projeto “Get Back” foi a
última tentativa de unir o grupo, que a essa altura, já não se entendia mais.
Cada um vivia um momento particular muito intenso e a banda representava mais
uma obrigação na vida deles. Foi nesse clima totalmente desordenado que Paul
McCartney teve a ideia de um álbum que trouxesse os Beatles de volta, com o som
vibrante dos velhos tempos.
“Get Back” seria
uma referência à volta dos Beatles às suas origens, tocando o puro rock and
roll, cru, sem recursos de overdubs ou efeitos de estúdio, como eles faziam nos
primeiros anos. Além disso, o projeto seria filmado, começando pelos ensaios e
sendo concluído com um show.
O resultado do filme não teve nada a ver com a ideia inicial. Ao invés
de um documentário sobre o processo de criação de um disco de rock, o filme
mostra a separação da maior banda do mundo; com seus integrantes completamente
desinteressados e desmotivados. O show, feito de surpresa em cima do telhado da
Apple, não foi aproveitado para o disco, devido à péssima qualidade de
gravação. O resultado foi um projeto engavetado, só sendo retomado em 1970;
quando concluíram algumas faixas e todas as fitas foram passadas ao produtor
Phil Spector, que usou de sua “Parede de Som” para esconder a péssima qualidade
das gravações. Este trabalho incluiu coros e orquestras adicionais,
desagradando Paul McCartney, que desejava um disco mais “limpo”. A ideia do
projeto havia sido completamente abandonada, por isso já não fazia mais sentido
chamá-lo de “Get Back”,
passando a se chamar “Let
it Be”.
Apesar do sucesso do White Album, lançado em 1968, as
gravações foram muito turbulentas.
Os Beatles já não eram mais aqueles caras
que se divertiamem estúdio. O grupo estava cada vez mais afastado e voltar a
uma sessão de gravação não era vontade de nenhum deles. Ou melhor, praticamente
nenhum deles! Paul McCartney ainda tentava manter o grupo unido e produzindo,
apesar da falta de interesse e até mesmo da má vontade, em alguns momentos, por
parte dos outros integrantes. Por tentar direcionar os projetos, definir os
interesses e colocá-los em prática, Paul passou por “chato” e “mandão”, sendo
chamado de “cri-cri” por John Lennon. Mas, na verdade, a banda estava
precisando de alguém que ficasse à frente e tomasse as rédeas da situação, após
a morte de Brian Epstein.
Pensando na união do grupo, Paul McCartney
sugeriu um projeto de “volta às origens do rock”, com um repertório que
resgatasse o som vibrante que havia ficado para trás. Por se tratar desta
“volta”, o projeto foi chamado de “Get
Back”, que também era o título de uma das canções compostas para o
novo disco.
As sessões começaram em janeiro de 1969,
no Twickenham Film Studios. Uma equipe de filmagens foi contratada para que
todo o processo de criação do álbum fosse registrado. É possível perceber a
falta de interesse de John, que odiava acordar cedo para ensaiar; o
descontentamento de George, que se sentia afastado do grupo e sufocado pelo ego
de Lennon e McCartney; o desânimo de Ringo, que não suportava aquele clima
tenso entre a banda e
Paul McCartney, que à sua maneira, tentava dar rumo ao projeto.
As sessões nos estúdios Twickenham não duraram
muito. O ambiente frio parecia contribuir ainda mais para a desunião da banda.
A presença permanente de Yoko ao lado de John irritava os outros integrantes e
as discussões eram cada vez mais frequentes, pelos mais diversos motivos. O
vídeo chega a mostrar uma discussão entre Paul e George, durante as sessões de “Two of Us”, onde Paul tenta corrigir
algo que segundo ele, parecia não estar em sintonia. George
se sente ofendido e diz: “Eu não me
importo… Tocarei o que você quiser… Ou não tocarei, se você preferir. O que lhe
agradar, eu farei!”. Depois disso, George saiu do grupo, mas voltou
para concluir o projeto.
Após tantas discussões e pouquíssimo
material pronto, as sessões foram transferidas para os estúdios da Apple, onde
eles se sentiam melhor. George Harrison trouxe ainda o tecladista Billy
Preston, para melhorar o clima entre a banda, como já havia feito no álbum
anterior, quando chamou Eric Clapton para gravar “While My Guitar Gently Weeps”. Durante essas sessões,
Paul McCartney era o mais interessado em definir logo o lugar para um show
surpresa, onde eles apresentariam as novas canções. Por fim, surgiu a ideia,
meio sem compromisso, de realizarem o concerto do alto do telhado da Apple.
Todos concordaram e no dia 30 de janeiro de 1969, a banda surgiu
inesperadamente no alto do prédio, tocando o novo repertório. Nem todas as
canções foram executadas, porque a polícia foi chamada para interromper o
barulho.
VOLTA
AO PASSADO
Uma sessão de fotos foi feita, relembrando
a capa do primeiro disco, “Please Please Me”. Os Beatles pousaram na mesma sacada, só
que desta vez, mais velhos. Após isso, o projeto foi abandonado, devido à
péssima qualidade das gravações e a banda só voltou a se reunir para as sessões
do disco “Abbey
Road”. O projeto “Get Back” era coisa do passado. A foto feita da sacada,
pensando na capa do álbum de “volta às origens”, acabou sendo usada na
coletânea lançada anos mais tarde, com sucessos entre 1967 e 1970.
Em janeiro de 1970, Paul, Ringo e George
decidem trabalhar novamente no projeto. Concluem algumas gravações, acrescentam
overdubs em outras, mas muito pouco podia ser feito com o material que já
estava gravado. George Martin não quis se envolver na retomada do projeto,
porque estava magoado com John Lennon, que havia criticado seu trabalho nos
discos anteriores. Foi quando John decidiu chamar Phil Spector para analisar o
material, na esperança de que o produtor pudesse fazer algum milagre com
aquelas fitas mal gravadas.
Phil Spector era um produtor musical muito
respeitado, conhecido principalmente pelo que chamavam de “Parede de Som” (“Wall of Sound”), formada por uma
grande orquestra de instrumentos e vozes. Os Beatles confiaram a ele todo o
material gravado e após dias de trabalho árduo em cima das fitas, ele
apresentou o novo álbum, intitulado “Let it Be”. O disco misturava parte das
sessões de 1969 com as novas gravações de 1970; trechos de conversas, canções
não terminadas, etc. Mas o grande segredo da nova mixagem que salvou as
gravações e permitiu que o disco fosse lançado, na verdade, foi a “parede de
som”; que serviu para abafar as imperfeições das gravações originais.
John Lennon não se envolveu com o projeto
nessa etapa de 1970. Na verdade, tudo que ele menos queria era saber de algo
dos Beatles. Durante as sessões de “I Me
Mine”, ele estava de férias e ao ser informado sobre gravações,
disse apenas que não voltaria de viagem simplesmente por causa de uma gravação
do George. Essa gravação foi uma das últimas a ser finalizada e podemos
considerar que os Beatles já estavam separados.
Paul McCartney odiou o resultado final,
principalmente porque uma de suas canções favoritas, “The Long and Winding Road”, recebeu um
arranjo de cordas sem a sua aprovação. Mas, na situação em que as coisas
estavam, muito pouco poderia ser feito. Paul só soube do lançamento quando
recebeu o disco em sua casa, pelo correio.
Apesar de “cru”, o disco tem ótimos momentos
e canções que sempre serão lembradas, ignorando o triste fim da maior banda do
mundo.
FAIXA
A FAIXA
Two of Us – (Lennon/McCartney)
Gravação: 31 de janeiro de 1969
Gravação: 31 de janeiro de 1969
Composição de Paul que abre o disco. É de John Lennon
a frase inicial: “I Dig a Pygmy, by
Charles Hawtrey and the Deaf Aids… Phase One, in which Doris
gets her oats!” – Citando o ator e comediante britânico Charles
Hawtrey.
A canção soa como uma despedida da
parceria “Paul e John”. Eles dividem os vocais, como há muito não se ouvia.
Paul toca violão e George toca o contra-baixo Fender de 6 cordas, apesar de
aparecer tocando sua Telecaster no vídeo oficial da canção.
Dig A Pony – (Lennon/McCartney)
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Composição de John que ainda tem uma
versão alternativa, com algumas diferenças na letra e na introdução e que foi
tocada no concerto do telhado. Billy Preston participa, tocando teclado. Apesar
da ótima construção musical, John não gostava muito da canção.
Across the Universe –
(Lennon/McCartney)
Gravação: 04 e 08 de fevereiro de 1968 e 01 de abril de 1970
Gravação: 04 e 08 de fevereiro de 1968 e 01 de abril de 1970
Composição de John, lançada originalmente
no ano anterior, na coletânea “No One’s Gonna Change Our World”, onde vários artistas
participaram. Para o disco “Let it Be”, a canção foi remixada, alterando sua velocidade
e seu instrumental. A versão lançada no ano anterior encontra-se na coletânea “Past Masters 2”.
I Me Mine – (Harrison)
Gravação: 03 de janeiro, 01 e 02 de abril de 1970
Gravação: 03 de janeiro, 01 e 02 de abril de 1970
Composição de George subestimada por John.
Foi a última canção a ser gravada, quando os Beatles já não existiam mais. John
estava viajando e disse que não interromperia suas férias por causa de uma
gravação de Harrison. A letra fala do egoísmo e do individualismo das pessoas,
além de alfinetar a briga de egos do grupo. O título pode ser traduzido como
“Eu sou mais eu”. Na mixagem final, a canção sofreu uma alteração que a deixou
maior.
Dig It –
(Lennon/McCartney/Harrison/Starr)
Gravação: 26 de janeiro de 1969
Gravação: 26 de janeiro de 1969
Uma “brincadeirinha” de estúdio deles, que
acabou entrando no disco, para desespero de muitos fãs. A versão original,
encontrada em vários bootlegs, continha por volta de 5 minutos, mas Phil
Spector não era tão mau assim e editou para menos de 50 segundos… Ufa!
Let it Be – (Lennon/McCartney)
Gravação: 31 de janeiro, 30 de abril de 1969 e 04 de janeiro de 1970
Gravação: 31 de janeiro, 30 de abril de 1969 e 04 de janeiro de 1970
Um dos maiores sucessos de Paul McCartney,
lançado anteriormente em single, sob a produção de George Martin. A letra fala
que naquele período de turbulência, sua mãe (que havia morrido de câncer,
quando Paul ainda era criança) aparecia a ele em sonho, dizendo “deixe estar”. Uma canção otimista,
apesar da fase difícil, vivida pelo grupo. John Lennon toca o contra-baixo
Fender de 6 cordas e Paul toca piano. Phil Spector acrescentou alguns sopros e
um novo solo de George Harrison. Além disso, a gravação da bateria também é
outra, deixando a versão completamente diferente da que foi lançada em
compacto.
Maggie Mae –
(Lennon/McCartney/Harrison/Starr)
Gravação: 24 de janeiro de 1969
Gravação: 24 de janeiro de 1969
Mais uma faixa difícil de compreender. A
canção tradicional de Liverpool foi creditada aos Beatles, já que eles fizeram
os novos arranjos e a composição é de domínio público. Desde 1965, os Beatles
não lançavam uma canção que não fosse de sua autoria.
I’ve Got A Feeling –
(Lennon/McCartney)
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Última parceria de John e Paul. Na
verdade, trata-se da junção de uma composição de Paul (I’ve got a feeling… A feeling deep
inside…) com uma de Lennon (Everybody had
a hard year… Everybody had a good time…).
One
After 909 – (Lennon/McCartney)
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Gravação: 30 de janeiro de 1969
Composta em 1959 por Lennon &
McCartney e nunca aproveitada! A canção chegou a fazer parte das sessões de
1963, como podemos ouvir no disco “The Beatles Anthology 1”; mas por algum
motivo, ficou esquecida todo esse tempo.
The Long and Winding Road –
(Lennon/McCartney)
Gravação: 31 de janeiro de 1969 e 01 de janeiro de 1970
Gravação: 31 de janeiro de 1969 e 01 de janeiro de 1970
Mais um clássico de Paul McCartney. A
princípio, a canção seria uma balada simples, com piano, bateria, contra-baixo
e órgão elétrico (tocado por Billy Preston); até Phil Spector incluir uma super
orquestra e um coral, para desespero de Paul McCartney, que por anos remoeu
essa mágoa. Apesar disso, a canção é uma das melhores do disco e está entre as
mais belas gravações da banda.
For You Blue – (Harrison)
Gravação: 25 de janeiro de 1969
Gravação: 25 de janeiro de 1969
Composição de George, que canta e toca
violão. Paul toca piano e John toca slide guitar. Existe ainda uma segunda
versão, lançada no “Anthology 3”.
Get Back – (Lennon/McCartney)
Gravação: 27 de janeiro de 1969
Gravação: 27 de janeiro de 1969
Composição de Paul que já havia sido
lançada em single. Para
o disco, a canção foi editada, ficando menor. No final, Paul fala “Thanks, Mo”; agradecendo os aplausos
de Maureen Cox, esposa do Ringo. John termina dizendo: “Eu gostaria de agradecer a todos, em nome do grupo
e espero que tenhamos passado na audição!”
A CAPA
Na capa, os Beatles aparecem em fotos
individuais, tiradas durante as sessões de gravação. Já estava claro que eles
não suportaram nem mesmo uma última sessão de fotos juntos.
O álbum foi lançado na Inglaterra em 08 de
maio de 1970 e sua primeira edição vinha em um box que trazia ainda um livro
com várias fotos das sessões de gravação. O disco chegou ao topo das paradas em
junho e permaneceu por 3 semanas. Let it Be recebeu ainda o Oscar como
melhor trilha sonora original.
Algumas canções que fizeram parte das
sessões “Get
Back / Let it Be” foram lançadas em singles entre 1969 e 1970, como
é o caso de “Don’t Let Me Down”,
que foi o lado B do single com a outra versão de “Get Back”. Outras foram lançadas mais tarde, em suas
carreiras individuais e algumas canções nem chegaram a ser lançadas oficialmente,
mas vieram ao conhecimento dos fãs, através dos inúmeros bootlegs (discos
piratas, contendo ensaios e outros materiais raros) que circulam entre os
colecionadores.
Em 2003 foi lançado o disco “Let it Be… Naked”,
produzido por George Martin a pedido de Paul McCartney, que nunca aceitou a
mixagem do disco de 1970. O álbum trás as versões “nuas”, como o próprio nome
sugere, sem as orquestras, overdubs e demais efeitos usados por Phil Spector no
álbum anterior. Nesse relançamento foi incluída a canção “Don’t Let Me Down” e retiraram “Dig It” e “Maggie Mae”. O álbum trás ainda um disco extra, chamado “Fly on the Wall”,
com conversas e jam sessions.
Entre os beatlemaníacos, as opiniões sobre
Let it Be
se dividem. Uns concordam com Paul McCartney e acham que as músicas sofreram
alterações muito grandes, perdendo sua essência. Outros acham que Phil Spector
fez o melhor possível para salvar as gravações e não se importam com o excesso
de efeitos e overdubs.
Alguns anos após seu lançamento, John
declarou em entrevista para a Playboy que Spector fez um excelente trabalho,
tendo em vista o péssimo material que os Beatles tinham em mãos: “Demos a ele a pior quantidade de gravações ruins e
ele foi capaz de fazer algo bom daquilo.”
Uma semana após o lançamento de Let it Be,
Paul McCartney lançava seu primeiro disco solo, intitulado “McCartney”.
Nele, Paul declarava que os Beatles não existiam mais e que não havia mais
possibilidade de trabalharem juntos novamente. Era o fim, oficialmente anunciado.
Embora previsto, é muito difícil para os fãs aceitarem a separação do grupo que
mudou a cultura mundial. Pior ainda é ver que o fim aconteceu em uma situação
como esta, com brigas, ofensas e rancores entre quatro amigos que sonhavam
conquistar o mundo e só levaram mensagens de amor por onde passaram.
Let it Be pode não estar entre os melhores discos dos
Beatles; o filme mostra claramente o descontentamento de cada um e a falta de
administração, causada pela ausência de Brian Epstein. Estes e vários outros
fatores resultaram em um álbum mal produzido e cercado de discussões; mas é o
último suspiro de afeto deles para com os fãs e só isso já merece nossa
gratidão eterna. O fã pode optar entre Let it Be (1970) ou Let it Be… Naked (2003). Pode achar que Phil Spector fez um mau
trabalho ou pode considerá-lo um artista, por salvar algo bom no meio de tanta
má vontade. O que interessa de verdade é que o disco nos presenteou, pela
última vez, com algumas das mais belas canções, que serão lembradas por muitas
gerações.
Fonte: Arcervo Pessoal e Edcarlos da Silva.
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